sábado, outubro 27, 2018
Gil Gomes e Datafolha fazem a tradução política do fascismo brasileiro
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Nos dias que antecederam a eleição de segundo turno dois fatos relevantes: a morte do radialista e jornalista Gil Gomes e os resultados da pesquisa Datafolha sobre os atributos dos candidatos à presidência. O primeiro, evento sincrônico cheio de significados – a morte do representante de uma extirpe da crônica policial que por décadas cultivou o ódio, medo e vingança dos telespectadores e ouvintes. Cuja colheita vemos na atual polarização política. E o segundo, divulga números sobre os atributos aos candidatos à presidência que relembram os resultados da célebre pesquisa “Personalidade Autoritária” liderada por Theodor Adorno na década de 1940 nos EUA. Pesquisa representou as configurações psicodinâmicas relacionadas a atitudes e expressões antissemitas, etnocêntricas, conservadorismo político e econômico para chegar ao potencial fascista, a famosa “Escala F”. Provando que o pensamento autoritário não é uma simples “aberração cognitiva”. Mas uma formação reativa psíquica à espera de uma tradução política.
sexta-feira, outubro 26, 2018
O capitalismo é apenas mais uma forma de gerir o hospício humano em "Insanidade"
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O filme checo “Insanidade”
(“Silení, 2005) é para poucos pela sua alta carga de niilismo e humor negro. O
diretor Jan Svankmajer volta à crítica da sociedade de consumo do filme
anterior “Little Otik” (2000), mas dessa vez por um viés político e
ontológico: a história humana é comparada a um problema de gestão de um
manicômio no qual há duas formas de fazê-lo - ou a liberdade absoluta na qual o
prazer e orgia se aproximam do crime e da morte, ou o totalitarismo da dor e
castigo que também flerta com a morte. Um jovem tem recorrentes pesadelos até
encontrar um milionário excêntrico que emula o próprio Marquês de Sade. Ele
apresenta o médico gestor de um manicômio que apresenta uma técnica supostamente
revolucionária que irá livrá-lo dos seus pesadelos. “Insanidade” é uma fábula sobre
como a História até aqui não conseguiu conciliar Eros e Thanatos, prazer e
morte. E como o capitalismo é mais uma forma de gerir essa loucura.
quinta-feira, outubro 25, 2018
"Esquerda precisa de um novo Goebbels?", indaga Cinegnose na CEE-Fiocruz no Rio
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Nessa segunda-feira este
humilde blogueiro participou da oficina “Guerra Semiótica, Políticas Sociais e
Saúde” após gentil convite da pesquisadora Letícia Krauss, coordenadora do
evento. A oficina foi no CEE-Fiocruz (Centro de Estudos Estratégicos da
Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro). Procurei fazer um comparativo entre as
ações da direita e esquerda, no espectro político, dentro do campo da
comunicação. O problema: enquanto a esquerda mal compreendeu o funcionamento
das mídias de massa no século XX, nesse século a direita da um segundo salto
tecnológico com a guerra semiótica no campo das tecnologias de convergência –
Internet e redes sociais. Solução: lutar no mesmo campo simbólico da direita,
modular a comunicação para alcançar líderes de opinião de grupos e comunidades
(analógios ou digitais) e táticas de guerrilha antimídia. Será que para isso seria
necessário um novo Goebbels, agora na esquerda?
terça-feira, outubro 23, 2018
Memória, identidade e controle mental no filme "Upstream Colour"
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Um filme
inclassificável. Pode ser um romance com uma racionalização sci-fi. Uma jovem
engole uma capsula medicinal contendo um estranho verme cuidadosamente
cultivado em estufa, tornando-se hospedeira tanto da larva como do controle
mental de alguém que a transformou numa cobaia involuntária de um experimento.
Agora ela terá flashbacks, flashfowards e flahs periféricos tornando o filme “Upstream
Colour” , 2014, de Shane Carruth (“Primer”) num filme estranho, surreal. Num
verdadeiro quebra-cabeças que cobra do espectador esforço cognitivo para
restabelecer a linearidade. Uma experiência enigmática, única, hipnótica e
surreal. “Upstream Colour” nos dá a sensação de, através de um microscópio,
estarmos vendo a matéria-prima das nossas memórias e identidades: as sensações
mais básicas dos nossos cinco sentidos. Tão efêmeras e frágeis que podem ser
roubadas quando menos esperamos.
domingo, outubro 21, 2018
"Cinegnose" discute no Rio guerra semiótica nas políticas públicas de saúde
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Mais uma vez este humilde blogueiro do “Cinegnose” vai ao Rio de Janeiro. Dessa vez, no CEE Fiocruz (Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz – Fundação Oswaldo Cruz) para apresentar a oficina “Guerra Semiótica, Políticas Sociais e Saúde”. O evento será nessa segunda-feira às 13h30. Será abordado todo um espectro de conceitos teóricos, práticos e políticos associados à Teoria da Comunicação e Semiótica. Mas principalmente, como esses referenciais teóricos podem orientar práticas de política de comunicação no atual cenário brasileiro de guerra híbrida e semiótica. Em particular, atingindo as políticas públicas de saúde.
sábado, outubro 20, 2018
"ZapGate" é o último ato da guerra híbrida
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Cinicamente a Globo chama de “guerra virtual” para encobrir o caráter assimétrico da batalha do disparo de milhões de notícias falsas com apoio empresarial pela campanha de Jair Bolsonaro - o "ZapGate". Enquanto isso, mais uma vez o PT aciona seu Exército Brancaleone para pedir, dessa vez, medidas punitivas da Justiça Eleitoral – como se não estivéssemos testemunhando o previsível último ato de uma guerra híbrida metódica e sistemática iniciada em 2013. Aguarda-se um show de contorcionismo judicial-midiático para deixar o tempo passar mais rapidamente. Ou enfiarão a cabeça na terra e se fingirão de morto...Este é o último desafio para a esquerda: se ela mal compreendeu o porquê do sucesso da propaganda hipodérmica do nazi-fascismo do século XX, poderá entender e dar uma resposta estratégica à guerra da mineração de big data criadora de dissonâncias cognitivas e realidades paralelas? Apesar do ar pós-modernoso do “ZapGate”, as origens da sua estratégia de comunicação estão no século XX: a descoberta de que as redes dos líderes de opinião de grupos e comunidades é que sancionam os conteúdos midiáticos.
segunda-feira, outubro 15, 2018
"O Abrigo": o mais perturbador filme pós-apocalipse dos últimos tempos
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Pode parecer que “O Abrigo” (“The Divide”, 2011) é mais um filme pós-apocalíptico em que, outra
vez, Nova Iorque é destruída. Dessa vez por bombas nucleares em uma guerra
indeterminada. Mas dessa vez não temos uma narrativa épica de um herói que luta
em colocar ordem no caos para salvar o dia. As coisas irão de mau a pior num
grupo de sobreviventes em um abrigo subterrâneo. A obsessão pela temática pós-apocalipse
e do fim do mundo no cinema encobre a raiz de um sintoma que “O Abrigo” revela
de maneira explícita: o freudiano “Mal-Estar da Civilização” assentado no temor
da morte, da fragilidade do corpo e no inferno que representa o outro. Por
isso, o diretor Xavier Gens vai buscar inspiração em dois clássicos da literatura
do niilismo pós-guerra: a peça “Entre Quatro Paredes” de Sartre e “O Senhor das
Moscas” de William Golding. “O Abrigo” é um filme para cinéfilos com mente e
estômago fortes. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.
sábado, outubro 13, 2018
Uma psicanálise da engenharia da computação na série "Maniac"
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Mais do que entender “quem
é o dono do hardware” atrás dos aplicativos, gadgets e algoritmos que nos
envolvem e fazem a mediação de todas as nossas relações familiares, pessoais e
profissionais, é urgente também fazermos uma psicanálise da “classe virtual”: a
“tecno-intelligentsia” de neurocientistas, engenheiros, cientistas da computação,
criadores de jogos eletrônicos e toda gama de desenvolvedores digitais. Até que
ponto o atual paradigma digital (que confunde a mente com o próprio
funcionamento dos computadores) é a projeção de uma “ego trip” desses membros
da elite virtual: estariam traumas, fantasmas e obsessões íntimas dos próprios
desenvolvedores digitais projetados no modelo cognitivo que a ciência da
computação impõe para nós? Esse é o mais importante tema da nova série Netflix “Maniac”
(2018): uma radical técnica fármaco-computacional promete eliminar as memórias
de nossos traumas para voltarmos à realidade felizes e produtivos. Mas, e se
ficarmos aprisionados nos próprios traumas dos neurocientistas criadores do
experimento?
quarta-feira, outubro 10, 2018
Bolsonaro é um avatar. Como enfrentá-lo?
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Estamos à beira do
desfecho de uma guerra híbrida iniciada em 2013 com as chamadas “Jornadas de
Junho”. Num mecanismo tão exato quanto um “tic-tac”, passo a passo, um depois do outro, irresistível, sistemático: a Política foi demonizada,
um governo foi derrubado, o psiquismo nacional envenenado e a polarização
despolitizou e travou qualquer debate racional. Tudo iniciado pelas bombas semióticas
detonadas diariamente pelas mídias de massas. E nesse momento o desfecho ocorre na velocidade viral das redes sociais. Por isso, Bolsonaro converte-se em um “candidato-avatar”:
a Nova Direita descobriu a tática do “Firehose” – a espiral de boatos e
desmentidos pelos “fact-checking” cria paradoxalmente o subjetivismo e relativismo
que blinda o próprio candidato-avatar. Apesar de toda essa pós-modernidade, a
Nova Direita tem o mesmo elemento de estetização da política criada pelo fascismo histórico: a narrativa ficcional cômica
– de programas de humor da TV, Bolsonaro despontou como um “mito” de quem
ria-se e não se levava a sério. Por isso, circulou livremente. Hoje, é o
protagonista do “gran finale” da guerra híbrida. Como enfrentar um avatar?
domingo, outubro 07, 2018
Em "Jogador Número 1" a jornada moralista do herói de Spielberg
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Depois de abordar temas
como tubarões, terrorismo, ETs e narrativas de aventuras que sempre tiveram a
marca do retrô pop, dessa vez no filme “Jogador Número 1” (“Ready Player One”,
1978) o consagrado diretor Steven Spielberg mergulha na tecno-mitologia dos
games de computador – uma vasta paisagem virtual de um jogo imersivo de
avatares lutando em um parque temático da cultura pop: um gigantesco museu
interativo sobre o século XX no futuro, um labirinto de referências e alusões
da mitologia pop. Como sempre, Spielberg entrega ao público a velha narrativa
da Jornada do Herói repleta de elementos herméticos e gnósticos. Mas Spielberg é
a nata da indústria hollywoodiana: mais do que tudo, sabe construir narrativas míticas e elementos esotéricos fascinantes (porque
prometem transcendência) embaladas com o moralismo da boa e velha dualidade
maniqueísta hollywoodiana. “Jogador Número 1” dá a reposta a uma questão que sempre
incomodou o “Cinegnose”: por que o Gnosticismo parou nas mesas de produtores e
roteiristas de Hollywood?
segunda-feira, outubro 01, 2018
Para grande mídia, cárcere do Lula é o Gabinete do Dr. Caligari
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Desde o impeachment de 2016, aos poucos as bombas
semióticas na grande mídia foram dando lugar a estratégias narrativas: como
transformar uma má notícia em um “conto maravilhoso” (Vladimir Propp) em plenas
narrativas não ficcionais jornalísticas? Narrativas em que verossimilhança e
relações de causalidade são mandadas às favas – transmutações, pensamento
animista, magia, forças sobrenaturais, ação à distância por princípio de
semelhança etc. Em meio ao mal estar da grande mídia em ver, mais uma vez, o PT
ir ao segundo turno eleitoral (apesar das diversas mortes anunciadas do partido
e de Lula), o jornal "Estadão" nos brindou com mais uma dessas narrativas fantásticas:
tal como o clássico expressionista alemão de terror “O Gabinete do Dr.
Caligari” (1920), uma colunista alerta que Lula usa poderes hipnóticos e
paranormais – de dentro da prisão, Lula controla mídia, inventou Bolsonaro e o
anti-petismo para depois derrota-lo... e Haddad é o seu Cesare – hipnotizado,
às vezes até emula o “chefe” com a voz rouca em carros de som. Grande mídia
revela agora seu expertise narratológico – só mesmo a semiótica de Julien Greimas para
desmontar essa bomba narratológica.
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