Nesses momentos de tragédias que abrem
possibilidades de inesperadas mudanças no cenário político (Quem perderá? Quem
ganhará?) é sempre interessante ver as reações reflexas da grande mídia pega de
surpresa. Ela parece sempre ter uma “narrativa reflexa”, pronta, que se
manifesta como um ato falho: descrever um mundo onde os eventos são sempre
aleatórios, fora de contextos, desconectados e sempre sujeitos a “trapaças da
sorte”. A morte do Ministro do STF Teori Zavascki no acidente aéreo em Paraty
rapidamente foi enquadrada em uma narrativa protocolar como se a grande mídia
já tivesse o resultado antes mesmo das investigações: foi tudo uma fatalidade!
Não importa a existência de estranhas anomalias, depoimentos contraditórios,
sincronismos e o oportuno timing dos acontecimentos. Será que a grande mídia
quer impor à sociedade uma “narrativa reflexa” para criar um fato consumado?
Criar uma atmosfera de pressão política nas investigações oficiais que ora se
iniciam? Ou será que, desde o desaparecimento de Ulysses Guimarães em 1992, a
região de Paraty se transformou numa espécie de Triângulo das Bermudas
brasileiro onde impasses políticos são resolvidos de forma drástica?
Diariamente 100 mil voos comerciais partem pelo
mundo. Segundo pesquisa feita pela revista Newsweek,
o transporte aéreo registra média de 0,01 morte a cada 100 milhões de milhas
viajadas e os aviões estão cada vez menos vulneráveis a tempo ruim – de 20% na
década de 1950 para 8% atuais de acidentes provocados por condições
meteorológicas. A cada milhão de decolagens, registram-se 0,9 acidentes fatais
– clique
aqui.
Mas quis a “trapaça da sorte” (expressão usada
pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso no sua mensagem de pesar) vitimar o
ministro Teori Zavascki quando estava prestes a homologar 77 depoimentos de
delação premiada de executivos da Odebrecht – o ministro tinha autorizado para
a próxima semana as oitivas de confirmação das delações e na sua última
entrevista Teori avisou que iria trabalhar durante o recesso do STF “em face da
excepcionalidade”, nas palavras dele.
Essa “excepcionalidade” refere-se à
verdadeira bomba-relógio dos nomes envolvidos na delação, começando com o atual
desinterino Michel Temer (citado 43 vezes na Lava-Jato), passando pelo presidente
do Senado Renan Calheiros e chegando ao ministro das Relações Exteriores José
Serra, além de deputados e senadores.
Em política não há coincidências (e nem mesmo
“trapaças da sorte”), mas sincronismos. As mentes mais cartesianas e
conformistas tendem a rotular a hipótese dos sincronismos de “teorias da
conspiração”, assim como diligentemente
os especialistas aéreos chamados às pressas pela grande mídia já se adiantaram
em dizer, diante de elegantes infográficos – pelo menos mais bem desenhados do
que os PowerPoints do Dellagnol .
E por que não há “coincidências”? Porque em política sempre alguém vai perder e
muitos outros ganharão tempo, vantagem ou mesmo a vitória definitiva e alguma
questão que sempre está próxima de um evento “trágico”. “Timing” e
“oportunismo” são as noções centrais em eventos sincrônicos, capazes de criar
uma constelação de “coincidências significativas” que vão muito além das
“trapaças da sorte”.
Eventos trágicos como nesse acidente aéreo
abrem de imediato uma guerra de narrativas. Mas, principalmente, põem à tona
“atos falhos” da grande mídia: sempre quando ela é pega de surpresa mobiliza o
que podemos chamar de “narrativa reflexa” ou protocolar. Um verdadeiro
mecanismos de defesa para defender a realidade que os telejornais querem sempre
construir para os telespectadores: um mundo onde os eventos estão fora de
contexto, desconectados, aleatórios e sujeitos às “trapaças da sorte”. Onde os
fatos ou são obras dos misteriosos desígnios de Deus, ou de alguma maldição
gregoriana – “o anos de 2016 não acabou...”, lamentam apresentadores TV.
Grande mídia pega de surpresa
A narrativa reflexa midiática começou com a
descrição de que o avião envolvido no acidente era de “pequeno porte”. Nas
primeiras horas, esse foi o termo para designar o modelo do avião, algo assim
como um “teco-teco” bimotor. Associado com o cenário de chuva e suposta
visibilidade zero, começava a construção rápida da narrativa de uma fatalidade.
Claro que mais tarde a grande mídia corrigiu
essa informação inicial ao mostrar através de infográficos que não era um avião
pequeno. Na verdade, um Beechcraft C90GT King Air, semelhante a um avião
executivo, exceto pela motorização, com voice
recorder – gravador de voz. Mas a percepção de um avião frágil diante das
condições meteorológicas ficou na construção da narrativa da fatalidade.
Além
disso, outros dois elementos marcaram essa narrativa reflexa, quase um ato
falho, da grande mídia: contradições
sobre as condições meteorológicas de Paraty no momento do acidente e a imediata
especulação sobre um novo nome para o lugar da relatoria da Lava Jato no STF.
O conveniente cenário meteorológico
Os primeiros repórteres em Paraty ao vivo
falavam que no momento do acidente não chovia forte e com visibilidade. Algumas
horas depois, as testemunhas selecionadas começaram a descrever um cenário de
muita chuva e visibilidade zero.
E nas simulações e infográficos dos
telejornais, tome animações com nuvens, raios muita água caindo. E a ênfase
constante na ausência de torre de controle na pista de Paraty (comum nas pistas
de pouso do Litoral Norte) e na dependência exclusiva de contato visual para a
aproximação dos aviões – fato cotidiano para os pilotos experientes naquela
região.
Algumas testemunhas escolhidas eram pilotos
de embarcações turísticas próximas ao local do acidente, muitos deles levando
turistas a passeios naquele momento. Como assim? Muitas chuva, visibilidade
zero e turistas querendo conhecer a baia de Paraty? Estranhamente, nas edições
posteriores das falas desses pilotos foram cortados trechos nos quais falam de
“clientes” ou “turistas” nos barco com eles no momento do acidente. Por que?
Para eliminar a informação contraditória na construção de um cenário de
rigorosas condições meteorológicas?
Apesar das investigações estarem apenas
começando, a grande mídia parece ter o resultado final: foi tudo “trapaça da
sorte” – o homem errado, no lugar errado e na hora errada.
“Fumaça branca” e “Vejam bem o que vão dizer ao País!”
Mesmo que um pescador tenha declarado que um
dos motores soltava uma “fumaça branca” (Jornal Nacional, 20/01). Seu testemunho
ficou simplesmente solto no meio de uma simulação do percurso do avião fatídico
com o indefectível Globocop, sempre enfatizando as nuvens e a pouca visibilidade.
E ainda, dado momento, o repórter se gabando
de ter ajudado outro avião que, naquele instante, se aproximava da pista de
Paraty e não tinha visibilidade suficiente – muito conveniente para a pauta da
Globo, rápida no gatilho para impor o seu diagnóstico reflexo junto a opinião
pública como fato consumado e pressionar as investigações .
Como se a Grande Mídia dissesse: “vejam bem o
que vocês vão dizer!”. Mesmo que seja para tirar do contexto e reverter o
sentido da afirmação filho de Teori Zavaski, o advogado Francisco Zavascki.
Depois de, em maio de 2016, ter postado no Facebook denúncia de supostas
ameaças ao pai e à família (“se algo acontecer à minha família, vocês já sabem
onde procurar...”), em tom irônico Francisco disse logo após o anúncio da morte
do pai que “seria muito ruim para o País ter um ministro do Supremo
assassinado”.
Como sempre retirando do contexto, o JN
transformou essa afirmação amargamente irônica em uma fala críptica, como se
alertasse à Aeronáutica, Ministério Público e Polícia Federal: “vejam bem o que
vão descobrir e dizer ao País!”. Mais um argumento para sustentar a sua
narrativa reflexa cuja conclusão só pode ser essa: só nos resta nos resignarmos
diante dos misteriosos desígnios de Deus.
Carmen Lúcia rise again
Mal confirmada da morte do ministro do
Supremo e muito antes dos corpos serem retirados da fuselagem submersa do
avião, rapidamente apresentadores e comentaristas começaram a especular sobre
quem seria designado para substituir o sensível cargo de relator da Lava-Jato
no Supremo e colocar as mãos nas delações da Odebrecht guardadas na sala-cofre
do terceiro andar do tribunal.
A imagem é muito conspiratória, mas parecia
que todos estavam apenas aguardando algum sinal para rapidamente entrar em cena
e fazer, ansiosos, suas apostas e comentários. Algo parecido com aqueles os
obituários prontos nas gavetas de redações sobre personalidades que
notoriamente estão próximas do fim.
De imediato, a reportagem da Globo colou na
ministra Carmen Lúcia chegando a Brasília, enquanto a comentarista de política
da Globo News Chris Lobo declara em tom messiânico: “o século XXI é o século do
Judiciário...”. Depois de rifar o Ministro da Justiça Alexandre de Moraes e o
desinterino Temer na crise do terror tocado pelo TCC nas prisões do País, as
apostas da Globo vão agora para a presidenta do Supremo. Personagem sempre
presente nas telas da Globo nesse ano, desde o massacre do presídio em Manaus.
Anomalias e “coincidências significativas”
(a) A mensagem subliminar involuntária no prefixo do barco da Marinha
De todas as embarcações em torno da fuselagem
do avião parcialmente submersa, uma foi destacada, com longos e demorados
planos em todos os telejornais: uma embarcação cinza da Marinha com um sugestivo prefixo em letras maiúsculas
e minúsculas: GptPNSE-04.
O “pt” destacado em caixa baixa começou a
alimentar versões anti-petistas nas redes sociais de que o “mecânico do avião
era Lula” ou o que é pior: Dilma mandou matar Teori Zavascki!
Involuntariamente, o prefixo da embarcação
lembra a suspeita mensagem subliminar do Jornal da Globo durante a crise do
suposto “Apagão Aéreo” após o acidente com o avião da TAM em São Paulo em 2006.
No selo do telejornal que anunciava a suíte de reportagens, via-se um letreiro
de aeroporto de partidas e chegadas cuja animação mostrava a combinação de
letras “PT”, antes de formar as palavras “Vítimas do Apagão Aéreo”.
(b) O estranho interesse pela ficha técnica do avião
Duas semanas antes do fatídico acidente, a
ficha técnica do avião Beeechcraft teve um estranho pico de visualizações:
repentinamente no dia 03/01 pulou para 1.885 acessos, voltando nos dias
posteriores a zero até o dia do acidente.
Pessoas repentinamente interessadas na compra
da aeronave? Estranho para um aparelho transferido para o empresário Carlos
Alberto em outubro de 2016.
Foram informações do jornalista Chico
Malfitani repassadas pelo engenheiro da Politécnica USP Leonardo Manzione. Pode
não significar nada, mas dentro de um contexto no qual o filho de Teori
Zavascki alertava sobre ameaças contra o pai transformasse em anomalia que
deveria ser levada em contada numa investigação - clique aqui.
(c) O Triângulo das Bermudas da Política brasileira?
O acidente aéreo e a morte do ministro Teori
Zavascki ocorreu na mesma região onde em 12 de outubro de 1992 o helicóptero que
levava o deputado Ulysses Guimarães a caminho de Angra dos Reis caiu sem deixar
sobreviventes. Estavam a bordo, além do ex-senador Severo Gomes, sua mulher e o
piloto.
Distantes 24 anos no tempo, os dois episódios
guardam uma série de estranhos sincronismos.
Ambas personalidades vinham de um processo de
impeachment e, naquele momento, eram peças-chave nos destinos políticos do
País.
Ulysses seria o próximo presidente com a
queda de Collor, enquanto Zavascki tinha nas suas mãos as fortemente guardadas
77 delações que podem mudar drasticamente o futuro político para 2018.
Assim como Zavascki, durante o processo do
impeachment de Collor, Ulysses recebeu estranhas sugestões e ameaças de morte. Primeiro, em um
destempero verbal do intempestivo Collor: “pela idade e pelas doenças aquele
velho senil já deveria estar morto!”.
A outra foi insólita: no dia 27 de setembro,
um grupo de apoiadores a Collor se reuniu em frente à Casa da Dinda para fazer
uma “pajelança”, em defesa do mandato do presidente – haviam boatos de que
aquele local havia se transformado em um centro de macumba, com rituais de
magia negra.
Collor autorizou que dez manifestantes
entrassem. A coordenadora do grupo, uma senhora, chamou a atenção dos
repórteres ao gritar repetidas vezes “Ulysses vai morrer! Já era para ter
morrido e não deu certo!”.
Vinte quatro anos depois, novamente ameaças
de morte a outra peça-chave política e a morte posterior.
Além disso, esses dois episódios distantes no
tempo têm como pano de fundo crises carcerárias. Lá em 1992 o Massacre do
Carandiru (2 de outubro de 1992) e aqui a série de mortes e decapitações em
penitenciárias do Norte do País – no momento do acidente em Paraty, a Polícia
Militar preparava-se para invadir o presídio de Alcaçuz, RN.
No Massacre do Carandiru em 1992, para muitos
analistas, nascia o facção de crime organizado PCC, organização agora por trás
da nacionalização da crise penitenciária.
Será que esses sincronismos apontam para um modus operandi na política brasileira
que ainda as pessoas não se deram conta desde a redemocratização após a
ditadura militar? Ou então a região de Paraty transformou-se num Triângulo das
Bermudas brasileiro onde impasses políticos são drasticamente resolvidos?
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