segunda-feira, novembro 04, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um espectro ronda a produção cultural contemporânea: o Gnosticismo.
Não, não se trata de uma conspiração ou de alguma seita secreta que
silenciosamente se espreitaria subliminarmente em filmes e animações. Trata-se
de uma mudança de sensibilidade em relação à realidade e aos próprios produtos
culturais que procuram representá-la, um senso mais metalinguístico e auto-referencial
que questiona a representação e a própria natureza da realidade. A animação francesa “The
Painting” (Le Tableau, 2011), dirigida por Jean-
François Laguionie é um flagrante exemplo onde personagens fauvistas no
interior de quadros em um empoeirado estúdio estão em busca do Pintor, numa
evidente analogia com questões teológicas e filosóficas: ele existe? Retornará
um dia para completar suas obras? Quem desenhou o Pintor?
De programas infantis como
“Mister Maker”, passando por animações como “Hora de Aventura” e “Apenas um
Show” ou quadrinhos como “Capitão Cueca”, até os filmes mais elaborados para
adultos como “Matrix”, “Show de Truman” e “A Origem”, a sensibilidade é a
mesma: ironia, auto-referência, discurso indireto, metalinguagem, uma espécie
de autoconsciência dos personagens de que a narrativa em que estão imersos é
ficcional, um constructo de algum autor, demiurgo ou entidade arbitrária, que
algumas vezes quer lhes controlar e confinar.
A animação francesa de Jean-François
Laguionie, “The Paiting” (Le Tableau, 2011) é um bom exemplo dessa
sensibilidade contemporânea, além de ser uma ótima alternativa às animações
computadorizadas das produções norte-americanas. A narrativa é centrada em um
mundo no interior de um quadro em ambientes fauvistas ao estilo de Matisse e
cacos de Chagall. É apenas mais um quadro entre vários que estão no atelier de
um pintor, mas para os habitantes daquela tela é um cosmos fechado em si mesmo.
Apesar da beleza das cores,
texturas e traços, percebemos que aquele mundo não é tão poético: possui uma
rígida ordem social dividida em três castas: a elite formada pelos Toupins que
habitam um castelo. São pinturas finalizadas e de estilo definido. Em seguida
vêm os Pafinis, os “não terminados”: figuras não acabadas nas quais o pintor da
obra não deu um acabamento final ou deixou de pintar um detalhe qualquer. E
abaixo de todos, os Reufs, verdadeiros esboços vivos, personagens cujo pintor
nem iniciou e dotados apenas de linhas e contornos de lápis.