sábado, janeiro 31, 2015
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Assistir ao episódio “Esquadrão do Sabonete” da série de TV brasileira
“Mundo da Lua” apresentado em 1991 é a oportunidade de ter uma desconcertante experiência de "dèjá
vu": teria lá no passado o protagonista Lucas previsto a atual crise da água? O
episódio reserva estranhas conexões entre passado e futuro – coincidências ou
sincronicidades? Essas possíveis conexões trazem a discussão sobre as
fronteiras entre ficção e realidade tal como propostas por escritores como Charles Bukowski e Philip K. Dick: para o primeiro, a realidade consegue
superar a ficção em bizarrice, por isso a literatura deve ser mais estranha que
o real; para o segundo, a realidade é o futuro como profecia auto-realizável. É
a hipótese sincromística: haveria um subtexto com linhas sincrônicas que dariam
um sentido (natural ou conspiratório) a uma realidade aparentemente caótica? Pauta sugerida pelo nosso leitor Carlos Vinícius.
Certa vez o escritor underground e maldito
Charles Bukowski (1920-1994) foi questionado sobre o porquê do seu estilo bizarro e
exagerado de escrever, para começar os títulos que costumava a dar aos seus
contos (“A Máquina de Foder”, “Kid Foguete no Matadouro, “Doze Macacos Alados
não conseguem trepar sossegados” etc.): “em um mundo onde notícias e
acontecimentos são tão estranhos, somente uma ficção literária bizarra pode
tentar superar a realidade”.
Essa estranha percepção de Bukowsky sobre o limiar entre a ficção
e a realidade vai de encontro a atual hipótese do Sincromisticismo: a
onipresença do contínuo midiático e a forma como os meios de comunicação
exploram verdadeiras egrégoras de formas-pensamento e arquétipos, torna os
limites entre ficção e realidade cada vez mais tênues e confusos – a vida imita
a ficção ou vice-e-versa?
Um estranho emaranhado
quântico, porque nunca saberemos se o observador altera a realidade que observa
ou a realidade é que altera o olhar do observador, resultando de volta
alterações na própria realidade.
Um exemplo disso é a suspeita conexão sincromística entre um
episódio da série de TV Mundo da Lua
e a atual crise da água.
A família Silva e Silva
Poderia Lucas Silva e Silva, personagem da série de sucesso Mundo da Lua exibida pela TV Cultura de
São Paulo entre 1991 e 1992, ter previsto a atual crise da água?
Se o leitor assistir aos quase 12 minutos do episódio “Esquadrão do Sabonete”,
certamente terá uma estranha sensação de dèjá
vu - veja abaixo o vídeo.
Para quem não conhece a série, apresenta o menino Lucas Silva e
Silva que ganha um gravador aos 10 anos. Em meio aos típicos problemas da
passagem da infância para a adolescência, cria no gravador histórias de como
ele queria que as coisas acontecessem. Vive na casa do avô com os pais (Rogério
e Carolina) que se desdobram em trabalhar em diversos empregos.
Nesse segundo episódio da série acompanhamos a luta da família
para obrigar Lucas a tomar banho. Para isso, os familiares criam o “esquadrão
do sabonete” com o intuito de encontra-lo e arrastá-lo para o banho. Após a
perseguição, Lucas tranca-se no banheiro, começa a sonhar acordado e relata
pelo microfone do gravador como seria a história de um Brasil sem água.
Sincronismos
Em vários momentos do episódio, o sincronismo com a atualidade é
desconcertante: imagens da TV de um telejornal descreve a falta de chuvas e
imagens de pessoas carregando baldes: “a ausência de chuvas traz problemas à
população... e o principal é a falta d’água nas torneiras. Isso porque os
reservatórios das cidades são alimentados pelas chuvas que caem...”.
Esse é o mantra que atualmente os telejornais repetem para
esconder a reponsabilidade dos agentes públicos pela falta de planejamento e
investimento, colocando a culpa em uma suposta catástrofe ambiental.
A certa altura no episódio, o presidente anuncia em cadeia
nacional pela TV, curto e grosso, de que o abastecimento de água entrou em
colapso e a partir daquele momento todos os banhos estão proibidos.
Essa é a única diferença em relação a atualidade, onde Sabesp e o
governador Alckmin brincam de esconde-esconde com a opinião pública, não
assumindo o racionamento por meio de eufemismos como “redução de pressão da
água”.
A canequinha
- Estou com
coceira mamãe!
- Claro, estamos
há quatro dias sem tomar banho...
- Pelo amor de
Deus, não dá pra tomar um banhozinho só, nem que seja de canequinha?
Pois foi isso que Paulo Yoshimoto, um dos diretores da Sabesp,
sugeriu: falou em “distribuir água de canequinha” e disse que é possível que
haja um racionamento de cinco dias por semana, caso não chova de forma
satisfatória.
E no final do episódio, a mesma atmosfera de paranoia com os
possíveis ladrões de água invadindo a casa da família Silva. Esse é o mesmo
clima midiático proto-fascista que a grande mídia vem promovendo nesse momento
ao incentivar as pessoas a enviarem fotografias e denúncias daquele que estejam
supostamente desperdiçando água – sobre isso clique
aqui.
Sucateamento da água e da cultura
Porém, a mais irônica das sincronias é que a série Mundo da Lua foi produzida por uma
emissora estatal (a TV Cultura) que aos longo das décadas foi sistematicamente
sucateada, assim como a Sabesp e todo o sistema de captação e distribuição de
água.
Nunca mais a TV Cultura foi capaz de produzir séries premiadas e
elogiadas como Mundo da Lua ou Castelo Ra-Tim-Bum, assim como a Sabesp
não conseguirá mais distribuir o produto que é o motivo da sua existência. Cultura
e água, crises metodicamente sincronizadas.
Sereias da Cantareira, Mad Max e ECO-92
Acima clipe do "Sereias da Cantareira". Abaixo, filme "Mad Max"
Um ano depois da apresentação desse episódio, ocorria a ECO-92 no
Rio de Janeiro, conferência sobre o meio ambiente com representantes de 108
países. Produziram um documento chamado Agenda 21 onde apontavam à necessidade
de combate ao efeito estufa, mudanças climáticas e, para enfrentar tudo isso, a gestão
eco-sustentável dos recursos hídricos.
A ECO-92 era o segundo grande evento sobre meio ambiente, dez anos
depois da Conferência de Estocolmo. Paralelo a esses encontros, crescia número
de lançamento de filmes ficcionais sobre futuros distópicos, representando
cinematicamente os mesmos cenários futuros discutidos nesses eventos.
No carnaval desse ano de São Paulo o bloco “Sereias da Cantareira”
criou uma marchinha e um videoclipe para a canção. Não há como não lembrar pela
imagerie do clipe as icônicas imagens dos filmes Mad Max (1979 e 1985), filme produzido nesse crescendo de filmes distópicos
ambientais entre 1972-1992.
E numa sincromística coincidência, no período em que mais se
agrava a tragédia hídrica de São Paulo, no circuito de cinemas estreia filmes
como Interestellar,
cujo cenário é de uma catástrofe climática onde tempestades de areia arrasam a
agricultura obrigando a humanidade buscar um outro planeta para sobreviver à
extinção; e o filme bíblico Êxodo:
Deuses e Reis ambientado em paisagens desérticas e sugerindo que as
pragas do Egito na verdade foram catástrofes ecológicas.
Philip K. Dick e a profecia auto-realizável
Essa discussão sobre os sincronismos entre ficção e realidade
lembra o conto Paycheck
do escritor gnóstico Philip K. Dick (1928-1982): o protagonista descobre uma máquina de
“prever o futuro” bem especial: o futuro previsto não acontece porque está lá,
mas porque a divulgação da profecia faz ela própria acontecer – a chamada
“profecia auto-realizável”- prevê-se a guerra, o países se reúnem para evita-la,
o que produz desentendimentos que provocarão a própria guerra; prevê-se uma epidemia,
os países tentam isolar os primeiros doentes o que só produz mais mutações e
efeitos epidêmicos ainda maiores.
Da mesma forma, poderíamos afirmar que houve uma conexão entre o “massacre do Colorado”
em 2012 com um capítulo da HQ de 1988 “Cavaleiro das Trevas” de Frank Miller?
(sobre isso, clique
aqui) Ou então entre a série de filmes sobre a destruição de Nova York
e o atentado de 2001 ao WTC? (sobre isso, clique
aqui) Ou ainda uma conexão entre o filme O Clube da Luta e o “maníaco
do shopping” em São Paulo? – também sobre isso clique
aqui.
Temos portanto a hipótese sincromística: a ficção estaria baseada
em matrizes (formas-pensamento, arquétipos) produzidos pela realidade que,
transformados em produtos culturais (filmes, séries, conferências etc.) só
acelerariam a sua replicação na própria realidade? Apesar da aparente desordem
e caos, existiria uma textura secreta de linhas de sincronismos que unificaria
todos os eventos aparentemente fragmentados?
Seriam esses sincronismos “naturais” ou produzidos por alguma deliberada
conspiração? Escritores como Charles Bukowski e Philip K. Dick escolheriam a
segunda opção.
Cinegnose participa do programa Poros da Comunicação na FAPCOM
Este humilde blogueiro participou da edição de número seis do programa “Poros da Comunicação” no canal do YouTube TV FAPCOM, cujo tema foi “Tecnologia e o Sagrado: um novo obscurantismo?
Esse humilde blogueiro participou da 9a. Fatecnologia na Faculdade de Tecnologia de São Caetano do Sul (SP) em 11/05 onde discutiu os seguintes temas: cinema gnóstico; Gnosticismo nas ciências e nos jogos digitais; As mito-narrativas gnósticas e as transformações da Jornada do Herói nas HQs e no Cinema; As semióticas das narrativas como ferramentas de produção de roteiros.
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Após cinco temporadas, a premiada série televisiva de dramas, crimes e thriller “Breaking Bad” (2008-2013) ingressou na lista de filmes d...
Domingo, 30 de Março
Bem Vindo
"Cinema Secreto: Cinegnose" é um Blog dedicado à divulgação e discussões sobre pesquisas e insights em torno das relações entre Gnosticismo, Sincromisticismo, Semiótica e Psicanálise com Cinema e cultura pop.
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No Oitavo Aniversário o Cinegnose atualiza lista com 101 filmes: CosmoGnósticos, PsicoGnósticos, TecnoGnósticos, AstroGnósticos e CronoGnósticos.
Esse humilde blogueiro participou do Hangout Gnóstico da Sociedade Gnóstica Internacional de Curitiba (PR) em 03/03 desse ano onde pude descrever a trajetória do blog "Cinema Secreto: Cinegnose" e a sua contribuição no campo da pesquisa das conexões entre Cinema e Gnosticismo.
Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
Neste trabalho analiso a produção cinematográfica norte-americana (1995 a 2005) onde é marcante a recorrência de elementos temáticos inspirados nas narrativas míticas do Gnosticismo.>>> Leia mais>>>
"O Caos Semiótico"
Composto por seis capítulos, o livro é estruturado em duas partes distintas: a primeira parte a “Psicanálise da Comunicação” e, a segunda, “Da Semiótica ao Pós-Moderno >>>>> Leia mais>>>