quarta-feira, janeiro 21, 2015

O estranho clássico cult "The Cars That Ate Paris"

Estranhos carros tunados que correm o Outback australiano provocando acidentes cujas vítimas serão ou assassinadas, ou incorporadas à comunidade de um lugarejo chamado Paris ou se transformarão em cobaias de um estranho experimento psiquiátrico. O clássico cult “The Cars That Ate Paris” (1974), dirigido por Peter Weir (“Show de Truman”, “Sociedade dos Poetas Mortos”) em início de carreira, é um filme estranho e enigmático e que por décadas se mostrou impossível de ser rotulado em um gênero. Apesar da sua estranheza,  a produção acabou influenciando diversos filmes por gerações como “Mad Max”, “Veludo Azul”, “Chumbo Grosso” ou “Velozes e Furiosos”. Como mais tarde faria em “Show de Truman”, em “The Cars” Peter Weir quer encontrar o bizarro e o anormal por baixo da aparente rotina de um lugarejo com doces vovós em cadeiras de balanço e fiéis que não perdem uma missa aos domingos. Mas todos escondem um terrível segredo.

Um filme estranho? Com certeza. Gnóstico? Talvez, ainda mais sabendo que o diretor australiano Peter Weir tem um especial interesse pelas teorias sobre os mitos e sonhos e nos seus filmes sempre demonstra estar atento ao tema de como o senso comum sobre a realidade pode ser frágil e como podemos encontrar o extraordinário dentro da vida ordinária. Seu filme Show de Truman foi a consolidação desses temas que sempre estiveram na cabeça do diretor.

The Cars That Ate Paris (1974, “Os Carros que Comeram Paris”) é um estranho filme do início da carreira de Peter Weir, ainda no cenário cinematográfico australiano.  Uma das primeiras características de um “filme estranho” – sobre esse conceito fílmico clique aqui – é a dificuldade em rotulá-lo em um gênero: nos anos 1970, o filme teve uma difícil comercialização, porque era impossível categorizá-lo: humor negro? Comédia dramática? Ficção Científica? Terror? Na era do VHS nos anos 1980, as locadoras colocavam o filme nas prateleira de “terror”.

         Mas não era nada disso, além do título ser duplamente enganador: nenhum carro come ninguém, não há carros que ganham vida própria e viram monstros como em Cristine, o Carro Assassino (1983). E também nada se passa em Paris. Na verdade, Paris é uma pequena e misteriosa cidade no Outback australiano.

Com o recente lançamento em DVD pela Criterion Collection, o filme de Weir foi reclassificado como um clássico cult. Isso deu uma nova vida comercial a um filme praticamente esquecido pelos cinéfilos.

O fato é que The Cars That Ate Paris criou uma imagerie que secretamente influenciou muitos filmes até hoje: Mad Max (as cenas de carros tunados no deserto australiano são até hoje emblemáticas, um mix de western spaghetti de Sérgio Leone com sci fi), Christine (a imagem assustadora dos carros como tivessem bocas abertas), Dead Race 2000 (corridas de carros mortais), Velozes e Furiosos (The Cars faz um curioso mix entre os espírito das gangs do filme Laranja Mecânica com os rachas de automóveis).

O Filme


Austrália, meados nos anos 70. O país está em meio a uma crise econômica com desemprego elevado e nenhum sinal de que as coisas melhorarão.

       Arthur e seu irmão George viajam em estradas vicinais em seu automóvel, pulando de cidade em cidade em busca de trabalho. Uma noite, decidem seguir em direção a uma cidadezinha chamada Paris. Próximo à cidade, uma forte luz acompanhada de um som ensurdecedor provocam um sério acidente com o carro: George morre no e Arthur é levado para o hospital de Paris , com vagas lembranças do que ocorreu.

Mais tarde, Arthur decide ir embora da cidade, mas o psiquiatra e o prefeito o convencem que ele não está bem mentalmente pela fobia com carros e a culpa pela morte do irmão. Arthur não consegue entrar em um carro de novo para sair de Paris. 

Aos poucos o espectador vai percebendo que Paris é uma cidade muito peculiar: o hospital vive estranhamente cheio de vítimas de acidentes automobilísticos.

Muitos deles não são vistos novamente e outros sofre um “trauma cerebral irrecuperável” e se tornam como zumbis. O psiquiatra emprega métodos poucos convencionais de tratametos. E os jovens da cidade são violentos e indisciplinados, rondando as ruas com carros bizarramente modificados.

Apesar dos habitantes parecerem honestos, hospitaleiros e religiosos, eles escondem um estranho segredo. Todos os acidente de carro no entorno de Paris são provocados para que os moradores saqueiem os destroços: numa cidade imersa na crise econômica e desemprego, os itens saqueados se transformam em moeda de troca em uma economia local que vive a base do escambo. Os sobreviventes são assassinados, transformam-se em cobaias das experiências em lobotomia do psiquiatra ou são absorvidos pela comunidade.

Como farão com Arthur, promovido pelo prefeito a  “fiscal de trânsito” da pequena cidade.

The Cars That Ate Paris e Show de Truman


Além de The Cars That Ate Paris ter influenciado uma série de filme como os citados acima, pode-se perceber claramente alguns ideias seminais que mais tarde Peter Weir, ao lado do roteirista Andrew Niccol, expandiriam no filme Show de Truman (The Truman Show, 1998).

Primeiro, a falsa normalidade cotidiana de uma pequena cidade. As casas, objetos de decoração e os personagens são visivelmente estereotipados na sua aparente honestidade e respeitabilidade. Parece que Peter Weir, no melhor estilo de David Lynch no filme Veludo Azul (Blue Velvet, 1986), quer encontrar o bizarro e o realismo fantástico no meio da rotina de um lugarejo perdido no interior da Austrália.

A cena mais marcante é onde vemos uma aparentemente doce e religiosa vovó balançando-se numa cadeira na varanda enquanto limpa as calotas de um carro saqueado onde seu ocupantes foram assassinados.

Para reforçar a existência do estranho por trás da normalidade cotidiana, a primeira sequência que abre o filme causa estranheza ao espectador: parece um filme publicitário de alguma marca australiana de cigarro ou da Coca-Cola: um casal com um look publicitário guiam um conversível em uma linda estradinha, enquanto fumam e tomam o refrigerante. Inexplicavelmente, uma das rodas simplesmente se desprende do carro, fazendo-os se precipitarem num abismo. É uma cartão de visitas de Peter Weir: o diretor vai na próxima hora e meia explorar o estranho que existe por trás da normalidade da vida.

Muito parecido com o argumento de Show de Truman: um protagonista que aos poucos desperta para uma estranha realidade por trás do cotidiano da pequena Seaheaven – há algo de artificial e corrupto por trás de tudo: um gigantesco reality show. Assim como na Paris do protagonista Arthur: há um esquema corrupto e mortal por baixo da rotina aparentemente comum do lugarejo.

Culpa e fobia


E segundo, a fobia e culpa que prendem Arthur na cidade de Paris, tornando-se resignado e conformado a um cargo dado pelo prefeito. Assim como em Show de Truman onde a produção do reality show consegue inserir na mente de Truman uma fobia pelo mar pelo sentimento de culpa de suposta ser o responsável pela morte do pai em um naufrágio, da mesma maneira em The Cars o psiquiatra e o prefeito de Paris conseguem convencer Arthur da sua suposta fobia e culpa.

A diferença é que em The Cars, Arthur é extremamente resignado e orgulhoso pelo cargo dado a ele com direito a uniforme e insígnia - ao contrário de Truman que se rebela contra o reality show. Por isso, o filme é bem pessimista em relação a alguma luz humana interior que conduza à consciência e revolta.

A sua conversão em um clássico cult pela Criteriom Collection é justa, pois The Cars That Ate Paris reúne os dois principais quesitos para uma autêntico filme cultuado: é uma relíquia de um lugar distante no tempo e que tem muito a dizer sobre o seu lugar e sua época; e também é um filme repleto de temas, sequências e imagerie que continuam influenciando filmes atuais.


Ficha Técnica


Título: The Cars That Ate Paris
Diretor: Peter Weir
Roteiro: Peter Weir
Elenco: Terry Camilleri, John Meilon, Kevin Miles,
Produção: Australian Film Development Corporation
Distribuição: Criterion Collection (DVD)
Ano: 1974
País: Austrália




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