Imagine uma co-produção finlandesa, alemã e australiana que mistura “Star Wars”, bases lunares nazistas, filme “Independence Day”, a republicana Sarah Pallin na presidência dos EUA, Naziexploitation e um astronauta negro símbolo do marketing político dos republicanos que cai nas mãos dos nazistas lunares para ser embranquecido e tornar-se ariano por médicos da SS. Pois essa combinação delirante foi premiada no Festival de Cinema Fantástico de Bruxelas e no Festival de Berlim. É o filme “Iron Sky” (2012). Pode parecer um pastiche de inconsequente humor negro, mas por trás dessas camadas de puro absurdo estão interessantes insights sobre o terrorismo de Estado e propaganda política além de fazer refletir sobre a natureza das teorias conspiratórias contemporâneas.
“De onde somos? Da Terra. E quando nós saímos? 1945. E para onde nós fomos? Para o lado escuro da Lua!!! Salve Hitler!” Essa é uma das primeira sequências de “Iron Sky” onde acompanhamos uma aula na escola infantil dentro de uma gigantesca base lunar com tecnologia e arquitetura retro e com astronautas trajando roupas que parecem ter saído de algum brechó temático da II Guerra Mundial. Mas é uma base lunar para onde os nazistas fugiram após a invasão Aliada na Alemanha no final da Guerra para se esconder no lado escuro da Lua. Lá planejam a grande invasão à Terra para construir dessa vez o IV Reich.
Tudo vai bem até serem incomodados com a chegada do primeiro astronauta
americano naquela região, James Washington (Christopher Kirby), em uma missão
que é um produto da propaganda política de uma ultraconservadora Sarah
Palin (“Um Negro na Lua. Sim! Ela Pode!” – é o slogan da campanha da presidenta à reeleição).
Prisioneiro, os nazistas roubam seu celular e descobrem uma tecnologia muito
mais avançada que pode colocar em ação a maior de todas as armas: a gigantesca
nave “Crepúsculo dos Deuses” – uma espécie de “Estrela da Morte” como no filme
“Star Wars”.
Mas a bateria do celular acaba. Eles precisam de outro
celular. Decidem enviar um pequeno grupo à Terra, junto com o astronauta James
que, submetido aos tratamentos dos médicos da SS, torna-se ariano (!) – em uma
hilariante referência ao filme “Dr Fantástico” de Kubrick, constantemente seu
braço direito quer fazer a saudação nazi, mas é contido pelo esquerdo...
Sarah Palin enfrenta os nazistas vindos do lado oculto da Lua |
Chegando à Terra e após muitas piadas e situações
politicamente incorretas, o roteiro chega ao grande insight: o líder do grupo nazi acaba, acidentalmente, no centro da campanha
da presidenta Sarah Palin (impagável, ela comanda todas as ações do governo correndo
em uma esteira na Casa Branca). A marqueteira da campanha descobre que a
ideologia totalitarista nazista é extremamente vendável e que, na verdade, suas
ideias, slogans e bordões são usados de forma eufemista e disfarçada em todas
as democracias do planeta.
O governo dos EUA acaba tolerando a invasão de discos
voadores nazistas sobre Nova York para a presidenta ter o total apoio da
opinião pública e dos membros da ONU para empreender uma batalha estelar até a
Lua. Na verdade, secretamente os EUA estão atrás de uma fonte de energia
existente na Lua que mantém a base nazi em funcionamento: o hellium 3. Se os
EUA colocarem as mãos nessa fonte de energia, serão líderes econômicos
mundiais.
O filme foi financiado através de um processo chamado crowdsourcing: o site do projeto recebia
doações de fãs que totalizaram seis milhões de dólares em cinco anos. Mesmo com
baixo orçamento, o filme foi bem realizado: propositalmente tenta parecer um
filme B, mas figurino, fotografia e efeitos especiais surpreendentemente
funcionam para um filme cuja produção foi limitada ao crowdsourcing. Mas resultou em uma versão final incompleta e com as
cenas da invasão reduzidas na escala de tempo. Sem falar nos problemas de
distribuição.
Terror e Propaganda
“Iron Sky” toca em um tema bastante sério: o marketing
político atual seria herdeiro da grande inovação que os governos fascistas
trouxeram para o século XX: a esteticização da política ao aproximar a política
do Terror à Propaganda. Desde o incêndio do Reichstag em 1933 (onde Hitler culpou
os comunistas e tirou proveito da situação ao declarar um estado de emergência
que suspendia todos os direitos civis garantidos pela constituição de 1919 da
República de Weimar), a propaganda política aproxima-se do terror como forma
ambígua de reintegração das massas na política por meio de uma encenação: a
criação de um Estado ditatorial como única solução para enfrentar um inimigo
externo.
Na época, Walter Benjamin e Siegfried Kracauer falavam sobre
uma inédita “esteticização da política” e “terror e propaganda”: o
entrelaçamento do espetáculo “pleno de efeitos” dos eventos políticos, os
reclames publicitários concentrados no poder fetichista de um líder e o papel
das emissões radiofônicas que transformam quarto de dormir numa praça pública
criando uma falsa impressão de opinião pública organizada – à semelhança da
atualidade onde as redes sociais criam uma virtual participação pública de
indivíduos fisicamente isolados.
Em outras
palavras, a Política deixa o campo ideológico para transformar-se em espetáculo.
Que o poder sempre teve um caráter cênico‑teatral não é novidade desde
Maquiavel. Porém, a novidade atual é que a encenação se desloca do campo da dissimulação para o da simulação. Precisa produzir fatos,
programas, expor a vida privada de políticos e autoridades, criar choques
econômicos, dar amplitude midiática às intrigas palacianas, isto é, munir os
meios de comunicação de simulacros da sua realidade.
Se outrora a
poder dissimulava sua essência (a força bruta, a repressão, a dominação etc.),
a partir do fenômeno histórico do fascismo o poder fez uma aliança inédita com
a mídia para simular “efeitos de realidade”. Do incêndio do “Reichstag”, passando
pelo confisco das poupanças feito pelo governo Collor em 1990 – “só tenho uma
bala na agulha, dizia para justificar” - até os atentados em Nova York em 2001,
a propaganda deve simular fatos consumados para mobilizar a opinião pública a
uma única opção possível.
A necessidade da criação de uma situação de guerra que legitime a necessidade de proteção. O efeito principal da propaganda do terror é a suspensão dos direitos e das liberdades para reassegurar a "segurança" e legitimar a militarização do Estado.
A necessidade da criação de uma situação de guerra que legitime a necessidade de proteção. O efeito principal da propaganda do terror é a suspensão dos direitos e das liberdades para reassegurar a "segurança" e legitimar a militarização do Estado.
Se no passado o Estado apenas pretendia tornar-se
público (publicidade) por meio de canais próprios e oficiais, hoje o Estado
alia-se ao aparato cênico-teatral da propaganda para simular eventos através
das mídias fazendo marketing – a constante prospecção de novos mercados de
eleitores.
As origens das teorias conspiratórias
"Iron Sky" é
recheado de referências às mais alucinadas teorias da conspiração atuais que
envolvem a mitologia nazista. Podemos encontrar na atualidade em sites da
Internet ou em publicações especializadas as mais delirantes narrativas. Por
exemplo, os nazistas teriam desenvolvido uma ultra-tecnologia de propulsão no
final da guerra como os discos voadores (eles não teriam tido tempo de colocar
em prática sendo a tecnologia sequestrada pelos EUA e escondida na Área-51); o
alto comando da SS teria fugido para bases secretas na Antártida ou, pior,
usando seus discos voadores teriam criado bases militares na Lua: mais tarde a
NASA, comandado pelo engenheiro ex-nazista Werner Von Braun, daria continuidade
a esse projeto com todo o programa espacial norte-americano...
Diariamente
canais de TV fechada como History Channel ou Discovery Channel apresentam uma
interminável série de programas sobre estas e outras bizarras teorias de
conspirações, reforçando ainda mais a mitologia nazista contemporânea.
Desde que a
propaganda Nacional-Socialista (em sua ascensão irresistível ao poder ao vencer
sucessivas eleições regionais até chegar à maioria nas eleições ao Congresso em
1932) criou a teoria da conspiração do poder sionista internacional baseado na
suposta descoberta dos “Protocolos dos Sabios do Sião” (obra apócrifa que detalharia uma reunião secreta de sábios judeus e maçons detalhando um plano de conquista do mundo)
esse passou a ser o “Lado B” da política: criação de boatos, lendas urbanas
para criar efeitos pânico na massa atomizada e solitária diante de receptores
radiofônicos até chegar na atual Internet.
O surgimento dessas teorias conspiratórias surgem em um
momento muito especial no início da década de 1930 na Alemanha: o agravamento
da crise internacional do capital financeiro, o crescimento assombroso de um
processo de desagregação interna da sociedade alemã, o enfraquecimento do poder
de atração dos partidos políticos estabelecidos e a ascensão paulatina do Nacional-Socialismo,
em meio a uma confusão ideológica nunca vista no Ocidente.
A sociologia atual vê a proliferação das teorias
conspiratórias como uma reposta irracional dos indivíduos à complexidade de um
mundo altamente tecnologizado e globalizado onde as instâncias decisórias fogem
da percepção do homem comum (veja BITTENCOURT, M “Teoria
simplificam o mundo, diz analistas”). Ou ainda de um ponto de vista
psicologizante: as pessoas esperam sempre pelo pior para preparar a sociedade e
a mente humana para o pior (veja YOUNG, Elizabeth, How
Conspiracy Theories Develop).
Acredito que a análise de Kracauer (veja MACHADO, Carlos Eduardo Jordão, "Siegefried Kracauer e Propaganda Totalitária") feita sob o impacto da
ascensão da moderna tática terrorista de propaganda na década de 1930 nos dá
uma explicação bem mais objetiva e histórica: o terror na propaganda deixou de
ser um meio, mas a própria finalidade da política moderna. A paranoia e as
teorias conspiratórias seriam sintomas dessa política irradiada pelo Estado e
meios de comunicação – a presunção da catástrofe.
Como fala a impagável clone da Sarah Paullin no filme “Iron
Sky”: “Sou uma presidente da guerra! Todos os presidentes que iniciaram uma
guerra no seu mandato foram reeleitos. Achei que tivesse que bombardear a
Austrália ou algo parecido. Só que agora, você me arruma uma...Quem são esses
caras, afinal? Ah! Nazistas!”
Iluminatis, Bilderbergs, maçons, ETs Greys, discos voadores
nazis e assim por diante, seriam subprodutos da propaganda terrorista moderna
ou, em outras palavras, a privatização do terror de Estado. Não é à toa que a
maioria dos teóricos da conspiração são politicamente conservadores e até mesmo
de Direita, muitos deles defendendo o direito à livre propriedade de armas para
os cidadãos se defenderem de governos supostamente corruptos porque fantoches comandados
pelos cordões da Nova Ordem Mundial.
Ficha Técnica
- Título: Iron Sky
- Direção: Timo Vuorensola
- Roteiro: Johanna Sinisalo, Jarmo Puskala e Michael kalunisko
- Elenco: Julia Dietze, Udo Kier, Peta Sergeant, Götz Otto e Stephanie Paul
- Produção: Blind Spot Pictures Ou, 27 Films Productions
- Distribuição: Entertainment One
- País: Finlândia, Alemanha, Austrália
- Ano: 2012