Depois de desafiar os espectadores com desconstruções
narrativas como “Amnésia” e articular sucessivas camadas de mundos oníricos em
“A Origem”, agora Christopher Nolan em “Interestelar” (Interstellar, 2014) nos
desafia com os paradoxos da mecânica quântica e relatividade. Aqui não há mais heróis tentando salvar a
Terra, mas pessoas que se sacrificam na procura de um caminho para a humanidade
abandonar um planeta agonizante. E a única saída será através de buracos negros
e “buracos de minhoca” cósmicos. Porém, as equações falham em tentar conciliar
a dimensão quântica e a relatividade. Qual a solução proposta por Nolan? Amor e
Comunicação, os únicos elementos que atravessam os diferentes espaços-tempos e
que resolveriam o enigma do chamado “entrelaçamento quântico”. Tudo com muitas
alusões gnósticas e religiosas, criando uma poderosa atmosfera mística.
John Smith
trabalha como projetista em um cinema nos EUA. John fez um curioso relato no
início desse mês: ao receber a cópia do filme Interestelar percebeu que ela veio embrulhada e rotulada como
“Flora’s Letter” – The Hollywood Reporter,
22/10/2014.
Já é bem
conhecida essa estratégia onde os filmes são distribuídos ou mesmo produzidos
com títulos falsos a fim de dificultar a pirataria ou roubo.
Mas também é
conhecido que muitos produtores não resistem à tentação de deixar nesses falsos
rótulos pistas inteligentes e sugestões. É o exemplo de filmes anteriores de
Nolan que foram distribuídos dessa maneira, com intrigantes pistas:
“Backbreaker” para o filme Batman - O
Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight,
2008) e “Be Kind, Rewind” para Amnésia
(Memento, 2000).
Simbolismos religiosos
Coincidência
ou Sincronismo? O fato é que Interestelar
de Nolan lida com os paradoxos das leis da Mecânica Quântica e da Teoria da Relatividade.
Passamos as quase duas primeiras horas do filme acompanhando todo o esforço de
um projeto que tenta salvar a raça humana da extinção baseado nas equações do
Professor Brand (Michael Caine). Porém, as equações do professor falham por não
encontrar a solução para aquilo que toda a Física até agora não conseguiu:
achar o chamado “Campo Unificado” que conciliaria a relatividade com a dimensão
quântica.
Porém, assim
como no texto gnóstico Carta para Flora,
um Salvador deve chegar para completar a Lei imperfeita, acrescentar o
componente que falta na equação. E para Nolan, aquilo que ultrapassaria o Tempo
e o Espaço, conciliando as dimensões relativísticas e quânticas, seria o Amor –
Jesus?.
Nolan parece
espalhar esses simbolismos na narrativa para fazer a delícia dos críticos de
cinema. Porém, o filme vai mais além do que essa lista de simbolismos mais
evidentes: Interestelar lida com o
tema do amor de uma forma bem peculiar – como o elemento mais importante da
equação, capaz de atravessar o contínuo tempo/espaço, ir além da atração
gravitacional. Para tanto, veremos como Nolan introduz o conceito de entrelaçamento quântico, conceito que
curiosamente Jim Jarmusch também introduz no seu último filme Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive, 2013, já analisado pelo blog, clique aqui).
O Filme
A maioria dos
filmes de Hollywood baseia-se em narrativas sobre o amor romântico ou sexo.
Mas Interestelar quase não tem casais
para se obter o tradicional par romântico que salvará o mundo. Ao invés disso,
vemos diferente formas de amor, de geração em geração, ao longo do tempo e
espaço.
O filme
começa em uma fazenda onde vemos o amor do avô Donald (John Lithgow) pelo seus
netos e o amor dos filhos pelo pai viúvo e astronauta aposentado da NASA Cooper
(Matthew McConaughey). Eles estão metidos em uma crise ambiental global onde os
alimentos desaparecem e tempestades de areia arrasam com plantações.
Por meio de
uma estranha anomalia gravitacional que a filha Murph (Jessica Chastain) descobre em um cômodo da
casa (ela pensa que há algum fantasma derrubando livros da estante) , eles
descobrem coordenadas que levam a um laboratório subterrâneo e secreto onde a NASA
planeja uma forma de salvar não o planeta, mas a humanidade: Dr. Brand
desenvolve equações para solucionar problemas relativísticos e quânticos para
levar a humanidade para um novo planeta do outro lado do Universo por meio de
um “buraco de minhoca” (wormhole) encontrado nas cercanias de Saturno. E tudo
leva a crer que esse buraco cósmico foi uma criação artificial de alguma outra
civilização disposta a nos ajudar.
Há ainda
outra forma de amor: doze “apóstolos” ou astronautas saíram sozinhos na
vanguarda do Projeto Lázaro, sacrificando suas vidas para serem congelados e
renascerem em algum lugar do outro lado do Universo.
Parece que o
tempo inteiro Nolan quer nos mostrar a força magnética que liga pessoas que
estão distantes; como pessoas separadas por longas distâncias no Universo podem
ainda exercer uma força gravitacional. Todos no filme anseiam por reencontros,
assim como no outro filme do diretor, A
Origem (Inception, 2010), o
protagonista Cobb tentava retornar para casa.
E assim como
em A Origem, Nolan lida com camadas
de realidades no tempo e espaço que funcionam em diferentes cronologias. Quando
o protagonista Cooper vai para o espaço deixa para trás os paradigmas da vida
terrena para entrar nos paradoxos da mecânica quântica e relatividade: a
gravidade torna-se variável em diferentes planetas, o espaço dobra sobre si
mesmo, astronautas voam por buracos de minhocas que conectam um ponto a outro
distante no Universo e naves ganham impulsos gravitacionais em horizontes de
eventos de um buraco negro.
O entrelaçamento quântico
Com isso,
Nolan introduz o conceito de entrelaçamento quântico: como duas partículas que se interagem, ao serem separadas continuam
a ter estranhos padrões como se ainda estivessem conectados a distâncias
imensas. Interestelar mostra como pessoas que se amam adquirem alguns desses
mesmos recursos e reagem da mesma forma, ao mesmo tempo para as mesmas coisas.
Baseado nas
ideias do físico Kip Thorne, Insterestelar mostra como Ciência e emoção podem
se misturar criando uma poderosa atmosfera mística. De início, Nolan opta por
um pressuposto narrativo gnóstico: a ideia de uma Terra seca e devastada da
qual o homem deve fugir, assim como Dorothy no filme clássico O Mágico De Oz, é a metáfora da condição
humana no Gnosticismo – prisioneiro em um cosmos imperfeito e decadente do qual
somente poderá escapar por meio da gnose, a busca da iluminação interior - sobre esse tema em O Mágico de Oz clique aqui.
E no filme
essa gnose é a descoberta de que vivemos em um Universo onde o entrelaçamento quântico faz tudo parecer emergente e interligado. A vida parece menos como uma
máquina e mais com padrões infinitamente complexos de ondas e partículas.
Em Interestelar, os personagens estão
frequentemente experimentando transversais e conexões místicas que transcendem
o tempo e o espaço. Parece que tanto Nolan como Jarmusch em Amantes Eternos
parecem ter se inspirado na obra-prima My Bright Abyss do poeta norte-americano Christian Wiman:
“Se o entrelaçamento quântico for verdade, se as partículas relacionadas reagem de maneiras semelhantes ou opostas , mesmo separadas por distâncias enormes, então é óbvio que o mundo inteiro está vivo e se comunica por diversas maneiras que não compreendemos totalmente. E nós somos parte dessa vida, dessa comunicação” WIMAN, Christian. My Bright Abyss – Meditation of a Modern Believer).
A solução do entrelaçamento quântico: amor e comunicação (spoilers à frente)
Levamos
quase duas horas do filme para compreendermos qual o elemento que falta para a
equação do professor Brand unificar relatividade e mecânica quântica, o que
possibilitaria trazer Cooper de volta para casa dobrando o tempo-espaço no
sentido inverso: amor e comunicação, aquilo que resolveria o enigma do
entrelaçamento quântico.
Numa alusão
ao filme 2001 de Kubrick, ao entrar no buraco negro Cooper descobre que seres
da quinta dimensão prepararam para ele um espaço tridimensional de onde observa
o quarto da casa na Terra onde está a filha Murph em tempo-espaço simultâneos
na infância e na atual vida adulta. O presente dobra-se no passado: através de
quantuns de energia em código morse, Cooper se comunica com Murph simultaneamente no passado e presente.
O suposto
fantasma da estante na infância era o próprio pai no futuro tentando se
comunicar, trazendo a solução que retirará a humanidade de um planeta
agonizante.
Nessa
sequência final, Nolan faz também uma curiosa alusão às comunicações dos
espíritos do início do Espiritismo do século XIX com os fenômenos de batidas no
chão e mesas girantes como formas de comunicação tiptológica dos mortos com os
vivos.
Seriam os
espíritos não apenas pessoas que já morreram, mas na verdade seres
interdimensionais tentando se comunicar conosco através de diferentes tempo-espaços?
Seriam seres do futuro ou do passado? Assim como os seres da quinta dimensão
que, por algum motivo misterioso, tentam ajudar a humanidade em Interestelar, os espíritos também tentam
se comunicar conosco?
Será que
assim como os seres da quinta dimensão, é o amor por nós que move os espíritos
a tentarem a comunicação?
Ficha Técnica |
Título: Interestelar
|
Diretor:
Christopher Nolan
|
Roteiro:
Jonathan Nolan, Christopher Nolan
|
Elenco: Matthew
McConaughey, Anne Hathaway, Jessica Chastain, Michael Caine, John Lithgow
|
Produção:
Legendary Pictures
|
Distribuição:
Warner Bros South (Brasil)
|
Ano:
2014
|
País: EUA
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