Esqueça os filmes oscarizáveis e assista a uma lista de filmes com “estranhas” narrativas: um cadáver flatulento que evita o suicídio de um náufrago, a filha de Deus que hackeia o computador divino para se vingar do Pai, uma mulher grávida de um vírus fetal e dois filmes sobre salsichas sencientes: um sobre homens-salsicha nazis que invadem uma cidadezinha no Canadá para serem enfrentados por protagonistas que utilizam o poder da Yoga; e outro sobre salsichas em um supermercado que questionam a religião que esconde o terrível destino – no “Grande Além” serão comidas pelos próprios deuses que veneram. São os chamados “filmes estranhos” (“weird movies”) que exploram o duplo sentido da palavra “weird”: “destino” e “surreal, estranho”. Muitos deles aproximam-se da noção de “filme gnóstico” pela forma como desconstrói conceitos religiosos, morais e a própria percepção daquilo que chamamos de “realidade”. Para o leitor, uma lista do “Cinegnose” com os 10 melhores Filmes Estranhos de 2016.
O que é um “filme estranho”? A palavra inglesa “weird”
(estranho) deriva da palavra germânica “wyrd”, que significa “destino”. Essa
palavra encontrou o seu significado atual de “estranho, surreal” através de
Shakeapeare com as “Weird Sisters” que prediziam o destino de Macbeth, ao mesmo
tempo “weird” (“estranhas”) nos sentido moderno quanto “wyrd” no sentido pagão.
Portanto, “weird movie” é
muito mais do que um filme “estranho” no sentido dado em português (do latim
“extraneum” – o que é de fora, estrangeiro), mas a combinação das ideias do
maravilhoso e do fantástico com aquilo que é excêntrico, estranho ou incomum.
Dessa maneira, esse conceito
aproxima-se do “gnostic movie” ou filme gnóstico: narrativas cinematográficas
onde mostram protagonistas em situações onde a familiaridade usual se reverte
em algo não-familiar, “estranho”, acontecimentos que fazem a realidade
repentinamente foge à conformidade cotidiana.
1. Swiss Army Man
Mais uma empreitada de Daniel Radcliffe na cruzada pessoal de tentar
se libertar da imagem de Harry Potter. Dessa vez, como um cadáver flatulento
que se transforma na melhor companhia de um náufrago deprimido que tenta o
suicídio em uma ilha deserta.
Algo como a bola Wilson no filme O Náufrago, mas que se transforma em
ferramenta de mil e uma utilidades, como uma espécie de canivete suíço: vira
um jet ski, vomita água fresca, torna-se uma arma que cospe objeto a alta
velocidade, um machado etc.
Mas, principalmente, participa de conversas existenciais sobre o
significado da vida, do amor e do ser humano. E através das habilidades de
“Manny” (é o nome que o protagonista Hank dá ao cadáver) reencenam os
principais momentos de um homem em prolongados exercícios de improvisação ao
ar livre.
Houve relatos de vaias e abandono em massa de espectadores no meio da
projeção do filme no Sundance Film Festival. Mas Swiss Army Man é um filme para odiar ou amar. Uma viagem
acelerada sobre aquilo que certa vez Woody Allen disse ser as experiências
mais importantes da existência humana: nascimento, sexo e a morte.
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2. Yoga Hosers
Em tom fortemente irônico, duas garotas trabalham em uma loja de
conveniência em uma cidadezinha no Canadá que passa a ser assolada por
pequenos nazistas em forma de salsicha (“bratzis”) que matam as pessoas de
uma forma bizarra, invadindo os corpos pelo ânus. As garotas utilizarão os
poderes da Yoga para acabar com o inimigo.
As garotas são típicas adolescentes que não largam o smartphone e a
qualquer momento postam o que fazem no Instagram (ou “Instacam”, a versão
canadense do aplicativo), criando engraçados momentos de metalinguagem.
Canadenses e nazistas. Nada mais estrangeiros e estranhos para um
norte-americano médio. Não é à toa que durante o pânico em Nova York
provocado pela transmissão radiofônica do Guerra dos Mundos em 1938, muitos
acreditavam que a invasão “marciana” era, na verdade, ou de canadenses ou de
nazistas.
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3. Festa da Salsicha
Mais salsichas sencientes. Alimentos
antropomorfizados em gôndolas de um supermercado estão imersos em uma
religião na qual acreditam que serão escolhidos por “deuses” (os clientes do
supermercado) e levados para o “Grande Além”. Lá viverão na paz e amor, em
comunhão com os “deuses”. Mas a religião esconde um destino cruel: os deuses
são monstros insaciáveis que comem alimentos para ficarem fortes.
Pães que serão preenchidos por salsichas (com toda a simbologia
erótica) são os protagonistas dessa animação politicamente incorreta, mas
repleta de alusões mitológicas, religiosas e políticas: a religião como
tática maquiavélica de dividir para reinar; supermercados como as novas
catedrais da nova religião contemporânea (Publicidade e Marketing); a
decepção humana com os deuses – a descoberta de que os deuses são
intolerantes e patéticos, assim como o ser humano; a desconstrução gnóstica
da noção de realidade etc.
Filme já analisado pelo Cinegnose,
clique aqui.
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4. The Neon Demon
Uma jovem chega ao mundo da Moda e Estilismo de Los Angeles aspirando
o sucesso e a fama. Até aí nada demais: quantos filmes já narraram história
de como o mundo da Moda tritura a inocência e juventude de modelos.
Mas The Neon Demon reconta
esse argumento sobre o mundo da alta moda com inflexão do Gnosticismo e do
horror: uma aspirante a modelo penetra num fechado círculo relacionado com o
ocultismo que lembra algo em torno de Aleister Crowley ou o satanismo de
Charles Manson. Rostos robóticos e sorrisos frios porque a vitalidade é
roubada dos mais jovens através da fotografia e desfiles.
Um mundo onde o neon e a maquiagem criam a aparência de glamour e
brilho para esconder o roubo do élan vital humano para por em funcionamento
uma prisão que confina a todos. Acreditamos ter nossas vidas e carreiras em
nossas mãos, mas não percebemos um jogo maior ao nosso redor.
Filme já analisado pelo Cinegnose
– clique aqui.
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5. The Greasy Strangler
O filme gira em torno de um pai e um filho envolvidos em um estranho
triângulo amoroso. O Pai é um velho repulsivo e o filho faz uma disco tour
por Los Angeles. O pai é obcecado por gordura e secretamente é um assassino
chamado de “o estrangulador gorduroso” – o assassino literalmente se lambuza
de gordura antes de matar as pessoas. Quando o filho se apaixona por uma
gentil mulher, o pai tem o impulso de torna-la sua próxima vítima.
A comédia é grotesca, desagradável e totalmente amoral – rompe com os
parâmetros clichê hollywoodianos que o Cinegnose
chama de “quebra-da-ordem-e-retorno-a-ordem”. Mesmo para aqueles que têm uma
atração pelo estranho no cinema, é um filme difícil de ser acompanhado muita
nudez, sexo desconfortável e o pesadelo “gore”.
Uma prova das estranhas possibilidades do cinema dobrar a realidade –
uma vítima com nariz de porco, uma grotesca genitália protética e uma
estranha pronuncia quando se fala a palavra “batata”. Um filme só para cinéfilos
aventureiros.
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6. The Lobster
Tudo se passa em um futuro
próximo distópico em uma sociedade onde viver sozinho é considerado um crime
– todos devem carregar documentos que comprovem seu estado civil de casado.
Seja hetero ou homossexual,
ninguém pode viver sozinho. Aqueles “ilegais” (seja porque se divorciaram ou,
simplesmente, não encontraram ninguém) são remanejados para uma espécie de
resort-fortaleza: um mix de hotel e campo de concentração onde para cada um
dos internos é dado 45 dias para encontrar sua “alma gêmea”. Aqueles que
permanecerem solitários serão levados para a Sala de Transformação, onde
serão transformados no animal da sua preferencia e serão devolvidos à
Natureza. Viverão soltos na floresta ao redor, numa estranha bioversidade –
camelos, lhamas, elefantes, leões etc. convivendo na mesma floresta.
Como podem existir sistemas
totalitários que exploram o amor, o narcisismo e a solidão para fins de
controle social e submissão. Até que ponto redes sociais e sites e
aplicativos de encontros amorosos são o início de uma nova ordem totalitária?
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7. Antibirth
Filme que se enquadra em um verdadeiro subgênero fílmico:
protagonistas tomadas por assustadora gravidez que pode trazer a semente do
Mal. Gênero iniciado por clássicos como Bebê
de Rosemary (1968), It’s Alive
(1974) e Demon Seed (1977).
Mas Antibirth utiliza-se
desse imaginário do terror para discutir aspectos mais simbólicos e
existenciais – como na atualidade a gravidez transformou-se na própria alienação
da sexualidade e de nós mesmos.
Um estranho filme noir-psicodélico no qual pessoas alienadas de seus
próprios desejos são os candidatos perfeitos para um estranho experimento que
envolve alguma agência governamental.
A protagonista Lou nos causa repulsa – repete neuroticamente o seu
drama pessoal de abandono na infância afundando-se em drogas e álcool na
gravidez. Mas também cria, de certa forma, empatia: a maneira como Lou nega a
gravidez aproxima-se da forma atual como queremos experimentar a sexualidade
sem compromissos ou “acidentes” como a gravidez. Fugimos do futuro e de nós
mesmos.
O Cinegnose também já
analisou esse filme – clique aqui.
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8. High-Rise
Adaptação do livro
distópico de J.G. Ballard de 1975. O filme se passa em uma torre de
condomínio gigantesca (Torre Elysium) onde há inclusive escola e
supermercado. Criado por um arquiteto megalômano (Jeremy Irons) que, a
exemplo do criador de replicantes em Blade Runner, prefere morar na
cobertura.
Os habitantes do
arranha-céu se dividem em classes-sociais de acordo com a altura do andar.
Tudo foi desenhado para se isolar do mundo exterior. Conflitos entre vizinhos
e falhas tecnológicas começam a criar uma escalada de violência e a quebra de
uma ordem onde “a classe média é um luxo que o capitalismo não pode seguir
permitindo”, como escreveu Ballard em seu livro.
A principal atividade dos
moradores é frequentar o supermercado interno. O hedonismo, niilismo e
violência tomam conta da vida dos moradores, ao ponto de uma criança responder
a um documentarista que está em busca do arquiteto do edifício: “o arquiteto
está no céu, mas o céu não existe!”.
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9. Der Bunker
Quando se trata de histórias fora do comum, entre o absurdo e o
bizarro, diretores gregos atuais estão entre os melhores. Basta lembrarmos do
esquisito Dentes Caninos (2009 – clique aqui) de Yorgos Lanthimos ou Miss
Violence (2013) de Alexander Avranas. Histórias sobre famílias onde, para
manter a inocência dos filhos em um mundo corrompido, o pai cria uma prisão
domiciliar, mantendo-os isolados do mundo.
Der Bunker, do grego naturalizado alemão Nikias Chryssos, junta-se a esse tema
bizarro: um jovem estudante aluga uma casa em um lugar remoto para trabalhar
suas pesquisas. Lá conhece uma família que é regido pelas ordens de uma
estranha força. Pai e mãe cuidam do filho, Klauss, com seus 30 anos que
veste-se com penteado e roupas infantis.
Para o leitor ter uma ideia, ainda o filho é amamentado pela mãe... O
jovem estudante torna-se tutor de Klauss, observado com cada vez mais
naturalidade toda a bizarrice. Elementos sobrenaturais permeiam a narrativa
que é levada muito mais para o humor negro.
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10. O Novíssimo Testamento
Deus (Benoît Poelvoorde) ainda
está vivo, mora em algum lugar em Bruxelas e é um senhor rabugento e malvado
com uma filha de 10 anos de idade. Cansada da natureza abusiva do pai, a
menina invade o computador dele e envia para todos os habitantes do planeta
via SMS as datas de suas respectivas mortes, ação que gera consequências
inimagináveis.
O problema é que sua filha
quer ser melhor sucedida do que foi seu irmão, Jesus – libertar a humanidade
do seu Pai, um demiurgo alcoólatra e cruel, através do Novíssimo Testamento.
Uma comédia de humor negro
blasfema, herética, mas, principalmente, gnóstica.
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