Por que o imaginário
infantil sempre esteve às voltas com monstros? Por que esses seres fantásticos
presentes em todas as culturas, mitologias e lendas ao mesmo tempo assustam e fascinam
crianças há gerações? A exposição “Monstros” do artista multimídia Térsio
Greguol ajuda a responder essas questões porque expressam o passado e presente
desses assustadores seres: a importância do arquétipo do monstro para a criança
enfrentar psicologicamente esse mundo e a nova sensibilidade infantil com esses
seres, dessas vez paródica e metalinguística.
Desde que Sigmund Freud descobriu
que as crianças não eram exatamente anjinhos barrocos, mas detentoras de uma
vida psíquica tão ou mais complexa que os adultos, a maneira como encaramos o
imaginário infantil com suas fábulas, lendas e cantigas de ninar mudou. Desde a
mais tenra idade as crianças estão familiarizadas com emoções perturbadoras
como o medo e a angústia. São experiências que fazem parte do cotidiano. Elas
têm que lidar constantemente com frustrações, angústia de perda e abandono, o
medo da escuridão e do isolamento.
Diferente dos outros animais, a
Natureza nos colocou nesse mundo, totalmente desprotegidos e dependentes – nascemos
carecas, sem pelos e sem dentes, desajeitados e sem coordenação motora. E como
a criança lida com essa situação? Através da imaginação e da fantasia, a melhor
maneira de lidar com os monstros, arquétipos de seres fantásticos que
simbolizam as ameaças dessa deplorável condição que viemos ao mundo.
Exposição "Monstros" |
A exposição “Monstros” do
artista multimída Térsio Greguol (escritor, artista plástico, compositor e
vocalista da banda Katarse) no espaço
da Fenac-Pinheiros em São Paulo explora esses seres fantásticos presentes em
todas as culturas, mitologias, folclore e lendas através de desenhos e telas
tridimensionais. Nas telas de Greguol vemos olhos enormes que nos observam ou pequenos
que emergem da escuridão, tentáculos coloridos que formam traçados
labirínticos, bocas enormes e cheias de dentes, carrancas tridimensionais e
muitas espirais, como se as formas e cores tentassem nos hipnotizar.
Claro que na exposição estão
muitos adultos que sentem nas telas ecos da infância. Mas as crianças
simplesmente adoram os monstros representados nas telas da exposição. Os
monstros de Térsio têm um quê de metalinguagem pelas referências midiáticas,
principalmente dos monstros de Tim Burton do filme “Os Fantasmas se Divertem”.
A exposição “Monstros” parece
estar sintonizada com uma tendência atual. Se olharmos em perspectiva todas as
mídias, dos livros infantis, passando pela TV e Cinema até chegarmos aos games
de computadores podemos concluir: barbie e animais fofos estão em baixa.
Monstros, fantasmas, animais gosmentos e gelecas estão em alta. E quando as
crianças tornarem-se adolescentes entrarão em cena os vampiros e seres da noite como
os da série “Crespúsculo”. Por que este fascínio infantil por um imaginário
que, do ponto de vista adulto, é mórbido, estranho e violento?
Crianças querem se sentir poderosas
Certamente o imaginário infantil
sempre esteve às voltas com monstros e violência. Os contos de fadas
transmitidos oralmente por séculos parecem comprovar isso. Quando no século XIX
os Irmãos Grimm fizeram uma antologia dessas fábulas antigas como Cinderela, A
Bela Adormecida, João e Maria, Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho etc., eles
retiraram elementos eróticos para as polidas audiências da época, mas
mantiveram a violência. Dessa maneira apresentaram um mundo onde os vilões são
habitualmente decapitados ou jogados em óleo fervente e gigantes são mortos por
cortar gargantas de crianças.
Telas tridimensionais |
Para pesquisadora de Havard Maria
Tatar, o que distingue as crianças dos adultos é precisamente o que esse
imaginário macabro dos contos demonstra: “exuberância, energia, mobilidade,
irreverência, curiosidade e audácia que dão a eles energia para desafiar a agenda
civilizada dos adultos” (WILSON, Eric G., Everyone
Loves a Good Train Wreck Why We Can’t Look Away, Nova York: Sarah Crichton
Books, 2012, p. 34).
No livro Killing Monsters: Why Children Need Fantasy, Super Heroes and Make-Believe
Violence, Gerard Jones sustenta que crianças se identificam com violência
ficcional porque faz se sentirem poderosas e confiantes diante de um mundo
assustador e incontrolável. Crianças adoram se sentirem poderosas, porque seu
universo é intrinsecamente carregado de medos e ansiedades.
Essa ideia retornaria aos
conceitos estéticos de Aristóteles: ficções em torno de emoções destrutivas
podem purgar esses sentimentos por meio da catarse.
A experiência estética do macabro presente em livros, filmes, desenhos e mesmo
em vídeo games seria útil e terapêutica.
Por exemplo, Eric G. Wilson
apresenta um estudo onde crianças submetidas a vídeos violentos não se tornam
violentas, enquanto jovens delinquentes se tornariam menos violentos.
Sensibilidade infantil pós-moderna
Nas ilustrações de monstros de
Térsio Greguol também há um evidente caráter metalinguístico e paródico:
referências a Tim Burton e aqui e ali pitadas da estética trash dos antigos filmes B de terror de Hollywood como A Múmia,
Frankenstein, Boris Karloff e Vincent Price, além da estética HQ dos antigos
quadrinhos e animações de Betty Boop ou da estética underground de Robert Crumb.
Essa estética pós-moderna
metalinguística e irônica presente nos conteúdos infantis atuais é um fenômeno
apontado por muitos pesquisadores, como o historiador Peter Burke sobre a
paródia do super-homem feita pelo personagem Capitão Cueca:
“os truques com os quais se divertem, como trocar as letras no cardápio do almoço na cantina da escola, devem ser tão velhos quanto as próprias cantinas das escolas. Sob outros aspectos, entretanto, as histórias não são nem um pouco tradicionais. Podem até ser descritas como pós-modernas, graças não apenas às referências recorrentes a universos alternativos, mas também, especialmente, ao amor do autor pela paródia e especialmente pelas autorreferências. O herói, Capitão Cueca, é uma paródia de Super-Homem - um sujeito mais gorducho do que atlético, que canta loas às cuecas de algodão enquanto voa em suas missões para submeter os vilões à justiça. O Capitão também é apresentado ao leitor como criação de George e Harold, que passam boa parte de seu tempo, tanto em casa quanto na escola, escrevendo e desenhando tiras de quadrinhos sobre ele. Suas tiras são reproduzidas na série, de modo que os leitores se veem sugados para dentro de um mundo de quadrinhos dentro de um livro de quadrinhos. De maneira realmente pós-moderna, a divisão entre ficção e realidade vai perdendo nitidez à medida que as histórias se desenrolam”. (BURKE, Peter. “Crianças Pós Modernas” em "blog Controvérsia" )
Além dos aspectos arquetípicos que envolvem a
identificação das crianças pelos monstros, há também essa sensibilidade
pós-moderna paródica e metalinguística. Os velhos monstros dos filmes de terror
e sci fi trash dos anos 1940-50-60 e
todas as HQs e pulp fictions tornaram-se verdadeiros arquétipos contemporâneos.
Parecem já pertencer a um inconsciente coletivo que as crianças parecem trazer
no DNA da espécie.
A cada geleca pegajosa ou monstrinhos trash packs que as crianças carregam nos
bolsos e nas lancheiras para o desespero dos pais, está a paródia dos monstros cheios
de tentáculos e gosmentos do cinema que esses mesmos pais adoravam na infância.
Os monstros de Térsio Greguol são expressivos
porque comunicam essa constelação do imaginário e sensibilidade infantis, atual
e do passado. É maravilhoso ver como as crianças se deliciam ao ver imagens que
materializam de forma lúdica e paródica suas ansiedades e medos.
A exposição “Monstros” de Térsio Greguol
ficará aberta até o dia 31 de julho na Fnac, Loja Pinheiros na Praça dos
Omaguás, 34, Pinheiros, São Paulo, de segunda a sábado das 10h às 22h e
domingos das 10h às 20h.