terça-feira, julho 08, 2025

Grande mídia sente o golpe e reage com a semiótica Nem-Nem

 


Há uma perigosa ambiguidade no “nós contra eles” representado pelo personagem “Hugo Nem Se Importa” e todos os vídeos em Inteligência artificial nas redes que reagem contra o Congresso que derrubou o decreto do IOF: lembram o personagem “Deputado Justo Veríssimo” (“Eu quero que o pobre se exploda”, era o seu bordão), exibido em horário nobre na TV Globo no passado.  A esquerda utiliza o mesmo léxico moralista (mamatas, supersalários etc.) que acabou desembocado na dissonância cognitiva da antipolítica que pariu o bolsonarismo. Até aqui, tudo bem: era necessário a esquerda jogar no mesmo campo simbólico da extrema-direita alt-right. Tomar as redes. A sensibilidade semiótica da grande mídia sentiu o golpe. Afinal, deu de mão beijada uma bandeira para o governo Lula nas cordas. E reagiu com um ardil: a operação semiótica “Nem-Nem” para atender aos clamores da Faria Lima: despolarização, Terceira Via e Capitalismo de Choque. Por isso é necessário ir além dos engajamentos, comentários, curtidas, repostagens, visualizações e comemorar os números das reações positivas do Real Time Big Data. A esquerda precisa converter esse conjunto lexical em acontecimento comunicacional.

Por que o maior golpe da história do sistema financeiro brasileiro (o desvio milionário por uma série de transferências PIX em massa de contas vinculadas ao Banco Central) NÃO foi tão repercutido pela grande mídia do que os sete minutos gastos pelo Jornal Nacional em defesa do Congresso Nacional contra os ataques na Internet do “Hugo Nem Se Importa”?

Enquanto aquilo que foi denominado como “ataque Hacker” (termo que já virou uma “retranca” em Jornalismo, termo genérico para explicar qualquer anomalia cibernética) foi coberto pela mídia de forma anódina, objetiva, a campanha contra o Congresso após a derrubada do aumento do IOF fez o jornalismo mobilizar políticos e os indefectíveis especialistas em longas entrevistas nos canais fechados de notícias.

Essa diferença de tratamento midiático entre uma notícia que colocou em xeque a credibilidade de uma das mais celebradas criações do BC de Campos Neto (o PIX, que foi tratado pela grande mídia quase como o grande avanço da civilização ocidental...) e outra que envolve o cotidiano da guerra pré-eleitoral entre poderes pode representar das duas, uma:

a) a grande mídia e a Faria Lima sentiram o golpe da “cochilada” de o Centrão ter dado de bandeja uma bandeira para o governo que não tinha nenhuma às vésperas de um ano eleitoral – a bandeira da “Justiça Tributária”. Ou...

b) os sete minutos de defesa do Congresso Nacional pelo JN da Globo contra os “ataques polarizados” na Internet foi a criação do modelo narrativo para o restante do jornalismo corporativo seguir: a estratégia semiótica da crítica “Nem-Nem”, ou “Ninismo” como dizia o semiólogo francês Roland Barthes. Para atender à maior preocupação da Faria Lima: a despolarização política através da esperada “Terceira Via” que materializaria o grande sonho da Banca, o Capitalismo de Choque.



Partimos do pressuposto que a revolução jamais será televisionada. Eventos ou notícias que, de fato, sejam anômicos ou perigosamente fatais ao sistema são ou ocultados ou relatados dentro da conhecida e oportuna objetividade jornalística anódina. Como o caso da cobertura do já considerado maior golpe do sistema financeiro – ocultado pelo clichê “ataque hacker” para passar longe das causas estruturais oriundas da desregulamentação das atividades das Fintechs.

Ainda mais o destaque dado pelo JN convocando um pelotão de choque composto pelos ex-presidentes do BC Armínio Fraga e Roberto Campos Neto defendendo o Congresso e defendendo as regalias da elite financeira – quando deveriam estar dando explicações sobre a outra crise, as conexões entre os desvios bilionários no PIX e a ação desregulamentada das Fintechs.

De um lado é inegável que a esquerda encontrou o tom certo defendido por esse humilde blogueiro: lutar no mesmo campo simbólico da extrema-direita, apenas invertendo o sinal.

O que a série de vídeos em inteligência artificial proporcionam é fazer os “neoliberais” do Centrão e Extrema-Direita sentirem o gosto do próprio veneno retórico: assim como eles, a esquerda está usando o mesmo léxico moralista da denúncia da corrupção, das mamatas, dos supersalários e dos conchavos feitos em jantares em petit comité.

Nada mais do que a mesma retórica usada para justificar o saco de maldades neoliberais – que o governo deveria fazer a “lição de casa” e cortar da “própria carne”. Mas, o Governo é populista, corrupto, gastão...

Apenas que agora este discurso é voltado contra eles mesmos.

Certamente a grande mídia, mais esperta quanto às sensibilidades semióticas, percebeu que foi longe demais. Desde a animosidade do Congresso e dos especialistas da grande mídia contra a proposta da isenção do imposto de renda para quem ganha até cinco salários-mínimos (anunciada por Haddad em rede nacional) demorou até muito para a esquerda perceber que tinha a bandeira da justiça tributária nas mãos, dada de mão beijada.



Mas a reação do eixo STF/Grande Mídia/Faria Lima foi rápida, alertada pela inteligência semiótica do jornalismo corporativo:

1- De repente o STF investiu a si próprio como Poder Moderador da Nação (emulando o Poder Moderador, prerrogativa de D. Pedro II sobre os outros poderes criado pela Constituição de 1824): Alexandre de Moraes suspendeu os efeitos de decretos da Presidência da República e do Congresso Nacional que tratam do Imposto sobre o IOF. E determinou a realização de uma “audiência de conciliação entre o governo federal e o Congresso Nacional” sobre o tema.Claro, tudo em nome do fim do “indesejável debate” que afeta o “bem comum”, diz o documento da decisão.

2- Depois que o JN deu o modelo narrativo (a polarização política irracional que afeta a racionalidade econômica), os canais fechados de notícias convocaram a cavalaria: P. ex., o “colonista” Gerson Camarotti (com os seus indefectíveis olhos esbugalhados nesses momentos) definiu os vídeos que atacavam o Congresso como produtos da “milícia digital do PT” – sim! Assim como a extrema-direita, o PT também teria um gabinete do ódio equivalente.

3- As capas dos jornais Folha e o Globo desse domingo deram mais uma contribuição à construção semiótica “Nem-Nem”. A Folha faz a chamada de primeira página de uma entrevista com, nada mais, nada menos, que Roberto Campos Neto com a seguinte manchete: “o discurso do nós contra eles é ruim para todo mundo e não faz o país crescer”. E O Globo observa em texto de chamada de primeira página sobre uma reportagem especial que Lula perde votos no celeiro eleitoral petista da Bahia. Mas alerta: “apesar do desalento com Lula, não pretendem votar em Bolsonaro” – os baianos estariam “cansados da polarização”.

4- Respondendo rápido ao canto da sereia, Armínio Fraga sai do ostracismo e reaparece na mídia tocando o terror: “se não cortamos da própria carne agora, lamentaremos no futuro”, amaldiçoa!

O fato é que as pesquisas tracking internas (não registradas no TSE), usadas por bancos e partidos, estão indicando a melhora da percepção da opinião pública em relação ao Governo Lula: parece que apenas uma semana de campanha “ricos contra pobres” está funcionando. E a oposição teria dado um presente para o governo.

Daí que a resposta a esse efeito colateral inesperado do tradicional discurso do “Governo-não-faz-a-lição-de-casa” foi a de uma rápida mudança narrativa: do aumento do IOF como pecado de um governo esbanjador para a narrativa de economia que não suportaria mais a irracionalidade de extremismos, gabinetes do ódio do bolsonarismo e milícias digitais de esquerda.



Nem-Nem, despolarização e Terceira Via

Mais uma vez a grande mídia apela para o “Ninismo”. A estratégia semiótica “the last minute rescue”, isto é, a salvação no último momento. Como o mocinho salvando a mocinha amarrada nos trilhos no último segundo antes do trem passar nos filmes mudos “slapstick”.

Quando Lula foi solto dos cárceres da PF de Curitiba, em 2019, no quadro de humor “Isso a Globo Não Mostra”, do Fantástico, a atriz Lilia Cabral mostrava imagens de arquivo de Bolsonaro e Lula atacando a Globo, exibindo no mesmo segmento o personagem de Marcelo Adnet “militante revoltado”, um histérico e estereotipado esquerdista sempre acusando a emissora de manipuladora.

Naquele ano, Lula livre foi colocado na equivalência Nem-Nem para ser neutralizado, enquanto se procurava uma “terceira via” para 2022 – a especulação daquele momento era o apresentador Luciano Huck.

E agora, depois de entregar de graça uma bandeira para 2026 para um governo que não conseguia criar uma marca, o jornalismo corporativo mais uma vez recorre ao “last minute rescue”: a operação semiótica Nem-Nem – agora, a especulação em torno da “terceira via” gira em torno do nome de Tarcísio de Freitas. Bolsonarista o suficiente para também polarizar, mas (e para a Faria Lima é uma virtude) sem pruridos morais para impor uma agenda de capitalismo de choque. Como Milei na Argentina.

E, de mais a mais, uma boa maquiagem semiótica oculta para o distinto público as origens militares e bolsonaristas, convertendo-o em “Tarcisão, o Moderado”.

Para Roland Barthes, a crítica nem-nem decorre de um mecanismo de dupla exclusão – reduz a realidade histórica a uma polaridade simples, quantifica o qualitativo em uma dualidade e equilibra um com o outro, de modo a rejeitar os dois. 

É a Justiça como uma operação de pesagem. E a balança só pode confrontar o mesmo com o mesmo. De uma maneira mágica, foge-se da realidade histórica, reduzindo-a a dois contrários para depois serem pesados e rejeitados.

A retórica do “nem-nem” exclui os contrários para tentar mostrar que ambos são iguais e simétricos em um suposto extremismo (hoje chamado “polarização”), e que a única solução é o “bom senso” – mito burguês no qual se baseia a forma moderna de liberalismo. A Justiça como uma operação de pesagem - Leia BARTHES, Roland. Mitologias, R. de Janeiro: Difel, 1980.



O Léxico Moralista

Atuar no mesmo campo simbólico da extrema-direita tem os seus riscos e a esquerda deve estar atenta.  Não pensar nesse tipo de estratégia semiótica como um fim em si mesmo. Isto é, deve ser pensada como apenas uma primeira fase, para depois a estratégia de comunicação elevar-se para outro nível.

Isso porque agir no mesmo campo simbólico do oponente significa compartilhar do mesmo léxico – o mesmo conjunto de palavras, expressões, estereótipos etc.

Por exemplo, o impagável personagem “Hugo Nem Se Importa” parece claramente uma versão em Inteligência Artificial pós-moderna do clássico deputado “Justo Veríssimo”, criado e performado pelo comediante Chico Anysio, na TV Globo. Cujo agenda política era “EU QUERO É QUE O POBRE SE EXPLODA!”.

O léxico da crítica moralizante acabou desembocando na antipolítica e na extrema-direita alt-right contra o “sistema” e tudo o que “está aí”. E Bolsonaro a sua melhor representante.

Ótimo! Ganhou espaço nas redes, na percepção pública e pauta midiática. Mas se a esquerda permanecer emulando o moralismo antipolítica poderá cair fácil no ardil Nem-Nem que o jornalismo corporativo agora tenta monopolizar na agenda política para 2026.

Apenas moralizar a luta de classes (reduzir a exploração a um efeito de má formação do caráter ao invés de uma estrutura econômica perversa que deve ser mudada) é apenas um meio caminho andado.

É necessário substituir a adjetivação pela substantivação da luta de classes – a Justiça fiscal só será possível com a justiça na produção de valor e distribuição da riqueza para além dos limites do capitalismo futuro imaginado pela Faria Lima: o Capitalismo de Choque, a forma atual do Capitalismo Periférico.

E, se estamos falando em léxico, a ação política não pode se limitar a apenas engajamentos, comentários, curtidas, repostagens, visualizações e comemorar os números das reações positivas do Real Time Big Data.

Esse conjunto lexical precisa se converter em acontecimento comunicacional: pressão das ruas, exortações presidenciais ao vivo em rede nacional e, principalmente, a disposição de ir para além das audiências de conciliação – topar o enfrentamento.

 

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