segunda-feira, janeiro 20, 2014

Carma e atração gravitacional no filme "Gravidade"

Desde “2001: Uma Odisséia no Espaço”, nunca um filme como “Gravidade” (2013) do mexicano Alfonso Cuarón, conseguiu representar tão bem a vastidão do espaço e seu vazio obliterante. Indicado ao Oscar de filme, direção, atriz entre outras categorias técnicas, o filme é elogiado pela crítica pela narrativa direta, crua e de grande verossimilhança científica, diferente dos blockbusters recentes, sempre envolvidos em complexas mitologias. Porém, por trás das alucinantes sequências de destruição por detritos espaciais que obrigam a abortar a missão de reparos no telescópio Hubble, há um poderoso núcleo místico-religioso que o próprio diretor admite em entrevistas: morte e renascimento. Mas o filme vai mais além, ao simbolicamente aproximar a lei da gravidade (o mais importante personagem do filme) com a Lei do Carma, atração gravitacional com a reencarnação.

Você está solto no espaço a 375 milhas acima da Terra, o oxigênio está se esgotando, a comunicação foi perdida, uma nuvem de restos catastróficos de satélites está voando na sua direção a 32 mil km/h e não há nenhuma esperança de resgate. O que você faz? O filme Gravidade dirigido pelo mexicano Alfonso Cuarón vai direto ao assunto: sem introduções ou apresentações dos personagens, apenas uma legenda inicial que nos informa que a vida no espaço é impossível. Corta para o exterior onde sempre é noite, a não ser pela enorme nimbus azul-cinza da curvatura da Terra, uma presença constante que representa a força literal da nossa casa: a atração gravitacional, o grande inimigo e ao mesmo tempo aliado com o qual os astronautas terão que lidar para sobreviver.

Uma equipe da NASA está em um passeio espacial de rotina fazendo reparos e atualizando o sistema de computadores do telescópio Hubble. A engenheira Dra Ryan Stone (Sandra Bullock) é a especialista da missão responsável pelos reparos no telescópio enquanto Matt Kowalski (George Clooney) é o experiente líder em sua última missão antes da aposentadoria, coordenando os trabalhos e voando em torno do ônibus espacial. Até que o inesperado acontece: do outro lado do planeta um míssil russo destrói acidentalmente um satélite cujos destroços produz uma reação em cadeia de destruições de outros satélites, criando uma mortal nuvem de destroços.


O controle da missão de Houston começa a gritar para abortar a missão, mas já é tarde: metal pulverizado, pórticos em espiral e um turbilhão caótico de detritos criam caos e destruição, arremessando os astronautas para o espaço escuro. Só depois desses 10 minutos iniciais temos o primeiro corte de plano. Não há mais horizonte natural para corrigir nossos sentidos e o 3D só aumenta a desorientação. Corta para um extremo close up no rosto de Bollock, balançando em 180 graus, rígida de terror e com um aviso sonoro de que o oxigênio está a 10%.

Desde 2001, Uma Odisséia no Espaço (1968) de Stanley Kubrick, nenhum filme conseguiu expressar tão claramente como em Gravidade o caráter absoluto do espaço – a vastidão impossível, o vazio obliterante. A câmera de Alfonso Cuarón consegue colocar o espectador no centro do mais inimaginável e extremo perigo – ficar à deriva no espaço.

Muitos críticos vêm apontando que a grande virtude do filme é a sua narrativa crua, direta e realista (o filme seguiria à risca as leis científicas da astrofísica e astronáutica – o que desmente o astronauta brasileiro Marcos Pontes que trabalha na NASA – clique aqui sobre isso). Algo que os blockbusters atuais teriam perdido, por estarem sempre imersos em complexas mitologias como em Avatar.

Esse blog acredita que a verdadeira virtude de Gravidade não é o seu “realismo” ou crueza narrativa. Os supostos “erros” científicos do filme apenas confirmariam que , ao contrário, a virtude do filme estaria no plano do imaginário e da mitologia. Em entrevistas o diretor mexicano confirma que a inspiração do argumento e roteiro veio “quase tudo da religião” (veja “Gravity - Entrevista a Alfonso Cuarón: "Los cineastas que trabajamos la fantasía estamos en eterna deuda con 'Avatar'" In: Sensacine).

Misticismo oriental


Em dois momentos o filme faz alusões ao misticismo oriental: no primeiro quando Kowalski está solto no espaço e, conformado com o seu destino fatal, fala para a Dra. Ryan: “como é lindo ver o por do Sol no rio Ganges daqui de cima!”. E o segundo quando a Dra. Ryan finalmente entra na salvadora estação espacial chinesa e senta diante do painel para iniciar os procedimentos de reentrada na atmosfera, vemos o plano em que a câmera enquadra uma pequena estátua de Buda sobre uma saliência - veja foto abaixo.

Em outras palavras, Gravidade faz uma surpreendente aproximação entre a lei da gravitação universal, Carma e reencarnação. Como o próprio diretor afirmou em entrevista, o grande tema do filme é o renascimento, não só como superação das dificuldades da vida, mas também da própria morte.

Isso fica evidente em dois momentos do filme: quando finalmente a Dra. Ryan consegue entrar na câmera de vácuo da Estação Internacional após ficar à beira da morte já sem oxigênio, ela retira sua roupa de astronauta e se coloca, flutuando, em posição fetal. A câmera a enquadra em plano geral e a composição remete explicitamente ao feto e o cordão umbilical; e o outro momento é a simbólica sequência final onde a protagonista como que renasce, numa analogia entre a água, líquido amniótico, nascimento e a reaprendizagem em manter-se em pé e caminhar .

Lei da Gravidade e Reencarnação


Dentro da tradição espiritualista e do misticismo oriental há um entrelaçamento bioenergético entre a lei da gravidade, a lei do Carma e a reencarnação. Termo sânscrito, Carma exprime o encadeamento das causas e efeitos, garantia da ordem do Universo. A esse sentido cósmico, acrescenta-se uma significação ética: os atos humanos estão ligados a suas consequências, e essas ocasionam situações pelas quais os autores desses atos foram responsáveis.

Se a Lua gravita em torno da Terra devido às condições de gravidade e velocidade tangencial (as leis maiores), nossos atos e eventos menores como nascimento, vida e morte de cada indivíduo estariam contidos nessas leis.

Por exemplo, para espiritualistas e espíritas a volta ao mundo corporal, o processo reencarnatório, estaria entrelaçado nessas leis maiores. Entidades desencarnadas e viventes nos planos astrais se ressentem da força da gravidade terrestre, o que ocasiona o fenômeno de atração das células astrais de seus corpos em direção ao núcleo planetário. Haveria um arrastamento natural dessas entidades para o útero materno. Milhares e milhares de reencarnações ocorreriam automaticamente, decorrentes dessa irresistível atração gravitacional para os processos de fertilização e renascimento – sobre isso leia PINHEIRO, Robson, Legião: um olhar sobre o reino das sombras. São Paulo: Casa dos Espíritos, 2006.

O Carma se refere às nossas intenções que, análogo à lei de ação e reação de Newton, podem gerar bons e maus frutos. Palavras, pensamentos e atos criariam fios de uma rede de fluidos astrais em trono de nós mesmos ou no próprio ambiente que nos envolve. Culpa, ódio, ressentimento e uma série de formas-pensamento criadas a partir de fluidos pesados que inexoravelmente são atraídos pelas forças telúricas terrestres, criando o ciclo sucessivo de reencarnações. No espiritismo, as regiões astrais conhecidas como Umbral são constituídas por ambientes densos e instáveis, habitados por entidades cujos sentimentos de revolta e culpa criam situações de verdadeiras reencarnações compulsórias e inconscientes, por pura atração gravitação dos espíritos à crosta. A inconsciência causaria diretamente o nosso próprio sofrimento – sobre esse tema clique aqui.

Mas essas leis maiores não representariam um determinismo cósmico: a consciência moral das intenções e ações (o “dharma”, virtude e realidade) criaria a possibilidade de criar um sistema dinâmico, auto-ajustável no qual existe um feedback constante de acordo com a maneira com a qual nós aceitamos ou recusamos nossas experiências a cada momento. Nossa reação e atitudes diante da experiência seriam mais importantes do que a própria experiência.

Em outras palavras, as sucessivas reencarnações deixariam de ser compulsórias para se tornarem conscientes e planejadas e a lei da gravidade – a misteriosa força que nos prende a esse planeta – seria utilizada como uma ferramenta e não mais como destino.

O filme “Gravidade” explora esse núcleo místico-religioso: mais do que uma analogia sobre morte e renascimento, a narrativa apresenta como é possível a fatalidade e destino criadas pelas grandes leis inexoráveis da natureza serem trabalhadas ao nosso favor. A jornada da Dra. Ryan Stone em sua luta contra os efeitos gravitacionais e a forma como habilmente transformou a própria lei gravitacional em muitos momentos a seu favor, faz lembrar a gnose de Buzz Lightyear, personagem da trilogia Toy Story  onde chega a conclusão que não pode voar, mas pode “cair com estilo”.

Ficha Técnica
Título: Gravidade
Diretor: Alfonso Cuarón
Roteiro: Alfonso Cuarón, Jonas Cuarón
Elenco: Sandra Bullock, George Clooney, Ed Harris (voz)
Podução: Warner Bros., Esperanto Filmoj
Distribuição: Warner Bro.
Ano: 2013
País: EUA



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