sexta-feira, janeiro 23, 2015

A Ponte Estaiada é uma bomba sincromística?

Foto: André Nunez

“Estilingão”, “X” da Xuxa”, “X” dos analfabetos foram alguns dos apelidos recebidos pela Ponte Estaiada Otávio Frias de Oliveira quando inaugurada em 2008 na cidade de São Paulo. Certamente sintomas da perplexidade de uma estrutura em “X” equivalente a um prédio de 46 andares de onde saem estais que sustentam pistas sobrepostas em curva. Para além da funcionalidade viária, a ponte nasceu para ser emblemática, midiática e símbolo global. Para atingir essas funções ideológicas do “Soft-capitalismo” (midiático-financeiro), tornou-se um evento sincromístico: além dos feixes de estais, ela representa um feixe de simbolismos herméticos, esotéricos e matemáticos como a espiral de Fibonacci e o Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci. Simbolismos que transformam a ponte numa celebração ritual de um Neo-Renascimento onde o mundo do mercado e dos negócios teria descoberto a beleza e simetria em meio ao caos. Seria a ponte uma bomba semiótica sincromística para diariamente fazer a apologia da Nova Ordem?

Inaugurada em 10 de maio de 2008, a Ponte Estaiada (como se convencionou chamar a ponte Otávio Frias de Oliveira) em São Paulo foi muito mais do que uma solução de engenharia com aplicação de técnicas inovadoras (pistas em curva que se sobrepõem presos por estais sustentados por um gigantesco mastro em “X”) para uma funcionalidade viária. 

Pela sua monumentalidade e imediata transformação em símbolo global, a ponte nasceu para ser ao mesmo tempo emblemática e midiática. Por emblemática quer dizer que a ponte é um objeto concreto representativo de ideias abstratas. E midiático porque não só transformou-se imediatamente em cartão postal e cenário de telejornais e filmes como Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness, 2008) como acrescenta-se a isso o fato de que a ponte foi construída em um entorno onde estão localizados várias empresas multinacionais da área de comunicação como Vivo, Claro, Rede Globo e a Walt Disney Company do Brasil.


Seu skyline e monumentalidade demonstraram uma intencionalidade de criar a Nova São Paulo, um simulacro de cidade global, como aponta o livro de Luciana Cotrim, Ponte Estaiada: A Construção de Sentido para São Paulo, Estação das Letras e Cores. 


Por isso, sua natureza emblemática, midiática e intencionalmente global transformaram a Ponte Estaiada num evento sincromístico.

A hipótese sincromística

Filme "Ensaio Sobre a Cegueira":
Ponte Estaiada já
nasceu midiática

Sincromisticismo é a hipótese proposta por pesquisadores como Alan Abdadessa (The Sync Book: Media and Mindscape) Christopher Knowles (Our Gods Wear Spandex), Jake Kotze e Loren Coleman (The Copycat Effect) que parte da noção teosófica de “forma-pensamento” e as noções junguianas de sincronicidade e arquétipo. O Sincromisticismo concebe as relações sociais como que imersas em um oceano de pensamentos que, por determinadas condições, sedimentam-se em egrégoras e arquétipos capazes de produzir “conexões significativas”.

Mais do que um feixe de estais que sustentam pistas que se cruzam sobrepostas, a Ponte Estaida é também um feixe de relações sincromísticas como veremos.

Sua infra-estrutura econômica está na sua proximidade com empresas do chamado soft-capitalismo: fundo de investimentos, bancos, serviços, telecomunicações e mídia.

Sua monumentalidade teve um primeiro propósito óbvio criticado por urbanistas e arquitetos na época: urbanisticamente seria inútil; seu único propósito seria a de dar uma nova visibilidade para a área, tornando-a a área mais empresarial e globalizada da cidade. Uma “espetaculosidade almejada pela prefeitura, que pretendia fazer da obra um chamariz para o mercado imobiliário”(FIX, Mariana. São Paulo, Cidade Global, 2009, p.41).

O modismo da ponte estaiada


Por que uma ponte estaiada? Por que o modismo de construções desse tipo de ponte como a Ponte Orestes Quércia na Marginal Tietê ou a Mário Covas na interligação Anchieta/Imigrantes na Baixada Santista?



A ponte estaiada tem uma relação sincromística com o Soft-Capitalismo. Enquanto as pontes tradicionais como em ferro-forjado, correntes metálicas, aços entrelaçados, viadutos de concreto armado transmitem a ideia de solidez, peso, permanência, duração, próprios do capitalismo da fase hardware (industrial de bens duráveis), as estaiadas materializam a concepção arquetípica do Soft-Capitalismo atual: fluidez, leveza, aerodinâmica – os próprios paradigmas da financeirização e rentismo onde “tudo que é sólido desmancha no ar”.

É o mesmo efeito dos prédios espelhados no entorno da Ponte Estaiada.

Esse novo paradigma soft do capitalismo (finanças, serviço, mídia) estimulou uma concepção messiânica e mística de si mesmo: desde os slogans escatológicos como “Fim da História” de Fukuyama ou “Estrada para o Futuro” de Bill Gates.

Dessa forma encontramos uma primeira evidência sincromística na Ponte Estaiada:  os estais que descem do gigantes mastro em “X” criam um efeito especial (um “formato eidético”, como aponta Luciana Cotrim no livro citado acima) para os motoristas como uma analogia de traços cruzados que ligam o céu à terra: o efeito de parecer que o mundo terreno e o celestial se uniriam por uma estrutura animada.

As hastes em “X” ainda sugerem a presença de uma gestualidade como braços levantados para o céu e pernas longas. É como se a ponte estivesse em posição de aclamação e regozijo rituais.

Matemática e Hermetismo


Mas essa prosopopéia (figura de linguagem que atribui características humanas a seres inanimados ou ideias abstratas) e messianismo místico sugerido pela forma eidética é reforçado por um outro caminho proposto pelo próprio engenheiro da ponte Catão Francisco Ribeiro: o projeto e cálculos da ponte tiveram uma relação com algumas teorias matemáticas e estudos relacionados à vida humana.



Para o projeto de uma ponte estaiada em curvas, Catão Ribeiro partiu da chamada “Espiral de Fibonacci”: sequência recursiva de números representada geometricamente pela união dos quartos de circunferência de todos os quadrados obtidos na sequência. Quando unidos, formam uma espiral. Assim como o Triângulo de Pascal (presente na concepção da ponte de forma triangular), triângulo numérico infinito formado por binômios de Newton.

Essas sequências recursivas de números estariam presentes nas configurações biológicas como o cone da alcachofra, galhos das árvores ou no desenrolar de uma samambaia. Em um evidente messianismo, os mercados financeiros buscam aplicar essas teorias recursivas nos negócios e análises de tendências: tentam mistificar os mercados com a máxima do Princípio da Correspondência do Hermetismo – o que está em cima é como está em baixo, e o que está em baixo é como está em cima.

Daí o gestual de celebração ritual do grande mastro em “X”: a espiral de Fibonacci está presente na concepção do “Homem Vitruviano” de Leonardo da Vinci – o desenho da figura masculina desnuda com membros do corpo simultaneamente em duas posições sobrepostas em um quadrado e um círculo. Ideologicamente o Soft-Capitalismo procura encontrar nos mercados a mesma lógica de perfeição que os renascentistas procuravam encontrar na associação do homem com a perfeição da natureza.


Celebração da união céu e terra no Soft-Capitalismo


Ritual de celebração


Através das suas formas eidéticas, Ponte Estaiada aproxima a perfeição da natureza à ideologia dos mercados e dos negócios. Com essa analogia subliminar do gigantesco “X” da Ponte Estaiada com as proporções perfeitas do Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci, a Ponte Estaiada celebra uma espécie de Neo-Renascentismo, dessa vez promovida supostamente pelo Soft-Capitalismo.

O “X” ainda remete ao tema da cruz. Os egípcios consideravam a cruz uma chave mágica que abriria a “fronteira da imortalidade”. Pode-se encontrar cruzes em diversas culturas distintas como fenícios, persas, gregos, etruscos, escandinavos, celtas, australianos, tibetanos, astecas etc. O arquétipo comum é o da ligação entre o mundo Divino e o terreno.

A natureza natureza emblemática da Ponte Estaiada une os números recursivos de Fibonacci e Pascal com o Princípio da Correspondência que os mercados e negócios querem messianicamente se representar.

Como todo messianismo, é escatológico: quer encontro final entre o Céu e a Terra, a correspondência entre mundo platônico dos números abstratos e o dos negócios terrenos. O fim da História no imobilismo da imortalidade.

Se Deus fala através dos números, como Pitágoras afirmava, a Ponte Estaiada é um evento sincromístico de celebração desse Neo-Renascimento da descoberta da lógica dos números recursivos que dariam sentido ao caos dos mercados e negócios no Soft-Capitalismo – tema inclusive explorado por alguns filmes como Pi (1998) de Aronofsky e Sem Limites (Limitless, 2011) de Neil Burger.

Se no passado os poderes se representavam de forma personalista por meio de bustos e estátuas de césares, reis e imperadores, hoje os prédios espelhados e pontes estaiadas fazem isso de forma sincromística. São verdadeiras bombas semióticas onde, subliminarmente, por meio da monumentalidade e simbolismo arquetípicos ganham a atenção midiática global.

Além de justificar uma ordem que teima de ser desafiada pelas águas imundas do córrego Águas Espraiadas que deságuam no putrefato Rio Pinheiros, bem abaixo da ponte.

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