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quinta-feira, agosto 18, 2022

Para entender a série "The Sandman" com a filosofia de Alfred Whitehead


A “Filosofia do Processo” de Alfred Whitehead e os mundos fantásticos da obra de Neil Gaiman têm mais coisas em comum do que podemos imaginar. Ambos pensam numa inusitada cosmologia que rompe com a dualidade cartesiana ao proporem universos (no caso de Whitehead, de elétrons a pessoas) no qual se ingressam entidades metafísicas que criam o potencial, a criação, o novo. Em “The Sandman”, de Neil Gaiman, Morpheus e o reino dos sonhos; em Whitehead, os “objetos eternos”. A série Netflix “The Sandman” (2022-), adaptada pelo próprio autor, repleto de seres míticos que governam seus reinos que tangenciam com o mundo “real”, figura o mundo dos sonhos e sua espécie de “Biblioteca Akáshica” (referência teosófica de Gaiman) que representam como a humanidade cria os seus objetos eternos, os Perpétuos, como o repositório de todos os desejos e potencialidades de um mundo muito além do cartesianismo.

quarta-feira, maio 11, 2022

A releitura gnóstica do Paraíso bíblico na era das mídias sociais na série 'Bem-vindos ao Éden'


Publicidade cada vez mais se aproxima das seitas e religiões. Assim como essas, a Publicidade não oferece mais produtos, mas agora “experiências” que prometem autoconhecimento e uma nova vida, tentando “espiritualizar” o consumo. Na série Netflix espanhola Netflix “Bem-Vindos ao Éden” (2022- ), uma festa em uma ilha que aparenta ser uma ação de marketing de uma nova bebida energética para jovens selecionados nas redes sociais, revela que por trás está uma seita baseada na nova religiosidade ecumênica global: espiritualismo New Age combinado com ambientalismo que promete a “salvação” do apocalipse climático. Prisioneiros em uma ilha paradisíaca numa série que faz releitura CosmoGnóstica do Paraíso bíblico para a geração das mídias sociais. 

quarta-feira, maio 04, 2022

A mitologia de Cronos e um buraco na ilusão do Tempo na série 'Outer Range'


Deus existe? E se existe, por que deixa coisas ruins acontecerem? Por que nos sentimos abandonados por Deus? Por que o Universo é eterno é nós somos finitos? Qual a natureza de um misterioso buraco sem fundo que surge em pleno pasto de uma fazenda no Wyoming? Inspirado na antiga mitologia grega de Cronos (um Titã que se tornou o “Deus do Tempo”), a série da Prime Video “Outer Range” (2022- ) é povoado por personagens angustiados com essas questões, entre a Metafísica, a ficção científica e os tropos clássicos do gênero Western. Um misterioso buraco que parece ligar ao Tempo Eterno (anterior a Cronos) e a feroz disputa territorial entre duas famílias de fazendeiros faz da série uma aposta sobre questões filosóficas e gnósticas: o Tempo como um acidente na Criação, da qual só podemos escapar se conseguirmos perceber aquilo que os gregos antigos chamavam de “Kairós”: o “acontecimento único”.

sexta-feira, abril 08, 2022

Série 'For All Mankind': e se os soviéticos tivessem chegado primeiro na Lua?


Ao lado da série “O Homem do Castelo Alto”, “For All Mankind” (2019- ) é uma série que se alinha ao subgênero das realidades alternativas – se a série baseada em Philip K. Dick mostrava uma realidade alternativa na qual Alemanha e Japão ganhavam a Segunda Guerra Mundial, nessa da Apple TV + acompanhamos o efeito em cascata, seja geopolítico, seja na cultura e costumes, dos soviéticos terem sido não só os primeiros a pisar na Lua, mas de também colocar a primeira mulher cosmonauta pisando o solo lunar. A questão é que, mesmo em um mundo alternativo, a série repete as mesmas mitologias do nosso mundo real: a NASA como como uma agência “científica” e astronautas como os playboys do “american dream”. 

quarta-feira, março 23, 2022

Gnosticismo e o zeitgeist de final de milênio na série "Feria: Segredos Obscuros"


O final do milênio criou um zeitgeist que parecia despertar crenças milenaristas medievais: seitas esotéricas ou ocultistas, envolvendo suicídios coletivos, começaram a pipocar em várias partes do mundo. E na cultura pop, Nostradamus e profecias sobre o fim do mundo (inclusive o Y2K, o “bug do milênio”) estavam em alta. Não foi por acaso que as mitologias gnósticas chegaram ao mainstream hollywoodiano, consolidando o gnosticismo pop em filmes como “Show de Truman” e “Matrix”. É neste espírito de final do século XX que se inspira a série Netflix espanhola “Feria: Segredos Obscuros” (2022). Em 1995, uma pequena cidade é atingida por um evento inexplicável: 23 pessoas aparecem mortas junto a uma antiga mina, envolvendo algum tipo de seita ocultista. Repleta de alusões ao Gnosticismo, a série tenta combinar a mitologia gnóstica com todos os tropos dos filmes sobre seitas e cultos: sacrifícios de sangue, sexo ritual, morte, portais interdimensionais etc. E até uma metáfora política do regime franquista na Espanha.

quinta-feira, março 10, 2022

As tiranias tecnológicas da empresa moderna na série "Ruptura"




Chega de tentar equilibrar as exigências do trabalho com a vida pessoal. Chega de estresse e burnout. Chega de levar problemas para casa. Chega de ficar depressivo no domingo com medo da segunda-feira. Na série Apple TV+ “Ruptura” (“Severance”, 2022- ) esses problemas terminaram. Ou aparentemente. Afinal, como o bom e velho Freud dizia, o reprimido sempre retorna. Em um futuro próximo uma revolucionária técnica neurocirúrgica chamada “Ruptura” cria dois selfs totalmente incomunicáveis em funcionários de uma misteriosa corporação: o eu da vida pessoal não lembra do eu que trabalha na empresa. É como vender parte de si à corporação. A série “Ruptura” é uma espécie de “The Office” hipo-utópico: revela desde as suaves tiranias dos escritórios modernos até o grande projeto de engenharia social do Capitalismo: controlar o tempo livre dos indivíduos através do esquecimento.

quarta-feira, março 02, 2022

Série 'Post Mortem: Ninguém Morre em Skarnes': o mito do vampiro muito além do Mal


Desde “Deixe Ela Entrar” (2008) as produções audiovisuais escandinavas têm como característica inovações inusitadas em gêneros que sempre foram marcados pelos clichês hollywoodianos. Um deles é a da mitologia do vampiro. Na série “Post Mortem: Ninguém Morre em Skarnes” (2021- ) não há vampiros que fogem de cruzes ou réstias de alho, e andam normalmente à luz do dia. E muito menos, pescoços mordidos em série – para desespero de uma agência funerária local em crise financeira. Na série os vampiros não seduzem adolescentes como em “Crepúsculo”, e não são nem encarnações ou representações do Mal. É apenas uma incômoda herança (assim como as dívidas da agência funerária) com a qual deve-se conviver através de medidas práticas. É a marca da cineteratologia (as representações da monstruosidade e do Mal no cinema) atual: ética e moralmente neutros, seres que apenas lutam para sobreviver.

quarta-feira, fevereiro 02, 2022

Todo adolescente é um alien na série 'Nada é o que Parece Ser'


Quando nos deparamos com uma produção audiovisual nórdica sobre adolescentes, temos que prestar melhor atenção. Ao contrário dos congêneres hollywoodianos, centrados em dramas escolares com valentões, bullying e “losers” ansiando pela aceitação no grupo, filmes e séries nórdicas elevam os temas “teens” ao existencial e aos dramas da própria espécie humana. A série Netflix dinamarquesa “Nada É o que Parece Ser” ("Chosen", 2022- ) mantém esse tom ao se filiar ao sub-gênero indie “alt.sci-fi”: os temas da ficção científica são apenas pano de fundo para discutir as questões que cercam a adolescência: identidade, gênero, sexo, autoconhecimento etc. Um meteorito caiu numa pequena cidade há 17 anos e se transformou numa atração turística. Jovens acreditam que tudo é uma conspiração para esconder aliens que ali moram, confundindo-se com humanos. Jovens que encarnam a narrativa mítica de Detetives e Estrangeiros, tanto no cinema quanto na literatura. Afinal, todo adolescente já parece se sentir como um alienígena nesse mundo.

quarta-feira, janeiro 12, 2022

Série 'Estação Onze': Shakespeare versus história em quadrinhos no fim do mundo



A série HBO Max “Estação Onze” (Eleven Station, 2021- ) é muito mais do que outra série adaptada de romance profético sobre a atual crise pandêmica global. A série redefine as narrativas sobre o fim do mundo. Uma pandemia de gripe extermina mais de 90% da humanidade – na verdade uma bomba viral, sem período de incubação. O que restou foi um mundo pós-apocalipse, relativamente otimista, que vive sobre os escombros de celulares, computadores e Internet (agora inúteis) e onde uma trupe de atores e músicos shakespearianos apresenta montagens itinerantes levando o que restou da arte da velha civilização. Mas também herdou uma HQ chamada “Estação Onze” que virou um objeto de culto profético e religioso com sua mensagem enigmática. Enquanto Shakespeare inspira arte e entretenimento, a HQ influencia perigosas seitas fundamentalistas. Será que o gibi teve o mesmo destino que aquele reservado à Bíblia Sagrada no nosso mundo?

terça-feira, dezembro 21, 2021

Série 'Invasão': a incomunicabilidade humana faz visita alien terminar nada bem


A primeira temporada inteira da série Apple TV + “Invasão” (“Invasion”, 2021- ) parece mais o primeiro capítulo de um épico de ficção científica. Mas não um épico hollywoodiano de invasões, mais preocupado em mostrar aliens, destruição em massa e terror. Acompanhamos os dez episódios concentrando-se em dramas humanos diferentes espalhados pelo mundo que acabam se conectando na medida em que os alienígenas pouco a pouco começam a dar as caras. Na verdade, toda a temporada é a configuração de algo maior que está por vir, tangenciando com o tema do filme de Dennis Villeneuve, “A Chegada” (2016): quando finalmente encontrarmos alienígenas, estaremos numa situação de total incomunicabilidade – sequer será aplicável a noção de "inteligência" a nossos visitantes. E, o pior como alertou o físico Stephen Hawking, estaríamos numa situação análoga a Colombo encontrando os índios no Novo Mundo... e que terminou nada bem.

sexta-feira, novembro 26, 2021

Medo e pecado são a matrix de todo totalitarismo na série 'Profecia do Inferno'


Milícias fundamentalistas, líderes de seitas e crentes cegos começam a girar em torno de um fenômeno inexplicável: de repente, um ser celestial visita uma pessoa para anunciar a data e hora da morte da vítima. No momento marcado surgem três imensas bestas peludas cinzentas que implacavelmente a perseguem até matá-la com crueldade, incinerá-la e levar embora a alma. Para o Inferno? Uma nova igreja se impõe racionalizando o fenômeno como a ira divina contra a humanidade pecadora. Aliado às mídias sociais cria um sistema totalitário sob a tolerância da polícia e Estado. A nova série sul-coreana da Netflix, “Profecia do Inferno” (Hellbound, 2021- ) mostra como o medo, pecado, delação, confissão e punição são a matrix imaginária que sustenta todos os regimes políticos ocidentais, sejam seculares ou religiosos. Porém, no século XXI, essa ancestralidade é turbinada pela desinformação espalhada pela Internet.  

sábado, outubro 30, 2021

Cinetanatologia: imagens do pós-morte no cinema falam mais dos vivos do que dos mortos



Sabemos o que é morrer, mas nada sabemos sobre o que vem depois. A não ser testemunhos de supostos espíritos ou as controversas experiências de quase-morte tão estudadas por médicos, psiquiatras e neurocientistas. Mas há também as representações do cinema e audiovisual. Uma verdadeira “Cinetanatologia” na qual fala-se muito menos do Grande Além e muito mais das mazelas do mundo dos vivos – as representações fílmicas do pós-morte seriam verdadeiros sismógrafos das ansiedades ou temores de cada época, criando modelos diferentes de “céus” ou “infernos”: de representações objetivas a solipsistas. Porém, o século XXI revela uma mudança nas representações: deixa de ser um momento conclusivo ou de passagem para algo totalmente outro, tornando-se um evento absolutamente banal – continuação da mesma banalidade de quando éramos vivos. Ou uma prisão cósmica de multiversos quânticos e de inspiração gnóstica.

quinta-feira, outubro 28, 2021

'Departamento de Conspirações': será que a própria série é um inside job do Estado Profundo?


A série de animação adulta da Netflix “Departamento de Conspirações” (“Inside Job”, 2021-) navega pelo atual mar revolto das teorias das conspirações. Principalmente depois que elas foram apropriadas pela extrema direita “alt-right” e se transformaram em ferramenta política de desinformação. A série tem um difícil desafio: transformar reptilianos e governos das sombras em uma espécie de meta-humor – fazer paródias em cima de algo que, em si, já são paródias. Ou melhor, psyops para neutralizar o perigo do crescente número de pessoas que historicamente começaram a contestar versões oficiais. “Departamento de Conspirações” lembra a “Hipótese Fox Mulder”: por que o governo, ao mesmo tempo que encobre o fenômeno OVNI, também permite que se faça tantos filmes sobre o assunto? Para que todos pensem que é coisa de cinema e, quando surgirem notícias verdadeiras, ninguém acreditar. Será que a própria série é um “inside job” do “Estado Profundo”?

terça-feira, outubro 26, 2021

Quando o amor vira totalitarismo tecnológico na série 'Made for Love'


O messianismo tecnológico da gigantes tecnológicas sempre foi cheio de boas intenções - dar às pessoas o que supostamente querem: o menor esforço, facilidades e conveniências. Por que pegar um ônibus até o trabalho se posso fazer um home office? Para quê encarar uma discussão de relacionamento se um aplicativo pode garantir um relacionamento amoroso transparente e sem mentiras? Mas também, abolir qualquer sigilo ou privacidade. Como as melhores intenções como amor, felicidade e comunhão podem resultar num pesadelo totalitário? Esse é o tema da sátira ao Vale do Silício “Made for Love” (2021- ), série de humor negro na qual acompanhamos uma jovem em fuga depois de dez anos de um relacionamento tóxico, cujo marido é um híbrido de Jeff Bezos, Elon Musk e a gigante Google. O problema é que ela é a “usuária número 1”, com chip implantado em seu cérebro, de um aplicativo revolucionário do amor, monitorada 24 horas a partir de um campus tecnológico chamado “The Hub”. 

terça-feira, outubro 05, 2021

Porque você NÃO deve assistir à série 'Lúcifer', por Claudio Siqueira


Lúcifer estreou sua sexta temporada. Mas, como faziam as antigas adaptações de histórias em quadrinhos para as telonas, difere muito da obra original. Em respeito à HQ, a única capaz de se equiparar (e talvez até superar) a Sandman, o Cinegnose vem elucidar 5 motivos pelos quais não se deve assistir à série. 

A série tem feito muito sucesso, curiosamente entre aqueles que NÃO leram a HQ. Ao contrário de Constantine, que não fez sucesso entre nenhum dos dois públicos (os que leram e os que não leram) e nem sequer chegou à segunda temporada, ou de Demolidor, que fez sucesso por parte de ambos os públicos (leitores e não leitores), Lúcifer conseguiu a proeza de ser uma série bem fraca e fazer mais sucesso do que a magnífica HQ. 

Mike Carey despontou como o novo Neil Gaiman ao capitanear o spin off de Sandman, Lúcifer. Pelas palavras do próprio Neil Gaiman, autor de Sandman e criador de Lúcifer como o conhecemos em Sandman #4 (abril de 1989): “O Lúcifer de Mike Carey é mais manipulador, charmoso e perigoso do que eu esperava.”

 

Lúcifer com semblante de David Bowie


A HQ continuou a ser escrita por outros autores, inclusive, por uma autora de New Jersey que atende pelo sugestivo nome de Holly Black. Holly e os demais nunca deixaram a peteca cair e Lúcifer continuou cínico, arrogante, com uma moral dúbia que nos faz questionar nossa própria noção da mesma. Não necessariamente perverso, mas nietzschedamente além do bem e do mal. 



Enquanto o sisudo filósofo cofia seus bigodes no Inferno, sentado à esquerda do deus filho todo-poderoso, vamos aos motivos para NÃO assistir à série.

Lúcifer é MUITO diferente do original

E me refiro à aparência mesmo. Lúcifer continua cínico, arrogante até certo ponto e faz os personagens – coadjuvantes ou não – questionarem a moral ocidental, mas um primeiro olhar para o protagonista já dá uma desanimada em quem leu as HQs. 


Daniel?! Não, Lúcifer


Assim como Keanu Reeves ficou péssimo como Constantine, o sorriso maroto de Tom Ellis querendo passar a imagem de sarcástico faz o Primeiro dos Caídos parecer um cantor de sertanejo sensualizando. O Lúcifer das HQs foi inspirado em David Bowie e o semblante do cantor e ator está presente nas edições #14 e #15, lançadas no Brasil pela Panini em O Universo de Sandman: Lúcifer Volume 3 como parte do selo Black Label.

É uma série policial!

Nada contra séries policiais, mas os quadrinhos nos dão um panorama filosófico, apresentando às vezes até quíntuplos sentidos em cada quadro. Nem sempre pelo que está escrito, mas pela própria gestalt das cenas, fazendo match cuts inteligentes em momentos que muitas vezes perpassam o espaço-tempo. 

A série nos dá uma trama policial onde Lúcifer, com sua sabedoria mais que milenar, (desde antes da Queda, na verdade), ajuda a policial Chloe Decker na divisão de homicídios do Departamento de Polícia de Los Angeles que vira seu affair e sua sidekick. Da mesma forma que Constantine virou uma espécie de Supernatural de quinta, Lúcifer se tornou um Doctor Who infernal. Isso dito novamente pelo próprio Neil Gaiman.




Na segunda edição de 2018 dos quadrinhos, lançada no Brasil em O Universo de Sandman: Lúcifer nº1, três bruxas cegas chamam a nossa atenção. Durante um ritual, elas utilizam um olho de um gato. Gatos são tidos como “familiares” comuns entre bruxos. Pra quem não sabe, “familiares” são animais de estimação com um laço mágico com seu dono, mas porque o simbolismo do olho? 

De acordo com algumas das muitas atribuições cabalísticas, onde cada caminho da Cabala corresponde a uma carta do tarô e a uma letra do alfabeto hebraico, o 26º caminho corresponde à 15ª carta do tarô, O Diabo, e à 16ª letra, Ayin. Seu significado é “olho”. 

A trama diverge muito das HQs

Como a FOX não detêm os direitos sobre os personagens da DC, não tivemos as eventuais participações de outros protagonistas do selo Vertigo como o Constantine, por exemplo. Interpretado por Matt Ryan, este sim, um excelente Constantine, a despeito da série. 

Amenadiel aparece tão bundão quanto o anjo Manny, de Constantine e não é nem de longe o anjo dantesco, invocado e grisalho (de aparência mais velha) dos quadrinhos. Na série, além de mais jovem, nem cabelo Amenadiel tem.


Tudo bem que dizem que o Carnaval é a festa do Demo, mas não sabia que Lúcifer tinha desfilado pela Portela... Se bem que "demo" é "povo" em grego


Mazikeen aparece carinhosamente apelida de Maze… que meigo! Sua face disforme ficou bem representada, mas sua fala truncada presente nas HQs foi substituída pela “lingua demoníaca”, que a atriz Lesley-Ann Brandt interpreta guturalmente muito bem. Esperemos que agora, com Sandman e Lúcifer na NetflixMorpheus possa aparecer. Hmm… pensando bem, melhor não.

A série não é dantesca

O próprio termo “dantesco” que usei aqui e no tópico anterior vem do nome de Dante Alighieri por ter escrito A Divina Comédia, sendo um dos capítulos/atos, Inferno. Diferentemente do clima soturno dos quadrinhos de Lúcifer, que não chega a ser lúgubre e de estética gótica como Sandman, a HQ apresenta tramas que envolvem deuses de outros panteões e arcanjos, demônios da demonologia (perdoem o pleonasmo infernal) e até personagens históricos como Willian Blake.


Gabriel alcoólatra


Todos são devidamente humanizados, não no sentido que a palavra tem atualmente, mas de modo a torná-los próximos da condição humana, como um Anjo Gabriel ébrio, por exemplo. Na série de TV, temos diversão garantida para você e sua família, com draminhas pseudo existenciais e uma psicanalista comum a alguns personagens. Seu nome? Linda Martin! Que lindo!

Deus é casado!

Isso mesmo! Dramatizando a frase célebre de Nietzsche, “Deus está morto!”, a saga de 2016 mostra uma estranha entidade ocupando o trono do Criador. Na série, o Todo-Poderoso não só é menos beligerante (e talvez menos onipresente) como ainda é casado! Com a MÃE de Lúcifer!


A entidade que ocupa o trono de Deus, na HQ


Bom, se você nasceu, possivelmente tem uma mãe mas Lúcifer e os demais nem chegaram a “nascer” já que se tratam de entidades, conceitos, arquétipos ou mitos. Acho que isso não consta nem na Bíblia, se não me engano. Lúcifer Estrela da Manhã, e os demais anjos surgem sem ter que passar por um parto ou coisa que o valha.  


A foto alude à carta do tarô "O Diabo"


Se você ainda está disposto a assistir à série, a 6ª temporada já está dando o que falar, mas não leia os quadrinhos ou só os leia depois. Se você leu e ainda não assistiu, não assista. Ou assista, mas sem expectativa, que é a mãe de todas as decepções. Se já acompanha a série, você anda mal acompanhado. Perdoe-os, Lúcifer, porque eles não sabem o que assistem.  

 

 

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sexta-feira, setembro 10, 2021

A Internet criminógena: os pecados virtuais de todos nós em 'Clickbait'


Era uma vez os velhos dispositivos panópticos de vigilância e punição: do Deus monoteísta ao Estado e Polícia. Mas tudo mudou com a Internet, novo dispositivo que, paradoxalmente, vigia e controla através de uma estratégia de não só facilitar, mas também premiar quase todos os antigos pecados capitais: inveja, ira, ganância, orgulho e, principalmente, a luxúria. Um gigantesco confessionário anônimo no qual os metadados de redes sociais, geolocalizadores e plataformas de relacionamentos poderão voltar-se contra nós. A série Netflix “Clickbait” (2021) sugere essa discussão ao acompanhar um homem de família aparentemente decente que desaparece a caminho do trabalho. Para horas depois aparecer em um vídeo na Internet no qual admite, aparentemente sob coação, ter abusado de mulheres. Segurando um cartaz indicando que será morto quando o vídeo atingir 5 milhões de visualizações.

sexta-feira, agosto 06, 2021

Globo detona bomba semiótica de canastrice política com série 'Ilha de Ferro'


Uma das principais armas na guerra semiótica que levou aos bem-sucedidos impeachment e o golpe militar híbrido (que ninguém viu) foi a “canastrice semiótica”: legitimar a agenda política através da ficção (novelas, minisséries e filmes) por meio da hiper-realidade: quanto mais os fatos políticos se pareçam com a ficção, paradoxalmente ficam mais verossímeis e aceitos pela opinião pública. Com produções como “O Brado Retumbante” e “Questão de Família”, a Globo cumpriu esse papel. E agora, com timing e sincronia com o cenário da agenda de privatização fatiada da Petrobrás, a Globo lança a série “Ilha de Ferro” na TV aberta como exemplar bomba semiótica. O mesmo “modus operandi”: ambientada numa plataforma de petróleo da “Companhia Nacional de Petróleo” reforça todos os estereótipos que justificariam a lendária ineficiência das estatais. Momento crucial em que a grande mídia tenta levantar o baixo astral da patuleia desalentada com medalhas nos Jogos Olímpicos e a campanha da Fundação Roberto Marinho: “Não Desista do Seu Futuro”.

quarta-feira, julho 21, 2021

Ciência vs. Religião e a peste humana na série "Raised By Wolves"



Monstros à espreita, androides que parecem ser mais humanos do que os humanos, um planeta alienígena desolado, tudo somado a questões como o quanto a humanidade é solitária num universo sem propósito, as armadilhas da fé e as formas que o futuro distópico pode assumir. Criada por Aaron Guzilowski e com Ridley Scott como produtor executivo, é inegável que a série “Raised By Wolves” (2020-) tem alusões diretas à mitologia da filmografia sci-fi de Scott. Nos episódios da primeira temporada estão os replicantes de “Blade Runner” e os demiurgos e a monstruosidade de “Alien”, “Prometheus” e “Alien: Covenant”. Uma guerra entre ateus e religiosos fundamentalistas destrói a Terra e a última esperança é um exoplaneta. Mas junto com ateus e religiosos vem a peste: o choque Ciência versus Religião. Restando como esperança a missão de um casal de androides cuidar de um punhado de crianças que fuja de toda essa loucura. Ou será que não?

sábado, junho 12, 2021

Uma fábula sombria e gnóstica da pandemia na série 'Sweet Tooth'


A crítica especializada parece confusa diante da série Netflix “Sweet Tooth” (2021- ), adaptada das HQs de Jeff Lemire: uma fábula infanto-juvenil sombria? Uma aventura infantil ao estilo Steven Spielberg? Mais um produto Netflix cujos algoritmos tentam fazer um mix entre fábula e a crueldade num mundo distópico sob a pandemia que dizima a humanidade? Gus é um jovem híbrido de cervo que vive numa idílica floresta, protegido pelo seu pai de um mundo que lá fora está sendo destruído. Com sua bondade e otimismo radiantes cruzará uma América devastada e violenta em busca da sua mãe. A suposta ausência de tom narrativo (é uma fábula ou distopia?) na verdade é proposital: é onde pulsa a mitologia gnóstica de anjos decaídos e da luz espiritual (traduzida no otimismo, fé e positividade de Gus) em confronto com um mundo niilista cujo apocalipse distópico começa e termina numa ciência demiúrgica. 

segunda-feira, maio 03, 2021

O ódio racial pós-moderno na série 'Them'


Seguindo a esteira do terror racial de Jordan Peele “Corra” e “Nós”, a série da Amazon Prime Video “Them” (2021-) converge o clássico gótico americano de Lovecraft com o, por assim dizer, “afrogótico”. Dessa vez a casa mal assombrada é uma típica casa de um subúrbio de classe média dos anos 1950, o paraíso idílico do sonho americano. Só que agora, ameaçado pela chegada dos Emory, uma família afro-americana em pleno bairro supremacista branco. Uma família ameaçada por dentro por fantasmas e uma maldição do passado puritano religioso, e por fora pelo ódio racial da vizinhança. Passado e presente são confrontados: na história, a metanarrativa bíblica justificando o racismo. E no presente, a desconstrução pós-moderna que destruiu os meta-relatos, como os da religião. Deixando aflorar a fina flor do ressentimento pós-moderno das sociedades meritocráticas de consumo. Que vai impulsionar o ódio racial, dessa vez sem mais rodeios ou filtros.

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