domingo, junho 11, 2017
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Como sempre, um filme da franquia "Alien" se promove colocando em destaque a figura do monstruoso predador
xenomorfo. Mas em “Alien: Covenant”(2017) o monstro é apenas uma isca para atrair
o sadismo do público. No filme a figura do predador foi colocada em segundo plano para o
diretor Ridley Scott fazer um acerto de contas com a mitologia que começou com
“Alien” de 1979 através da figura do androide David. Assim como em “Blade
Runner” com o replicante Roy, David rouba a cena simbolizando o nosso fascínio
por frankensteins e golens. Mas também terror: e se a criatura ganhar inteligência e alma e também nos considerar como
deuses e tentar fazer, da mesma maneira, o caminho de retorno aos seus
criadores? E se ele se decepcionar conosco, assim como nós que matamos nossos próprios deuses?
Ao mesmo tempo, as recorrentes mulheres empoderadas de Scott (Ripley, Shaw e,
agora, Daniels) tomam as rédeas de uma ordem masculina amoral e decadente,
ironicamente derrotada por um predador que mais parece um símbolo fálico
hiperbólico. E o pano de fundo preferido de Scott: um Universo sem propósito ou
sentido que observa a tudo indiferente.
“Eu quero assustar com a própria merda das
pessoas. Esse é meu trabalho”, disparou o diretor Ridley Scott numa entrevista
para Tim Lewis do Observer na Alemanha
em evento promocional do filme Alien:
Covenant. Scott leva à sério esse trabalho nesse terceiro filme que fecha a
trilogia alien, às expensas dos outros filmes descartáveis da franquia que se
concentravam no terror fácil de um predador praticamente invencível com um
sangue ácido e que se reproduz violentando o próprio hospedeiro.
Retirando monstros, gosmas, sangue e
chacinas, Alien: Covenant explicita
essa “merda” que o diretor quer jogar na cara do público para assustá-lo –
trata-se do extermínio da própria civilização humana em um Universo
indiferente, sem sentido ou propósito. A não ser o de gerar vida em seu
propósito mais básico e biológico: dominar, sobreviver, predar e se reproduzir.
Scott quer jogar na nossa cara essa amoralidade ou “vontade de potência”
(Nietzsche) que subjaz a própria Criação. E como a espécie humana se ilude
tentando encontrar algum desígnio ético, moral ou divino num Universo
supostamente criado por deuses.
Há 38 anos, Scott nos revelou a verdadeira
máquina predadora que era aquele ser xenomorfo e como a empresa proprietária
nave “Nostromo” era indiferente com a tripulação: tudo o que empresa queria era
explorar aquela maravilhosa máquina de matar – quintessência da amoralidade
corporativa. E sacrificar toda a tripulação para ser proprietária daquele ser
que vivia no topo da cadeia evolutiva.
Amoralidade e empoderamento
feminino
Em Prometheus (2012),
o homem descobriu que seus próprios criadores (os “engenheiros”) eram amorais –
criaram a humanidade e agora decidem exterminá-la. Por que? Apenas porque
podem. Essa foi a resposta frustrante que o androide David ouviu do Dr. Holloway:
“Porque sua espécie me fez?, perguntou David. “Os fizemos porque podíamos”,
disse lacônico o Dr. “Você percebe o quão frustrante seria ouvir a mesma coisa
do seu criador?”, lamentou David.
Esse lamento do androide David, decepcionado
com a espécie que o criou, antecipa tudo o que acontecerá em Alien: Covenant: o homem se confrontará
com a própria amoralidade da sua criação, o seu espelho – David aprendeu que o Universo
é vazio de sentido, hostil, no qual os próprios “deuses” (os “engenheiros”,
sejam aliens ou humanos) são amorais e frívolos, embora nutram alguma esperança
em algo divino ou transcendente.
Mas ainda Scott joga outra “merda” para
apavorar o público, principalmente masculino: o empoderamento feminino – a
trilogia é marcada por mulheres fortes (Ripley, Shaw e Daniels). Scott
aterroriza os homens com um máquina fálica xenomórfica que “estupra” homens
para se reproduzir enquanto as mulheres assumem as rédeas – Shaw ainda arranca
um deles à fórceps das suas entranhas em Prometheus.
Ridley Scott dirigindo a personagem Daniels
Mulheres se masculinizam enquanto os
inseguros homens se feminilizam? Esse é o terror do declínio de uma civilização
masculina que vê um monstro xenomorficamente fálico se impondo como máquina
amoral de destruição – ele não é mal, apenas realiza a potencia da vida:
reproduzir e predar.
Como veremos, a verdadeira “merda” que Scott
joga na nossa cara é de que a Criação não nos ama – é apenas indiferente.
O Filme
Alien:
Covenant narra
o que aconteceu dez anos depois dos eventos de Prometheus, superando o fosso entre esse filme e o original Alien de 1979. A história começa com um
acidente envolvendo a nave Covenant (“aliança”), levando em hiper sono a
tripulação e mais 2 mil colonos, além de embriões congelados, em direção de um
planeta paradisíaco, oportunidade para a humanidade recomeçar do zero. E um
androide chamado Walter (Michael Fassbender) que monitora as funções da
Covenant.
Os tripulantes são despertos por Walter,
enquanto o capitão Jacob Branson (James Franco) morre tragicamente em uma falha
na sua cápsula, deixando sua esposa Daniels (Katherine Waterston) e substituto
no comando da nave, Oram (Billy Crudup), que terá que assumir a cadeira de
capitão apesar da sua personalidade indecisa e medrosa.
Ainda longe do seu
destino, a tripulação capta um sinal de socorro proveniente de um planeta
próximo que parece habitável. Esse é o ponto fraco e inverossímil do roteiro: a
tripulação substitui o certo (o destino em um planeta estudado por anos e 100% semelhante à Terra) pelo duvidoso, apenas por que ninguém mais quer voltar
ao hiper sono depois do acidente.
Então, decidem dar
um salto de fé... para terminarem em um planeta chuvoso repleto de criaturas
que parecem seres xenomórficos menores do que o alien original e que “engravidam” suas vítimas por meio
de esporos.
Nesse ponto, o
filme soa como uma variação do enredo de Alien
de 1979. Isso até reaparecer o androide David do filme anterior Prometheus. Ele resgata todos de um ataque dos mini-xenomorfos e os
recepciona em ruínas de um templo dos antigos engenheiros. David está agora com
cabelos compridos, uma túnica que lembra alguma coisa entre um sacerdote ou profeta
visionário, com um olhar agora estranhamente sombrio. Bem diferente do olhar
inocente e curioso de Prometheus, no
qual David ainda nutria alguma devoção pelos seus criadores humanos.
Em Alien:
Covenant não presenciamos chacinas e perseguições de predadores caçando
humanos. Scott está mais interessado em dissecar as complexas relações de David
(também performado por Fassbender) com outro androide, Walter, e ambos com os
humanos.
A
teurgia do andróide David - Alerta de spoilers à frente
Na verdade, o
diretor quer discutir a relação trágica entre criadores e criação: os
engenheiros criaram o homem, o homem criou o andróide, o androide mata os
engenheiros que cria o xenomorfo que mata tudo, exceto ele próprio, David.
Scott está
transpondo a complexa mitologia de frankensteins, golens etc. para um sombrio e
remoto planeta – um Frankenstein que irá criar seus próprios monstros, apenas
por que... pode! Emulando a decepcionante reposta que um humano deu para ele em
Prometheus sobre o propósito dele ter
sido criado.
O filme é de um
ateísmo gnóstico elevado à militância, na qual a única coisa que sobra em um
Universo destituído de deuses, propósitos ou sentido é a “vontade de potência”
– a persistência da vida se estabelecer e evoluir na sua forma mais crua como
cadeia alimentar.
O núcleo dessa
mitologia frankensteiniana é a chamada “teurgia” (theoi,
“deuses” + ergon, “obra”) surge no mundo helenístico como a primeira
forma de manipulação da matéria onde, assim como o Deus/Demiurgo, podemos dar
vida e alma a uma forma material e inferior. A possibilidade de fazermos o
caminho de volta para a divindade exercendo as mesmas habilidades reservada aos
deuses: imitatio dei por generatio animae, imitar
Deus criando vida.
Frankensteins e
golens na mitologia, literatura e cinema são atualizações desse antigo
fascínio. Mas ao mesmo tempo terror: e se a criatura ganhar inteligência e alma
e também nos considerar como deuses e tentar fazer, da mesma maneira, o caminho
de retorno? E se ele se decepcionar conosco, assim como nós com os nossos próprios
deuses?
A
vingança de David
Alien: Covenant apresenta esse paradoxo que
representaria o ponto de declínio, o vanish
point de uma civilização: com a morte dos deuses, impõe-se a amoralidade: a
inteligência, Ciência e Tecnologia liberadas de toda moral, exercendo
livremente a vontade de potência de toda forma de vida ou inteligência:
realizar totalmente sua própria potencialidade, nem que resulte na própria
destruição da civilização na qual se originou.
No filme, o
monstro xenomorfo fica em segundo plano: é mera isca para atrair o sadismo do
público. Na verdade Ridley Scott que discutir a condição do androide David como
produto máximo da inteligência humana: assim como os próprios engenheiros - quando
uma civilização alcança seu ápice sobrevém a morte dos deuses, a amoralidade e,
por fim, a destruição.
David repete o que
disseram para ele em Prometheus. É a
sua vingança: cria os monstros predadores apenas por um motivo: porque pode! E
porque o homem é decadente e não tem mais direito a sobreviver na escala da
evolução cósmica.
As mulheres fortes
e empoderadas, recorrentes na trilogia Alien, são a reação feminina de uma
ordem masculina que começa a destruir a si mesma - a morte do capitão Jacob
logo no início do filme, para ser substituído por um comandante fraco e inseguro, é sintomática.
Porém, é muito
tarde: os monstros predadores, ironicamente símbolos fálicos hiperbólicos
produtos de uma civilização masculino-fálica decadente, já condenaram a
civilização humana à extinção. Assim como ocorreu com os próprios engenheiros
antecessores.
O filme termina
com David observando os embriões de suas próprias criações monstruosas e, do
ponto de vista evolutivo, perfeitas. E ironicamente, ouvindo a composição de
Richard Wagner “Entrada dos Deuses no Valhalla”.
Ficha Técnica
Título: Alien: Conevant
Diretor: Ridley Scott
Roteiro: Dan O’Bannon, Ronald Shusset
Elenco: Michael Fassbender, Katherine
Waterson, Billy Crudup, Danny McBride
Produção: 20th Century Fox Film Corporation,
Scott Free Productions
Cinegnose participa do programa Poros da Comunicação na FAPCOM
Este humilde blogueiro participou da edição de número seis do programa “Poros da Comunicação” no canal do YouTube TV FAPCOM, cujo tema foi “Tecnologia e o Sagrado: um novo obscurantismo?
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Bem Vindo
"Cinema Secreto: Cinegnose" é um Blog dedicado à divulgação e discussões sobre pesquisas e insights em torno das relações entre Gnosticismo, Sincromisticismo, Semiótica e Psicanálise com Cinema e cultura pop.
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No Oitavo Aniversário o Cinegnose atualiza lista com 101 filmes: CosmoGnósticos, PsicoGnósticos, TecnoGnósticos, AstroGnósticos e CronoGnósticos.
Esse humilde blogueiro participou do Hangout Gnóstico da Sociedade Gnóstica Internacional de Curitiba (PR) em 03/03 desse ano onde pude descrever a trajetória do blog "Cinema Secreto: Cinegnose" e a sua contribuição no campo da pesquisa das conexões entre Cinema e Gnosticismo.
Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
Neste trabalho analiso a produção cinematográfica norte-americana (1995 a 2005) onde é marcante a recorrência de elementos temáticos inspirados nas narrativas míticas do Gnosticismo.>>> Leia mais>>>
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Composto por seis capítulos, o livro é estruturado em duas partes distintas: a primeira parte a “Psicanálise da Comunicação” e, a segunda, “Da Semiótica ao Pós-Moderno >>>>> Leia mais>>>