quarta-feira, julho 11, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Imagine uma co-produção finlandesa, alemã e australiana que mistura “Star Wars”, bases lunares nazistas, filme “Independence Day”, a republicana Sarah Pallin na presidência dos EUA, Naziexploitation e um astronauta negro símbolo do marketing político dos republicanos que cai nas mãos dos nazistas lunares para ser embranquecido e tornar-se ariano por médicos da SS. Pois essa combinação delirante foi premiada no Festival de Cinema Fantástico de Bruxelas e no Festival de Berlim. É o filme “Iron Sky” (2012). Pode parecer um pastiche de inconsequente humor negro, mas por trás dessas camadas de puro absurdo estão interessantes insights sobre o terrorismo de Estado e propaganda política além de fazer refletir sobre a natureza das teorias conspiratórias contemporâneas.
“De onde somos? Da Terra. E quando nós saímos? 1945. E para
onde nós fomos? Para o lado escuro da Lua!!! Salve Hitler!” Essa é uma das primeira
sequências de “Iron Sky” onde acompanhamos uma
aula na escola infantil dentro de uma gigantesca base lunar com tecnologia e
arquitetura retro e com astronautas trajando roupas que parecem ter saído de
algum brechó temático da II Guerra Mundial. Mas é uma base lunar para onde os
nazistas fugiram após a invasão Aliada na Alemanha no final da Guerra para se esconder no lado escuro da Lua. Lá planejam a grande
invasão à Terra para construir dessa vez o IV Reich.
Tudo vai bem até serem incomodados com a chegada do primeiro astronauta
americano naquela região, James Washington (Christopher Kirby), em uma missão
que é um produto da propaganda política de uma ultraconservadora Sarah
Palin (“Um Negro na Lua. Sim! Ela Pode!” – é o slogan da campanha da presidenta à reeleição).
Prisioneiro, os nazistas roubam seu celular e descobrem uma tecnologia muito
mais avançada que pode colocar em ação a maior de todas as armas: a gigantesca
nave “Crepúsculo dos Deuses” – uma espécie de “Estrela da Morte” como no filme
“Star Wars”.
Mas a bateria do celular acaba. Eles precisam de outro
celular. Decidem enviar um pequeno grupo à Terra, junto com o astronauta James
que, submetido aos tratamentos dos médicos da SS, torna-se ariano (!) – em uma
hilariante referência ao filme “Dr Fantástico” de Kubrick, constantemente seu
braço direito quer fazer a saudação nazi, mas é contido pelo esquerdo...
Sarah Palin enfrenta os nazistas vindos do lado oculto da Lua
Chegando à Terra e após muitas piadas e situações
politicamente incorretas, o roteiro chega ao grande insight: o líder do grupo nazi acaba, acidentalmente, no centro da campanha
da presidenta Sarah Palin (impagável, ela comanda todas as ações do governo correndo
em uma esteira na Casa Branca). A marqueteira da campanha descobre que a
ideologia totalitarista nazista é extremamente vendável e que, na verdade, suas
ideias, slogans e bordões são usados de forma eufemista e disfarçada em todas
as democracias do planeta.
O governo dos EUA acaba tolerando a invasão de discos
voadores nazistas sobre Nova York para a presidenta ter o total apoio da
opinião pública e dos membros da ONU para empreender uma batalha estelar até a
Lua. Na verdade, secretamente os EUA estão atrás de uma fonte de energia
existente na Lua que mantém a base nazi em funcionamento: o hellium 3. Se os
EUA colocarem as mãos nessa fonte de energia, serão líderes econômicos
mundiais.
O filme foi financiado através de um processo chamado crowdsourcing: o site do projeto recebia
doações de fãs que totalizaram seis milhões de dólares em cinco anos. Mesmo com
baixo orçamento, o filme foi bem realizado: propositalmente tenta parecer um
filme B, mas figurino, fotografia e efeitos especiais surpreendentemente
funcionam para um filme cuja produção foi limitada ao crowdsourcing. Mas resultou em uma versão final incompleta e com as
cenas da invasão reduzidas na escala de tempo. Sem falar nos problemas de
distribuição.
Terror e Propaganda
“Iron Sky” toca em um tema bastante sério: o marketing
político atual seria herdeiro da grande inovação que os governos fascistas
trouxeram para o século XX: a esteticização da política ao aproximar a política
do Terror à Propaganda. Desde o incêndio do Reichstag em 1933 (onde Hitler culpou
os comunistas e tirou proveito da situação ao declarar um estado de emergência
que suspendia todos os direitos civis garantidos pela constituição de 1919 da
República de Weimar), a propaganda política aproxima-se do terror como forma
ambígua de reintegração das massas na política por meio de uma encenação: a
criação de um Estado ditatorial como única solução para enfrentar um inimigo
externo.
Na época, Walter Benjamin e Siegfried Kracauer falavam sobre
uma inédita “esteticização da política” e “terror e propaganda”: o
entrelaçamento do espetáculo “pleno de efeitos” dos eventos políticos, os
reclames publicitários concentrados no poder fetichista de um líder e o papel
das emissões radiofônicas que transformam quarto de dormir numa praça pública
criando uma falsa impressão de opinião pública organizada – à semelhança da
atualidade onde as redes sociais criam uma virtual participação pública de
indivíduos fisicamente isolados.
Em outras
palavras, a Política deixa o campo ideológico para transformar-se em espetáculo.
Que o poder sempre teve um caráter cênico‑teatral não é novidade desde
Maquiavel. Porém, a novidade atual é que a encenação se desloca do campo da dissimulação para o da simulação. Precisa produzir fatos,
programas, expor a vida privada de políticos e autoridades, criar choques
econômicos, dar amplitude midiática às intrigas palacianas, isto é, munir os
meios de comunicação de simulacros da sua realidade.
Se outrora a
poder dissimulava sua essência (a força bruta, a repressão, a dominação etc.),
a partir do fenômeno histórico do fascismo o poder fez uma aliança inédita com
a mídia para simular “efeitos de realidade”. Do incêndio do “Reichstag”, passando
pelo confisco das poupanças feito pelo governo Collor em 1990 – “só tenho uma
bala na agulha, dizia para justificar” - até os atentados em Nova York em 2001,
a propaganda deve simular fatos consumados para mobilizar a opinião pública a
uma única opção possível.
A necessidade da criação de uma situação de guerra que legitime a necessidade de proteção. O efeito principal da propaganda do terror é a suspensão dos direitos e das liberdades para reassegurar a "segurança" e legitimar a militarização do Estado.
Se no passado o Estado apenas pretendia tornar-se
público (publicidade) por meio de canais próprios e oficiais, hoje o Estado
alia-se ao aparato cênico-teatral da propaganda para simular eventos através
das mídias fazendo marketing – a constante prospecção de novos mercados de
eleitores.
As origens das teorias conspiratórias
"Iron Sky" é
recheado de referências às mais alucinadas teorias da conspiração atuais que
envolvem a mitologia nazista. Podemos encontrar na atualidade em sites da
Internet ou em publicações especializadas as mais delirantes narrativas. Por
exemplo, os nazistas teriam desenvolvido uma ultra-tecnologia de propulsão no
final da guerra como os discos voadores (eles não teriam tido tempo de colocar
em prática sendo a tecnologia sequestrada pelos EUA e escondida na Área-51); o
alto comando da SS teria fugido para bases secretas na Antártida ou, pior,
usando seus discos voadores teriam criado bases militares na Lua: mais tarde a
NASA, comandado pelo engenheiro ex-nazista Werner Von Braun, daria continuidade
a esse projeto com todo o programa espacial norte-americano...
Diariamente
canais de TV fechada como History Channel ou Discovery Channel apresentam uma
interminável série de programas sobre estas e outras bizarras teorias de
conspirações, reforçando ainda mais a mitologia nazista contemporânea.
Desde que a
propaganda Nacional-Socialista (em sua ascensão irresistível ao poder ao vencer
sucessivas eleições regionais até chegar à maioria nas eleições ao Congresso em
1932) criou a teoria da conspiração do poder sionista internacional baseado na
suposta descoberta dos “Protocolos dos Sabios do Sião” (obra apócrifa que detalharia uma reunião secreta de sábios judeus e maçons detalhando um plano de conquista do mundo)
esse passou a ser o “Lado B” da política: criação de boatos, lendas urbanas
para criar efeitos pânico na massa atomizada e solitária diante de receptores
radiofônicos até chegar na atual Internet.
O surgimento dessas teorias conspiratórias surgem em um
momento muito especial no início da década de 1930 na Alemanha: o agravamento
da crise internacional do capital financeiro, o crescimento assombroso de um
processo de desagregação interna da sociedade alemã, o enfraquecimento do poder
de atração dos partidos políticos estabelecidos e a ascensão paulatina do Nacional-Socialismo,
em meio a uma confusão ideológica nunca vista no Ocidente.
A sociologia atual vê a proliferação das teorias
conspiratórias como uma reposta irracional dos indivíduos à complexidade de um
mundo altamente tecnologizado e globalizado onde as instâncias decisórias fogem
da percepção do homem comum (veja BITTENCOURT, M “Teoria
simplificam o mundo, diz analistas”). Ou ainda de um ponto de vista
psicologizante: as pessoas esperam sempre pelo pior para preparar a sociedade e
a mente humana para o pior (veja YOUNG, Elizabeth, How
Conspiracy Theories Develop).
Acredito que a análise de Kracauer (veja MACHADO, Carlos Eduardo Jordão, "Siegefried Kracauer e Propaganda Totalitária") feita sob o impacto da
ascensão da moderna tática terrorista de propaganda na década de 1930 nos dá
uma explicação bem mais objetiva e histórica: o terror na propaganda deixou de
ser um meio, mas a própria finalidade da política moderna. A paranoia e as
teorias conspiratórias seriam sintomas dessa política irradiada pelo Estado e
meios de comunicação – a presunção da catástrofe.
Como fala a impagável clone da Sarah Paullin no filme “Iron
Sky”: “Sou uma presidente da guerra! Todos os presidentes que iniciaram uma
guerra no seu mandato foram reeleitos. Achei que tivesse que bombardear a
Austrália ou algo parecido. Só que agora, você me arruma uma...Quem são esses
caras, afinal? Ah! Nazistas!”
Iluminatis, Bilderbergs, maçons, ETs Greys, discos voadores
nazis e assim por diante, seriam subprodutos da propaganda terrorista moderna
ou, em outras palavras, a privatização do terror de Estado. Não é à toa que a
maioria dos teóricos da conspiração são politicamente conservadores e até mesmo
de Direita, muitos deles defendendo o direito à livre propriedade de armas para
os cidadãos se defenderem de governos supostamente corruptos porque fantoches comandados
pelos cordões da Nova Ordem Mundial.
Ficha Técnica
Título: Iron Sky
Direção: Timo Vuorensola
Roteiro: Johanna Sinisalo, Jarmo Puskala e Michael kalunisko
Elenco: Julia Dietze, Udo Kier, Peta Sergeant, Götz Otto e
Stephanie Paul
Produção:
Blind Spot Pictures Ou, 27 Films Productions
Cinegnose participa do programa Poros da Comunicação na FAPCOM
Este humilde blogueiro participou da edição de número seis do programa “Poros da Comunicação” no canal do YouTube TV FAPCOM, cujo tema foi “Tecnologia e o Sagrado: um novo obscurantismo?
Esse humilde blogueiro participou da 9a. Fatecnologia na Faculdade de Tecnologia de São Caetano do Sul (SP) em 11/05 onde discutiu os seguintes temas: cinema gnóstico; Gnosticismo nas ciências e nos jogos digitais; As mito-narrativas gnósticas e as transformações da Jornada do Herói nas HQs e no Cinema; As semióticas das narrativas como ferramentas de produção de roteiros.
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Bem Vindo
"Cinema Secreto: Cinegnose" é um Blog dedicado à divulgação e discussões sobre pesquisas e insights em torno das relações entre Gnosticismo, Sincromisticismo, Semiótica e Psicanálise com Cinema e cultura pop.
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No Oitavo Aniversário o Cinegnose atualiza lista com 101 filmes: CosmoGnósticos, PsicoGnósticos, TecnoGnósticos, AstroGnósticos e CronoGnósticos.
Esse humilde blogueiro participou do Hangout Gnóstico da Sociedade Gnóstica Internacional de Curitiba (PR) em 03/03 desse ano onde pude descrever a trajetória do blog "Cinema Secreto: Cinegnose" e a sua contribuição no campo da pesquisa das conexões entre Cinema e Gnosticismo.
Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Composto por seis capítulos, o livro é estruturado em duas partes distintas: a primeira parte a “Psicanálise da Comunicação” e, a segunda, “Da Semiótica ao Pós-Moderno >>>>> Leia mais>>>