A denúncia
tardia da jornalista Miriam Leitão de que supostamente teria sido vítima do
ódio de petistas num voo entre Brasília-Rio tem um timing preciso: o momento no
qual Lula e Lava Jato estão em segundo plano diante da guerra entre os canhões
da Globo e a resistência do desinterino Michel Temer em se agarrar à presidência. Além da palavra de ordem “Fora Temer!” ter evoluído nas ruas para o lema
“Diretas Já!”. Miriam Leitão coloca mais uma vez em funcionamento os mecanismos
da “teratopolítica” – a estratégia semiótica da criação de inimigos monstruosos
(o morfologicamente disforme, o monstro ou o simulacro humano) na política. Por
contraste, as recentes capas das revistas informativas nacionais sobre a atual
crise política demonstram isso: enquanto as representações de Dilma e Lula
derivam entre a deformidade e um simulacro humano que se quebra ou derrete, com
Temer é diferente: é o enxadrista e o estrategista que mantém a morfologia
humana. Diferentes planos semânticos, sintomas do atual racha na grande mídia e
uma guerra fratricida entre aqueles que articularam o golpe político de 2016.
Nas últimas
semanas, Lava Jato, Power Points, triplex do Guarujá, pedalinhos de Atibaia e
Lula, se não desapareceram, pelos menos ficaram em segundo plano na pauta da grande
mídia.
Juntamente com
os repórteres e comentaristas da Globo (esbaforidos, perplexos e gaguejantes ao
vivo com a repentina decisão da emissora de jogar Temer ao mar), os brasileiros
ficaram eletrizados com áudio do desinterino Temer gravado secretamente por
Joesley Batista, o vídeo de uma mala cheia de dinheiro conduzida às pressas em
pleno bairro do Itaim/SP pelo deputado federal e assessor especial de Temer,
Rocha Loures, entre outras revelações-bombas diárias que colocam em xeque o
atual Governo.
O divisão da mídia corporativa brasileira
entre, de um lado, a Globo (que defendeu abertamente a renúncia do presidente e
sustenta esmagadora maioria de manchetes tendo Temer como alvo), e do outro Estadão e Folha tentando apagar o incêndio marcou uma inédita ruptura na
atuação em bloco das mídias nessas duas décadas de governos petistas.
Mas esse racha
liderado pela poderosa Globo produziu um crescente e incômodo efeito colateral:
o início da unificação das esquerdas e organizações sindicais em torno do “Fora
Temer!” que evoluiu para a palavra de ordem “Diretas Já!”. Isso depois de uma
bem sucedida Greve Geral em abril e o anúncio de outra para o dia 30 desse mês.
Certamente o
lema “Diretas Já!” será o mote dessa nova greve, carro-chefe de luta pela
defesa dos ameaçados direitos trabalhistas e previdenciários.
E como nas
recentes coberturas de manifestações, prevê-se mais uma vez a Globo, tal como
uma avestruz tautista, enfiando a
cabeça na terra e tentado fazer os telespectadores acreditar que todos nas ruas
estão juntos com a emissora, apenas pelo “Fora Temer!” – sobre o conceito de
“tautismo” clique aqui.
Teratopolítica e vácuo político
Nesse vácuo
político do cai-não-cai do desinterino Temer, e de um governo paralisado e sem
conseguir tocar as reformas abençoadas pela mídia corporativa, começa a ficar
preocupante a pretensão das esquerdas e centrais
sindicais ocuparem o espaço político. E, o que é pior, ver o crescimento do
capital político de Lula, como atestam pesquisas recentes, mesmo com todas as
convicções da chamada “República de Curitiba” onde estão os próceres da Lava
Jato.
Portanto, entra
mais uma vez em ação a estratégica semiótica de “teratopolítica” – derivado da
teratologia ( de “depato”, “monstro”): ramo da ciência médica preocupado com o
estudo das causas ambientais que possam alterar o desenvolvimento pré-natal
levando a desenvolvimentos anormais.
Teratopolítica:
demonizar o inimigo através da simplificação, exagero, vulgarização até
transformá-lo em uma anormalidade, aberração e perigoso veículo de contágio de
patologias sociais como ódio, violência, intolerância e preconceito.
Os instrumentos
semióticos para a “teratopolitização” do inimigo vão das charges, montagens
“fotoshopadas” em capas de revistas, mas, principalmente, matérias
jornalísticas nas quais o jornalista é a própria (e única) fonte da informação
de uma matéria ou coluna inteira.
O timing de Miriam Leitão
Eis que, após o
“escândalo da fraude da Wikipédia” (mais uma das bombas ideológicas diárias
feitas para minar o Governo Dilma), no qual denunciava que o seu perfil na
enciclopédia eletrônica tinha sido alterado a partir de um IP do Palácio do
Planalto, a jornalista Miriam Leitão volta à cena – na sua coluna em O Globo denunciou que fora vítima de
“duas horas de xingamentos e gritos” contra ela e a Globo em um voo
Brasília-Rio.
Denunciou que
os agressores eram “representantes partidários do PT”. Leitão levou dez dias
para denunciar as agressões em sua coluna, em uma narrativa repleta de lacunas
como muito bem apontou o jornalista Luís Nassif e relatos de passageiros que
estavam no voo, contradizendo a colunista global – clique aqui.
Assim como no
episódio do “escândalo da Wikipédia”, Miriam Leitão levou dias para fazer a
denúncia. Lá em 2014, o timing foi a Operação Anti-Copa (com o auxílio luxuoso
dos black blocs e manifestações de rua) e a CPI da Petrobrás – clique aqui.
Enquanto aqui, a
“denúncia” de Leitão acontece num momento em que o desinterino Temer não caiu
tão rápido como a Globo pretendia (a derrota da emissora no Tribunal Eleitoral
que absolveu a chapa Dilma-Temer foi sentida nos telejornais globais) enquanto
Lula e o PT ficaram em segundo plano diante da artilharia midiática voltada
agora contra o Governo.
Por isso, o
escândalo do suposto linchamento dos petistas contra uma jornalista da Globo no
voo da Avianca pode ser o início de uma nova escalada da estratégia semiótica
teratopolítica: petistas (assim como bolivarianos, comunistas e afins) são
monstros intrinsecamente violentos e intolerantes.
Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come
Estamos diante
de típica Fake News que evoluiu para
uma pós-verdade: a presidenta do PT Gleisi Hoffmann passa recibo para a
narrativa de Miriam Leitão ao pedir desculpas em nome do partido, acompanhando
a solidariedade de órgãos de comunicação (Abraji, Abert, Aner, ANJ etc.).
Esse é o “double bind” (duplo vínculo - se ficar
o bicho pega se ficar o bicho come) dessas não-notícias: mesmo que você
desconfie que tudo seja uma Fake News
e dê tempo para apurar os fatos, involuntariamente passará a percepção de que é
conivente com os supostos casos relatados – o tempo da Internet é instantâneo.
Por outro lado, se reage aos acontecimentos dando anuência aos fatos, dará
pernas a uma não-notícia. Qualquer desmentido ou relatos posteriores revelando
a falsidade das notícias serão ignorados: a primeira impressão é a que fica!
Por contraste,
essa estratégia semiótica de teratopolítica está em prosseguimento nas capas
das revistas semanais atuais sobre a crise política em torno do cai-não-cai do
desinterino Temer.
Teratopolítica nas capas de revistas
Comparando as
capas de revistas na época da crise política Dilma-Lula com a atual crise são
marcante as diferentes formas de significações dos protagonistas supostamente
envolvidos em denúncias de corrupção.
Enquanto as
representações de Dilma e Lula transitam entre as feições da derrota e
resignação derivando para a monstruosidade, na atualidade as representações de
Temer na grande imprensa estão entre os signos do guerreiro, do estrategista e
do intrépido.
Por exemplo,
comentaristas da Globo News são unânimes em dizer que Temer fez a “fama” na
política por “ser estrategista”, talvez como racionalização para a derrota da
Globo em derrubá-lo rapidamente.
A “isotopia” (o
plano de sentido semântico) das capas de revista informativas nacionais quando
refere-se à Dilma e Lula é a do “terato” – algum tipo de deformidade que deve
ser acuada, cercada, queimada, presa para depois ser despachada. E as
representações icônicas transitam entre o monstro, o disforme ou algum tipo de
simulacro humano como um fantoche controlado ou uma estátua que se quebra, se
desfaz ou derrete.
Quando o tema
das capas é Michel Temer a isotopia é totalmente diferente: é o “Pelejador” –
guerreiro, enxadrista, estrategista, lutador. Temer mantém a integridade
corporal e fisionômica. Para a grande mídia, a humanidade e morfologia do
desinterino Temer são mantidas como se estivéssemos diante de um oponente digno
e que deve, apesar de tudo, ser respeitado.
Bem diferente
de quando estamos diante das capas com Lula e Dilma: parecem pertencer a uma
outra classe dos seres vivos – a das aberrações e dos seres infernais.
Essas isotopias
diametralmente opostas das capas de revista levam a uma conclusão óbvia: Dilma
e Lula são seres estranhos ao mundo dos homens de bem (os leitores das
revistas) e devem ser perseguidos e eliminados.
Enquanto Temer,
dentro da taxonomia dos seres vivos, apesar de tudo, pertence à espécie humana.
Mesmo como suspeito ou inimigo, Temer ainda possui a dignidade da condição humana.
Esse grande
racha na mídia corporativa (de um lado os canhões da Globo e do outro o
restante da mídia levando baldes para tentar apagar o incêndio) demonstrado
pelos diferentes planos semânticos nas capas de revistas nacionais atesta que testemunhamos uma guerra fratricida: Temer é um dos seus, mas virou um
enxadrista indesejável.
Enquanto isso,
cabe à República de Curitiba prender os monstros para enviá-los de volta aos
quintos dos infernos.
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