quinta-feira, julho 12, 2012

Góticos, darks e emos vagam pelos shoppings

O poder dos símbolos e divindades pagãs é estetizado há décadas pela indústria do entretenimento, por exemplo, através do imaginário dark, gótico ou de todo um "sub-zeitgeist" que fascina sucessivas gerações. Seria o sintoma ao mesmo tempo de tendências depressivas principalmente de jovens e adolescentes e do anseio pela "experiência religiosa imediata". Com o esvaziamento da mitologia política, temos agora o Sagrado e o Religioso como um novo imaginário para canalizar a angústia por transcendência do jovem.




"Toda ideologia tem o seu momento de verdade" (Theodor Adorno)

Recentemente os alunos da disciplina de Estrutura de Roteiro da Escola de Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi produziram seus primeiros Argumentos e Sinopses, apresentando oralmente suas produções na sala de aula. Uma característica recorrente nos argumentos das narrativas apresentadas me chamou a atenção: de 14 estórias apresentadas, quase a metade se inseriam em um imaginário gótico e místico, recheado de simbologias alquímicas, protagonistas esquizofrênicos que não distinguem ilusão de realidade, lugares subterrâneos e mundos paralelos atacados por vampiros etc.

Estórias cujos protagonistas em geral adolescentes, que levam uma vida normal até descobrirem que têm estranhos poderes e que são observados secretamente por entidades sombrias. Por que jovens com idades em torno dos 20 anos são fascinados por esse imaginário dark, com tonalidades ao mesmo tempo depressivas e épicas?



É marcante o constante revival entre jovens deste universo que ao longo das décadas assume diversos rótulos. 


Robert Smith do "The Cure": cada década
a mídia explora tendências depressivas
do jovem
Nos anos 70 tivemos o “rock horror” e “glam rock” dos anos 70. Seus ícones foram a androginia do personagem Ziggy Stardust de David Bowie (com a emblemática música “Rock and Roll Suicide” e a relação do jovem com a morte – “Você está velho demais para perdê-la, muito jovem para escolhê-la”) e todo o universo trash e underground urbano sintetizado no filme "Rock Horror Picture Show" - 1975).

Nos anos 80 temos o “Dark” sintetizado em ícones como Robert Smith do The Cure e Peter Murphy da banda Bauhaus. Músicas cujas letras se inspiram no universo gótico da literatura romântica dos séculos XVIII e XIX. Replicantes melancólicos (no filme "Blade Runner" - 1982), amores platônicos e a sensação de uma geração ter alcançado a adolescência e juventude no final da festa (daí a nostalgia pós moderna pela década de 50 na moda, arquitetura e filmografia).

Nos anos 90 o “Dark” é reciclado pelo “Gótico” e a literatura romântica é substituída pelos contos de terror. Jovens cuja aspiração é a de se tornar seres da noite, com longas capas pretas e lentas de contato especiais que alteram a cor dos olhos.

Nesse início do século XXI temos a framquia de filmes “Crepúsculo” e o imaginário musical "Emo" destilando essas tendências depressivas em jovens e adolescentes.

Tendências depressivas nos jovens


Já nos anos 70 os pesquisadores alemães Dieter Prokop e Lakaschus (veja a coletânea de textos "Dieter Prokop" da coleção "Grandes Cientistas Sociais" da Editora Ática) abordavam como a cultura midiática lidava com essas tendências depressivas, principalmente em jovens. 



Eles analisavam como a cultura de massa criava uma espécie de “esportividade” na relação dos jovens com conteúdos da mídia: por um lado o jovem procura elementos estimulantes, vitalidade artística, que combata a sensação de ausência de conteúdo na existência. Mas, por outro lado, esse público não quer que sua paz ou rotina sejam desestabilizadas pelos verdadeiros conteúdos latentes nesses elementos que possam colocar em xeque toda uma totalidade de ordem.

De qualquer forma, o momento de verdade nessa ideologia está no autêntico desejo por transcendência ou ruptura presente no jovem, muitas vezes envolta em torno de simbologias e arquétipos do Sagrado e do Religioso. Com o esvaziamento da mitologia política (Che Guevara, Comunismo, Marxismo etc.), temos agora o Sagrado e o Religioso como um novo imaginário para canalizar a angústia por transcendência do jovem (muito embora podemos encontrar o mesmo componente religioso e escatológico na utopia política do Comunismo no passado).

Como afirma Victoria Nelson, na cultura racionalista ocidental esse impulso pelo sagrado (ou mais precisamente, a crença num cosmos multifacetado entre o sensível e o invisível, a vívida presença de Deus ou do macrocosmo em cada um de nós – a gnosis) é transformado e confinado na estetização da arte e literatura e subjetivado por meio da psicologia e psicanálise.
“O impulso religioso é deslocado não apenas para o campo do sobrenatural, mas também para a supervalorização de objetos muito além das suas funções intrínsecas em nossas vidas. Ansiosos por objetos sagrados, pelo caminho dos templos e absolvições, temos conduzido o transcendental para formas distorcidas que invadem a arte, a experiência sexual, psicoterapia, e ainda o culto pelas celebridades vivas e mortas. (...) A esteticização desesteticiza. Aniquila a função, retirando o objeto do reino da necessidade para o interior de uma contemplação desinteressada de uma subjetiva observação consciente. Diferente das formas religiosas de apreensão que realisticamente penetram na ação ritual e na codificação simbólica, a esteticização toma as coisas fora do seu contexto, mantendo-as na superfície. Qual a melhor maneira de neutralizar o poder das antigas divindades pagãs senão através da ideologia da esteticização, como ‘arte’” (NELSON, Victoria. The Secret Life of Puppets. Havard University Press, 2001, PP. 19-20.

Personagens do filme "Crepúsculo" perdidos
no "lugar de gente feliz"
Esse descrição vai ao ponto do destino do autêntico impulso pelo sagrado presente no jovem, cujos sintomas são a depressão, a dor e o sofrimento originados numa sociedade que tenta aniquilar ou, pelo menos deslocar este impulso para formas pragmáticas e produtivas. Esse impulso traduzido, por meio da cultura de massa, através de todo um sub-zeitgeist gótico, estranho, trash e bizarro, transforma-se em atitude estética superficial.

Isso é o que está por trás de, por exemplo, da paradoxal promoção do McDonald´s, exposta em busdoors: ganhar o DVD do filme Crepúsculo na compra de combos de refeições fast-food. É o paroxismo desse destino do sagrado descrito por Victoria Nelson: os personagens darks do filme perdidos no “lugar de gente feliz”. A verdadeira busca da “experiência religiosa imediata” neutralizada ou estetizada no imaginário do filme “Crepúsculo”. O poder de toda uma simbologia pagã que poderia colocar em xeque o princípio de realidade abatida pela esteticização midiática. Isso permite que jovens vestidos de preto confortavelmente sentem-se nos iluminados recintos de consumo de fast-food. Darks e góticos vagando em shopping centers.

Porém, o momento de verdade dessa ideologia permanece. A atração pelo “estranho” permanece geração após geração de adolescentes, como o momento sempre renovado onde o indivíduo tenta buscar um caminho pelo qual a identidade consiga escapar dos rituais de passagem para a vida adulta, rituais onde, tal como a Ciência e a Religião, celebram a liquidação do indivíduo diante de uma Ordem totalitária.


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