domingo, janeiro 18, 2015

O gênio do Chefe Shang inspira dedo-durismo da grande mídia

Há quase 3 mil anos na China, Chefe Shang, dirigente na totalitária Disnastia Ch’in, criou a ardilosa tática de estímulo ao dedo-durismo generalizado entre agricultores: preocupados em vigiar seus vizinhos, esqueciam-se que estavam sob um regime de terror e autoritarismo. Desde então, o dedo-durismo passou a ser a prática recorrente nos regimes totalitários. Pois o gênio do Chefe Shang continua vivo – sob o pretexto de “exercício da cidadania” durante a chamada “crise hídrica” em São Paulo, a grande mídia vem estimulando pessoas a enviar vídeos e fotos de vizinhos que supostamente desperdiçam água. Mais uma vez a grande mídia pisa no pântano do proto-fascismo: uma suposta cruzada cívica que pode se transformar em vingança e violência por motivos oportunistas como racistas, sexistas ou político-ideológicos. Com isso, São Paulo dá mais um passo para o seu futuro distópico – uma cidade transformada em um deserto igual ao filme "Mad Max" com milícias de “fiscais da Sabesp” executando aqueles que escondem não mais gasolina, mas agora água.

Desde a explosão do nazi-fascismo no período entre guerras no século XX, a sociologia tenta entender como é possível a ascensão de regimes ou atmosferas totalitárias em países formalmente democráticos. Mais do que um sistema totalitário centralizado nos moldes de 1984 de George Orwell, o que chama a atenção é o fenômeno do totalitarismo descentralizado e difuso, com o apoio de quase toda a população.

Sociólogos como o norte-americano Barrington Moore Jr. (1903-2005) apontam para similaridades entre o totalitarismo moderno e das sociedades pré-industriais. Práticas totalitárias modernas que se repetem ao longo da História, desde a antiguidade – veja “Totalitarian Elements in Pre-industrial Societies”, In: Political Power and Social Theory, Havard University Press, 1958.


Uma semente desse totalitarismo popular tentou germinar na democracia ateniense sob a forma de anti-intelectualismo -  sentimentos religiosos enraizados eram uma fonte de ressentimento e ódio contra os intelectuais. Mas felizmente para os gregos esse sentimento careceu de tradução política, tornando-se totalmente ineficaz.

Bem diferente disso, há quase 3 mil anos a dinastia Ch’in (221-209 A.C.), de onde vem o nome China, construiu não só um estado poderoso baseado no terror e tirania mas também uma forma de totalitarismo popular baseado nas suspeitas e antagonismo individuais. E criou uma tradução política e um modo de produção baseado no medo e desconfiança.

Dinastia Ch'in: modo de produção baseado no
medo e antagonismos
           Por exemplo, diz-se que um tal de Chefe Shang organizou famílias de agricultores em lotes vizinhos laterais para permitir controle e vigilância mútuos. O Estado centralizado estimulava que cada um aplicasse castigos uns aos outros, além de denunciar os supostos crimes dos vizinhos. Com isso, os dirigentes responsáveis pelo recolhimento de produtos e tributos tiravam proveito dos antagonismos e desconfianças entre os vizinhos.

A estratégia diversionista do dedo-durismo


Perfeita tática diversionista: o Estado totalitário e os pesados tributos eram esquecidos pelas intrigas, ressentimentos e vinganças estimuladas por uma espécie de dedo-durismo oficial generalizado.

Séculos depois, Maquiavel descreveria essa estratégia do Chefe Shang como “dividir para reinar”- provocar a divisão entre seus potenciais opositores para estabelecer um poder baseado no diversionismo.

Pois em plena chamada “crise hídrica” (expressão marota que dá uma conotação natural a um efeito da incompetência gerencial da Sabesp), eis que a grande mídia, a pretexto de estimular “o exercício da cidadania”, coloca em ação a milenar estratégia do Chefe Shang: incentivar a delação entre vizinhos para que qualquer um tenha orgulho de cumprir o dever em denunciar os “gastões” de água. 
Maquiavel: "dividir para reinar"

Telejornais apresentam vídeos feitos com telefones celulares dos telespectadores mostrando vizinhos lavando calçadas, carros ou simplesmente regando o jardim.

Com o requinte retórico típico das matérias explosivas sobre denúncias da Operação Lava Jato, delatores são colocados em contra-luz com a voz alterada para nãos serem identificados enquanto relatam em detalhes os delitos dos vizinhos gastões.

Enquanto isso, o Portal Terra incentiva internautas a enviarem fotos com casos de desperdício de água por meio da página chamada “VC Repórter”.

O gênio do Chefe Shang


Eufórica com esse auxílio luxuoso de última hora da grande mídia, dentro da sua costumeira tática de fugir dos temas desconfortáveis desviando a atenção para questões periféricas, a Sabesp acabou criando no ano passado um registro específico de denúncias desse tipo. A companhia declarou que o número de denúncias tende a aumentar, podendo ultrapassar a marca de 3 mil por mês.

Para o sociólogo Barrington Moore Jr em seu clássico estudo, esse estímulo ao dedo-durismo é um elemento recorrente nos regimes totalitários. Se lá na época da dinastia Ch’in aproveitava-se da dissolução das formas comunitárias primitivas agrícolas pela introdução de formas de propriedade individual da terra (beneficiando-se dos frutos dos antagonismos entre vizinhos), aqui no Estado de São Paulo do século XXI a grande mídia tem uma atmosfera fértil para estimular a tática do Chefe Shang – individualismo, competitividade, medo e desconfiança nas grandes metrópoles.

Também, da mesma forma que lá há quase 3 mil anos a tática do Chefe Shang desviava a atenção das pessoas da realidade de que viviam sob um regime que era sinônimo de terror e tirania, da mesma forma na atualidade a mesma tática desvia a raiva e frustração pelas torneiras vazias para os vizinhos, deixando de fora a incômoda verdade para a grande mídia: a “crise hídrica” é o resultado menos das mazelas climáticas e muito mais na obsessão pelos dividendos dos acionistas de uma companhia que esqueceu da sua função elementar – captar e distribuir água.

Regimes totalitários e demagogos tem no imaginário do dedo-durismo um campo fértil, pois está muito próximo do “fazer-justiça-com-as-próprias-mãos”.

Os “fiscais do Sarney”


Os leitores mais velhos certamente se lembrarão da curta onda dos “fiscais do Sarney”. Era 1986 e o então presidente José Sarney lançou o Plano Cruzado para combater a inflação com congelamento de preços, salários e reforma monetária (o cruzeiro fora substituído pelo cruzado). Com a dificuldade em fiscalizar a obediência ao congelamento, Sarney convocou a população para denunciar comerciantes e empresários que remarcassem preços.

Exibindo botons e vestindo camisetas “eu sou fiscal do Sarney”, formaram-se verdadeiras milícias que agrediam e amarravam gerentes de supermercados acusados de remarcação de preços. Exercício de cidadania se confundiu com dedo-durismo, a tática mais óbvia e milenar quando um governo ou autoridade quer se eximir de qualquer responsabilidade pública.

Tudo está mal? Então dê ao populacho a liberdade de escolher a sua própria válvula de escape!

A distopia proto-fascista


A tática do Chefe Shang é mais uma ferramenta da estratégia geral do Diversionismo. Desviar a atenção da opinião pública requer explorar o lado mais escuro do nosso psiquismo: medos, ressentimentos, sadismo etc.

Crise de segurança pública? Estimule linchamentos e a sensação de “justiça-com-as-próprias-mãos”.

Debate político? Estimule o discurso moralista da corrupção para que o ressentimento coletivo seja descarregado em bodes expiatórios.

 Crise de algum serviço de utilidade pública? Estimule o dedo-durismo para que o mal estar coletivo escolha uma vítima, deixando de fora a responsabilidade de governos e autoridades.

O problema é que essa válvula de escape tem tudo para ajudar a criar uma atmosfera social e política anômica e distópica, ao melhor estilo de filmes pós-apocalipse como Mad Max.




Observando as expressões que internautas usam em fóruns para nomear os vizinhos supostamente gastões (“vaca filha da puta”, “denunciar essa vagabunda” etc. – veja foto acima), dá para perceber que ao estimular o dedo-durismo generalizado a grande mídia pisa no perigoso pântano do proto-fascismo – a suposta cruzada cívica pode se transformar em vingança e violência por outros motivos oportunistas como racistas, sexistas, político-ideológicos etc.

Já dá até para imaginar um cenário cinematograficamente distópico com uma cidade como São Paulo transformada em deserto inóspito com as ruas dominadas por milícias de justiceiros (fiscais da Sabesp?) que executam aqueles que escondem o precioso líquido. No filme Mad Max era gasolina. Agora, será a água.


               Para a grande mídia isso tudo pouco importa. Quanto pior, melhor. Ela sempre explorou o medo, a desconfiança, antagonismos e ressentimentos. Por que? Porque pessoas dominadas por esses sentimentos regressivos são amedrontadas. Pessoas amedrontadas não saem de casa, principalmente no Estado de São Paulo transformado num deserto igual do filme Mad Max. E ficarão isoladas no interior de suas casas. Assistindo televisão.


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