A primeira temporada inteira da série Apple TV + “Invasão” (“Invasion”, 2021- ) parece mais o primeiro capítulo de um épico de ficção científica. Mas não um épico hollywoodiano de invasões, mais preocupado em mostrar aliens, destruição em massa e terror. Acompanhamos os dez episódios concentrando-se em dramas humanos diferentes espalhados pelo mundo que acabam se conectando na medida em que os alienígenas pouco a pouco começam a dar as caras. Na verdade, toda a temporada é a configuração de algo maior que está por vir, tangenciando com o tema do filme de Dennis Villeneuve, “A Chegada” (2016): quando finalmente encontrarmos alienígenas, estaremos numa situação de total incomunicabilidade – sequer será aplicável a noção de "inteligência" a nossos visitantes. E, o pior como alertou o físico Stephen Hawking, estaríamos numa situação análoga a Colombo encontrando os índios no Novo Mundo... e que terminou nada bem.
Em 2010 o eminente físico Stephen Hawking alertou que deveríamos ter mais cuidado ao tentar contato com aliens. Principalmente porque, mesmo se não tivéssemos a intenção de procurar vida inteligente lá fora, nossas transmissões de rádio e TV continuam além da atmosfera: seguem Cosmo à fora na velocidade da luz.
Por isso, alguns anos depois, Hawking reforçou mais uma vez sua preocupação na minissérie Os Lugares Favoritos de Stephen Hawking (2016): “Um dia receberemos um sinal de um planeta, mas devemos ter cuidado ao respondê-lo. Encontrar uma civilização avançada pode ser como o encontro de Colombo e os índios... Nós sabemos que isso não acaba muito bem”.
Uma primeira pista dessa acepção estava no filme A Chegada (2016), de Denis Villeneuve, em que visita de extraterrestres nos leva a conclusão de que estamos incomunicáveis no Universo – presos à nossa concepção de inteligência e linguagem, simplesmente não conseguiríamos entender o “propósito” (se é que existiria) da visita de uma cultura mais avançada.
Só que A Chegada se concentrava unicamente no drama semiótico da incomunicabilidade humana, sem desenvolver aquele risco tão temido por Hawking – o de que um simples contato alien poderia involuntariamente nos destruir.
Mas não é o caso da primeira temporada da série Apple TV + Invasão (Invasion, 2021- ) que mostra grupos de humanos de quatro partes diferente do planeta tentando compreender os eventos que se sucedem com a chegada massiva de alienígenas. Uma narrativa que lentamente vai montando peças de um quadro maior do qual, só na última cena do último episódio, teremos um vislumbre: estranhos incidentes no deserto do Afeganistão que pegam de surpresa militares americanos, um grupo de estudantes em um ônibus fica isolado no meio de uma estrada remota na Inglaterra, astronautas em uma estação orbital internacional perdem contato e uma família nos EUA fica isolada após estranhos incidentes na vizinhança.
Desde os blockbusters de invasões aliens, monstros e terroristas de Roland Emmerich como Stargate, Independence Day, Godzilla etc., as estórias sobre modernos desastres perderam o foco na humanidade em meio ao espetáculo pirotécnico de explosões e gente fugindo delas.
A série Invasão narra a chegada repentina de alienígenas. No entanto, é muito mais sobre as pessoas - tramas que envolvem decisões incrivelmente falhas ou prejudiciais tomadas em nome da sobrevivência. O mundo está sob ataque, mas esta série dos co criadores Simon Kinberge e David Weil está mais interessada em narrar o conjunto de dilemas e escolhas morais em situações claustrofóbicas.
O verdadeiro Eu dos personagens é revelado nas situações extremas que as obrigam a fazerem escolhas. E nem sempre as melhores.
A Série
No início, quase não há uma menção aos extraterrestres invasores. Em vez disso, a série começa acompanhando dramas diferentes espalhados pelo mundo, que no final das contas acabam vagamente conectados.
Cada um terá alguma ligação com os eventos alienígenas: há um menino em Londres que está sujeito a convulsões epiléticas que pode estar relacionada à invasão; uma família de Long Island que está em meio à crise de infidelidade e que possivelmente também possui uma arma que pode matar os alienígenas; uma engenheira espacial no Japão que parece ser a única capaz de se comunicar com eles; e um soldado americano que é separado de seu esquadrão no Afeganistão após o que parece ser um ataque alien.
Os roteiros dos episódios fazem o espectador se importar com cada um desses personagens, principalmente porque o espectador passa muito tempo imerso em seus conflitos.
Entendemos por que a engenheira da agência espacial japonesa está trabalhando incansavelmente para encontrar uma astronauta perdida depois de muitos flashbacks longos e emocionantes que revelam seu relacionamento homoafetivo secreto. Da mesma forma, embora o soldado Navy Seal norte-americano servindo no Afeganistão pareça inicialmente um idiota prepotente, sua história de fundo lentamente é revelada, transformando-o em uma figura simpática.
Há, portanto, um grande desenvolvimento de personagens que também requer a nossa paciência, já que leva um bom tempo para os alienígenas reais darem as caras.
Na primeira metade da temporada acompanhamos apenas indícios de que algo está acontecendo, muito além de algum tipo de desastre natural ou catástrofe climática como aparenta no início.
Quando os alienígenas finalmente aparecerem, será uma forma bem elaborada e surpreendente, mudando perfeitamente o tom da série. A partir de então, Invasão se torna diferente, equilibrando os drama e conflitos pessoais dos personagens com alguns mistérios alienígenas intrigantes e o horror absoluto de lidar com os invasores. Há uma cena aterrorizante em uma casa isolada, onde uma família tenta escapar de uma das criaturas pontiagudas (o excelente design de áudio torna as criaturas ainda mais repulsivas) ; mais tarde, vemos o soldado abrindo caminho por um hospital devastado pela guerra em meio a uma infestação, como se fosse um game Resident Evil, só que em primeira pessoa.
A primeira temporada não nos dá muitas respostas. Há algumas pequenas revelações, como quando você fica sabendo que o adolescente de Londres, que sofre de ataques epiléticos, teve visões da invasão antes que ela acontecesse ou quando parece que um pesquisador japonês descobre como os alienígenas se comunicam. Mas nada é sempre claro.
Mesmo quando parece que os alienígenas foram derrotados, a série cria uma reviravolta. Percebemos que todas essas incógnitas em “queima lenta” são parte de uma história que não quer ser completada na primeira temporada. Na verdade, esses dez episódios parecem ser a configuração inicial de algo muito maior que virá na segunda temporada.
O tema do “renascimento” para ser o central na série Invasão. Personagens se recuperando de seus ferimentos, criaturas alienígenas se recuperando ao longo da série e diversos personagens recuperando suas psiques em seus dramas pessoais que parecem ser potencializados com a crise da invasão.
Namorados ou famílias fazendo discussões de relacionamentos enquanto o mundo marcha para o fim é um clichê hollywoodiano dos filmes-catástrofes: por exemplo, em Guerra dos Mundos vemos Tom Cruise recuperar a afeição dos seus filhos e em 2012 acompanhamos John Cusack tentando recuperar um casamento perdido enquanto o apocalipse consome o planeta.
Mas em Invasão não temos a salvação de famílias ou relacionamentos monogâmicos – tratam de diferentes formas de renascimentos: individuais e coletivas, envolvendo até o perdão e compaixão.
O problema é que também os aliens renascem... esse compõe o plot twist final e o fechamento da configuração inicial da natureza da invasão que abrirá certamente um leque maior na segunda temporada.
E a aproximação com o tema de Dennis Villeneuve no filme A Chegada: a total incomunicabilidade humana com uma possível “cultura” alienígena que porventura nos “visite”.
Invasão ou terraformação? – alerta de spoilers à frente
A princípio, parece que os aliens querem terraformar o planeta, enquanto os humanos tentam entender a linguagem alienígena em seus próprios termos, isto é, como “linguagem”. Enquanto a prepotência dos militares norte-americanos acha que foi uma bomba nuclear que destruiu a nave-mãe em órbita e agência espacial japonesa comemora ter “se comunicado” com os aliens e conseguir descobrir seu modus operandi, a série termina revelando que não foi nem uma coisa nem outra.
Pelo contrário, a invasão parece estar muito além do escopo das ciências da informação ou da linguística; ou ainda das habilidades do xadrez das estratégias militares.
Como acompanhamos nas últimas cenas da primeira temporada, o encontro de uma gigantesca estrutura alienígena na floresta amazônica mostra isso: três cientistas entram na estrutura gigantesca para revelar uma membrana gigante que se estende por toda a extensão do espaço cavernoso. Um dos cientistas mais corajosos toca a membrana para revelar o mesmo movimento de forma de onda que caracteriza a comunicação alienígena em Invasão antes que a membrana se cure, fazendo crescer um novo tecido retirado do solo.
“Propósito”, “intenções”, “estratégias” ou mesmo “invasão” são conceitos que talvez não se apliquem aos “alienígenas” – a forma como a “comunicação” se desenvolve por ondas parece querer revelar que acompanhamos um massivo evento bio-botânico. Na verdade, um evento natural: uma forma de vida superior em complexidade e organização encontrando uma inferior baseada em carbono. E sabemos como esse encontro pode dar mal, assim como quando Colombo encontrou os índios na América...
Como toda forma de vida (ou “inteligência”), o alien seria governado pela “vontade” de realizar-se unicamente como potência em si mesma – expandir-se e reproduzir-se como simples imperativo cósmico de qualquer forma de organização complexa.
Quem sabe seja muito mais do que terraformação: mas o próprio planeta Terra acabar se tornando um gigantesco sistema alienígena consciente e autossuficiente... e expulsando a humanidade.
Ficha Técnica |
Título: Invasão (série) |
Criadores: Simon Kinberg, David Weil |
Roteiro: Simon Kinberg, David Weil, Gursimran |
Elenco: Golshifteh Farahani, Shamier Anderson, Billy Brant, Shioli Kutsuna |
Produção: Genre Films, Platform One Media |
Distribuição: Apple TV + |
Ano: 2021 |
País: EUA |