E se ao invés de cerveja, o amigo Marlon desse a Truman um cigarro de
maconha para tentar acalmar suas crises paranoicas sobre as
suspeitas de que sua vida era um programa de TV? Será que Truman ficaria
“anestesiado” ou chegaria mais rapidamente à verdade no filme “Show de Truman?”. O curta “Craig’s Pathetic Freakout” (2018), de Graham Parkes, levanta essa
curiosa questão de cinéfilo – Craig é um cara orgulhoso demais para aceitar que
não pode lidar bem com drogas. Fuma uma erva e começa a ficar paranoico,
acreditando estar dentro de um filme. Ficção e realidade se misturam num
curioso exercício metalinguístico e de narrativa em abismo – um filme dentro de
um filme. E, como toda metalinguagem no cinema e audiovisual, trás um sabor
gnóstico: e se a realidade for também um filme dirigido por alguém muito louco?
O
leitor deste Cinegnose certamente
assistiu ao clássico gnóstico Show de
Truman (Truman Show, 1998) no
qual Jim Carrey era Truman , cidadão de Seaheaven que ignorava que sua vida era
um reality show e a cidade uma cenografia completa em um gigantesco domo
povoado por atores e equipes de produção no programa com a maior audiência da
TV mundial.
Agora,
imagine se Truman ao invés de tomar as cervejas que o seu amigo Marlon trazia
para acalmar suas crises existenciais, trouxesse maconha para ele fumar... Talvez o cigarro de cannabis o deixasse ainda
mais paranoico. Ou então... ajudasse o pobre Truman a revelar mais rapidamente
toda a verdade por trás das paredes de Seaheaven.
Esse é
o mote sugerido pelo curta do diretor Graham Parkes, Craig’s Pathetic Freakout (2018). Um brilhante exercício de ironia
e metalinguagem: um filme dentro de outro filme. Ou um alerta sobre o perigo
das drogas, principalmente sobre o risco das bad trips paranoicas. Ou talvez um elogio à potencial abertura das
portas da percepção que determinadas drogas podem provocar. Ou que sabe, a
loucura de um ator que entrou tanto no personagem que esqueceu de que está num
set de filmagem.
O
curta acompanha dois amigos em um agradável bate papo. Até que um deles tem a
ideia de pegar uma caixinha com cachimbo e maconha, alertando ao amigo que ele
tem uma reputação de não se dar muito bem com drogas. Porém, seu interlocutor é
orgulhoso demais para ser deixado fora dessa, e decide acompanha-lo na rodada
de tragadas no cachimbo.
O que
se segue é uma divertida comédia com a quebra da quarta parede cinematográfica
enquanto a mente do protagonista é tomada pela paranoia, quando percebe que a
sua voz repentinamente perde a sincronia com a imagem, eventualmente microfones
do boom operator começam a aparecer
no enquadramento e repentinamente aparece toda uma equipe de produção por de
trás da cena.
A
metalinguagem no cinema e audiovisual sempre remete a uma sensibilidade
gnóstica, por simbolizar a clássica questão de toda história da Filosofia: o
conflito entre livre-arbítrio e necessidade, o aleatório e o acaso, o caos e a
ordem. E os próprio protagonistas, como entidades ficcionais direcionadas por
um roteiro, diretor e equipe de produção, que repentinamente ganham consciência
da sua condição e tentam se rebelar.
É como
se o próprio aparato de gravação e produção cinematográficas expressasse a
condição humana prisioneira em uma narrativa criada por um Demiurgo/Diretor
criador de um roteiro totalmente estranho à nossa liberdade.
Filmes
como Mais Estranho Que a Ficção (no
qual o protagonista descobre que é um personagem ficcional de uma escritora que
sempre mata seus heróis no final) ou Um
Sonho Dentro de um Sonho (a vida de um roteirista começa a se confundir com
um filme ficcional) exploram essa condição irônica onde o próprio filme destrói
a ilusão de verossimilhança (por exemplo, destruindo a chamada “quarta parede”
como nesse curta) para desnudar o caráter ficcional da narrativa.
Dentro
desse aspecto metalinguístico, o ponto de virada do curta vem quando a paranoia
do protagonista vai ao máximo quando percebe que o seu amigo falou duas vezes
uma frase, como se repetisse uma linha de diálogo de um roteiro memorizado.
Assim como Truman desconfia das frases arbitrárias de merchandising que sua
esposa fala do nada em Show de Truman.
E
claro que em Craig’s Pathetic Freakout há o tema da droga como uma ferramenta
para abrir as portas da percepção para desvendar o véu da realidade. Mas aqui
temos o consumo da cannabis não em um ambiente de festa ou “balada”, mas em um
cenário relaxado. Num bate papo entre dois amigos em uma tranquila sala de
estar.
É como
se o curta retomasse as conexões das drogas com o imaginário místico e
espiritual. Como o fizeram Adous Huxley (“As portas da Percepção”) e as
experiências transpessoais do neurocientista Thimoty Leary com o LSD. Drogas que nos fariam enxergar a
realidade através do livre-arbítrio, muito além do determinismo e da
necessidade imposta por uma realidade artificialmente construída e alheia a
nós.
Bem
diferente da atualidade, onde as drogas euforizantes e smart drugs nos deixam
“ligados” em uma “balada forte” ou “espertos” em nossas interações tecnológicas
e profissionais em interfaces como tablets, blackberrys, realidade aumentada,
virtual etc.
Mas
também está claro, e o próprio diretor Graham Parkes admite isso, que o curta
suscita outras interpretações. O freakout do protagonista Craig tem muito da
experiência pessoal do diretor com a maconha. Por isso, pode ser apenas um
alerta para o perigo do consumo de drogas de alguém tão orgulhoso que acha que
consegue lidar com os efeitos.
Ou
ainda o conhecido perigo de atores que mergulham tão de cabeça no personagem
que acabam confundindo a ficção com a realidade de forma paranoica e
esquizofrênica.
Ou
apenas a estória de Craig que fumou tanta erva que achou que estava dentro de
um filme...
Ficha Técnica
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Título: Craig’s
Pathetic Freakout (curta)
|
Diretor: Graham Parkes
|
Roteiro: Graham
Parkes
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Elenco: Mat
Wright e Lewis Pullman
|
Produção: Brendan
Garrett
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Distribuição: Vimeo
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Ano: 2018
|
País: EUA
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