A
partir de uma cenografia que recria os ambientes e a sofisticação visual de
cada filme, a exposição Stanley Kubrick, em cartaz até o dia 12/01 no Museu da
Imagem e do Som (MIS) em São Paulo cria a curiosa sensação no visitante de
estar caminhando no interior da mente do diretor. Mas, além disso, a variedade
de documentos, cartas e memorandos expostos alimentam muitas teorias conspiratórias que
envolvem um diretor que sempre foi recluso e avesso a entrevistas ou a ter que
dar explicações para os significados de seus filmes: a consultoria do
mainstream tecnocientífico dos
EUA na produção de “2001 – Uma Odisséia no Espaço”; os arrojados efeitos
especiais à frente de seu tempo, dez anos antes de “Guerra nas Estrelas”; e a
morte do diretor quatro dias depois da exibição interna do filme “De Olhos Bem
Fechados” para executivos da Warner Bros, produção que sugere polêmicas histórias sobre conexões da elite político-financeira com orgias sexuais ocultistas.
Nessa
última sexta-feira visitei a retrospectiva Stanley Kubrick no Museu da Imagem e
do Som (MIS) aqui de São Paulo. Sob um calor escaldante da tarde, aguardei 45
minutos na fila da bilheteria para depois, sob o onipresente olhar de Kubrick
com a sua câmera em um enorme pôster no corredor da entrada da exposição,
esperar em uma segunda fila a vez para subir a escadaria de entrada. Um segundo
pôster com linha do tempo da produção de Kubrick decorava esse corredor, onde
você tinha a chance de checar os títulos e datas dos filmes que comporiam os
ambientes de cada sala da retrospectiva tão ansiosamente aguardada.
De
tão atemporal que se tornaram os filmes do diretor, não havia ainda parado
para pensar sobre os grandes hiatos entre as suas produções. Por exemplo, de O Iluminado (1980) a Nascido Para Matar (1987), sete anos; e de Nascido para Matar (1987) a De Olhos Bem Fechados (1999) um
intervalo de doze anos. Seu período de produção mais regular está na chamada
Trilogia Star Child (Doutor Fantástico
(1963), 2001 – Uma Odisséia no Espaço
(1968) e Laranja Mecânica - 1971), um
período com profundos significados ocultos e metafísicos, como já observamos em
postagem anterior.
Somado
ao seu caráter recluso e avesso a entrevistas e eventos promocionais, essa soma
de qualidades peculiares acabou criando uma aura em torno dele que vai de gênio
e perfeccionista, até excêntrico ou, simplesmente, maluco.
Pois
bem, após essas rápidas reflexões com meus botões, um funcionário com um walk talkie em uma das mãos volta-se
para mim e diz que era minha vez de entrar. O choque é imediato: saindo de um ambiente
quente e solar entra-se em salas imersas na penumbra e luz indireta e, o que é
mais importante num dia de verão, refrigeradas. Iluminação e atmosferas são
recriadas nas salas dedicadas a cada produção de Kubrick. A exposição faz jus à grande
preocupação que ele sempre teve com a sofisticação visual, fruto do seu trabalho
inicial como fotógrafo a partir dos 17 anos para a revista Look e depois para a Life.
Uma cartografia da mente de Kubrick?
A
instalação da retrospectiva é propositalmente labiríntica,com salas separadas
por cortinas pretas. Parece que estamos entrando na própria mente do diretor.
Não há como não lembrar do jardim labiríntico de O Iluminado e que, a qualquer momento, poderá saltar diante de você
em uma das esquinas o próprio Jack Nicholson com uma faca na mão...
A exposição parece fazer uma espécie de cartografia da
mente de Kubrick. No início, temos as primeiras salas dispostas em uma
sequência linear: “primeiras fotografias” (1945-50), “primeiros
curtas-metragens” (1951-53) e as salas dos primeiros longas-metragens Medo e Desejo (1953), A Morte Passou Perto (1955), O Grande Golpe (1956), Glória Feita de Sangue (1957). Aliás,
nessa sala a cenografia cria a sensação multissensorial de estarmos caminhando
em uma trincheira da Primeira Guerra Mundial, indo de encontro a um telão onde
vemos essa sequência em que Kirk Douglas passa em revista soldados em uma
trincheira. Tudo ao som de explosões e pesado bombardeio.
Esse humilde bogueiro diante das fortes imagens que Kubrick nos legou (foto: Tatiane Rossano) |
A
partir da sala de Dr. Fantástico
(onde a iluminação reproduz a própria fotografia da Sala de Guerra do filme,
tendo ao centro a mesa sob a luminária circular e uma maquete da própria Sala
de Guerra – um curioso efeito de filme dentro de um filme) o visitante não tem
mais uma retrospectiva linear, podendo se perder entre as salas. O visitante
que tiver pouco conhecimento cronológico da obra do diretor pode até ignorar a
entrada de salas – após a exibição encontrei uma visitante que não achou a sala
do filme 2001... E parece algo proposital e que se transforma em mérito para a mostra: afinal parece que estamos no
interior da mente do diretor – há algo de errante no trajeto e que estimula no visitante a curiosidade exploratória.
Salas
na penumbra com iluminação indireta e às vezes com estreitos corredores parecem
conferir à exposição um ar de mistério e reverência quase religiosa.
O impacto da sala do filme 2001 – Uma Odisséia no Espaço
Na
metade do trajeto, o impacto: saímos da sala do filme Lolita, como sempre em luzes indiretas e climáticas, para de
repente entrarmos em uma sala branca, com uma intensa luminosidade fria,
asséptica, com um monólito negro no centro. É a sala de 2001, em uma estilização da sequência em que o astronauta Bowman, após deixar a
nave Discovery (que aliás fica suspensa, soberana, sobre a instalação), é
confinado pelos alienígenas em um quarto em estilo Luís XVI.
"All Work and no play makes Jack a dull boy" objetos usados em cena, como a máquina de escrever de Jack em "O Iluminado" são destaques na exposição (Foto: Tatiane Rossano) |
Explico. Após
passarmos pela sala de Dr. Fantástico,
com imagens projetadas na parede onde vemos o cogumelo nuclear da cena final da
destruição nuclear do planeta ao som de We’ll
Meet Again em que se diz “voltaremos a nos encontrar em um dia ensolarado”,
logo mais adiante ironicamente damos de cara com a sala totalmente iluminada de 2001. Um filme épico e messiânico: o
encontro da humanidade com os seus próprios criadores alienígenas em uma lua de
Júpiter. Essa instalação simboliza um rasgo de otimismo de Kubrick no meio da sua cartografia mental para, depois, retornarmos ao tom lúgubre, violento e pessimista das salas como a de Laranja Mecânica até o final.
A
cartografia mental que parece representar a concepção do trajeto da exposição (o que faz
lembrar a viagem no interior do cérebro do protagonista no filme Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, com
as memórias representadas por salas, corredores e ante-salas) fica mais
evidente na instalação do filme O
Iluminado: penetramos em uma estreita e escura estilização dos corredores do Hotel
Overlook onde somos convidados a abrir, lentamente e com cuidado, cada uma das portas. E com muito cuidado, porque sempre há a possibilidade de darmos de cara com a figura do insano Jack ou com o fantasma das gêmeas ...
Kubrick, NASA e Ocultismo
Design e concepção visual de "2001": muito à frente da sua época |
A
riqueza de documentos também alimenta um lado bem obscuro sobre o recluso
diretor: as teorias conspiratórias.
Primeiro:
olhando a vasta quantidade de documentos da produção de 2001 – Uma Odisséia no Espaço, através das correspondências
(cartas, memorandos etc.) com diversos consultores do mainstream científico norte-americano (NASA, astrofísicos, técnicos
e engenheiros) ficamos impressionados com a rápida ascensão de Kubrick em 15
anos: da produção de pequenos curtas à condição do articulador de uma
aproximação entre a elite tecnocientífica militar com a indústria
cinematográfica.
Olhando através das máscaras do filme "De Olhos Bem Fechados": uma instalação repleta de simbologia ocultista (Foto: Tatiane Rossano) |
Outra
coisa que impressiona é a concepção artística da nave Discovery, da estação
espacial e dos veículos lunares. Um salto qualitativo do zero – o que tínhamos
até então em sci fi eram produções
futurísticas com mais imaginação e fantasia do que apuro científico. Os efeitos
especiais e a concepção e design são avançados para a época, concepções que só
veríamos dez anos depois com a saga de George Lucas Guerra nas Estrelas (Star
Wars, 1977), que ainda assim deixava a dever a 2001 em muitos aspectos.
Segundo:
na sala do filme Barry Lyndon (1975)
não há informação sobre a utilização de lentes especiais desenvolvidas pela
NASA (lentes por satélites para fotografias, inclusive utilizadas pela
inteligência militar norte-americana) que permitissem a Kubrick fazer filmagens
em ambientes iluminados apenas por velas, para conseguir criar o efeito das
imagens bidimensionais com iluminação difusa característicos das pinturas do
século XVIII. Os documentos da instalação apenas dão aos visitantes informações
técnicas das lentes, mas não a sua origem. Realmente, Kubrick teve duradouras
conexões com a NASA, o que só reforça a munição dos teóricos da conspiração
sobre a utilização de recursos cenográficos e efeitos especiais que teriam
simulado os pousos na Lua do Projeto Apolo.
E
terceiro, e não menos importante, a morte de Kubrick: um ataque cardíaco quatro
dias após a versão do diretor do filme De
Olhos Bem Fechados ter sido exibida internamente para os executivos da
Warner Bros. O filme seria o ápice da exploração de temas agudos e incômodos
para a elite: poder, violência, sexo, programas de controle mental, simulação
etc. E dessa vez, Kubrick teria ido longe: a exposição da obsessão da elite
político-financeira por orgias de magia sexual e práticas ocultistas em
sociedades secretas – ecos das controvérsias sobre a participação da elite
internacional nos estranhos rituais anuais em Bohemian Grove, na Califórnia.
Ironia na exposição: o jornal cenográfico do filme "De Olhos Bem Fechados" - a arte imita a realidade ou o inverso? |
A
entrada da sala do filme De Olhos Bem Fechados é impactante: um corredor negro
com as paredes repletas de máscaras de carnaval veneziano ao som das soturnas
notas de piano que marcaram a trilha musical do filme. A instalação é uma
delícia para aqueles que adoram analisar simbologia ocultista.
E,
o mais importante: vemos a edição de um jornal especialmente produzido para o
filme onde vemos a manchete que encobre a razão real da morte da modelo que
expos ao Dr. Bill (Tom Cruise) quem era quem da elite naquela orgia ocultista.
Na manchete, apenas a informação de mais um escândalo de uma modelo que morreu
por overdose em um hotel em Nova York.
Nisso
está a ironia de Kubrick que a exposição captou bem: no momento em que a mostra
faz uma metalinguagem da produção de um filme onde vemos a simulação de um
jornal real, até que ponto a realidade imita a arte? – jornais são tão ilusórios
quanto a ilusão cinematográfica criada por diretores tão perfeccionistas e desafiadores como Kubrick. Será que ele
pagou tudo isso com a própria vida?
QUANDO ter. a sex., das 12h às 22h; sáb. e dom., das 11h às 21h; até 12/1/2014
QUANTO R$ 10
STANLEY KUBRICK
ONDE MIS (av. Europa, 158, SP, tel. 0/xx/11/2117-4777)QUANDO ter. a sex., das 12h às 22h; sáb. e dom., das 11h às 21h; até 12/1/2014
QUANTO R$ 10