“Godzilla vs Kong” fecha(?) o universo compartilhado conhecido como “MonstroVerso”, numa tradução livre. Muito bem, cinegnósticos, vamos mostrar que o filme não é apenas o embate entre duas figuras mitológicas da cultura pop. Muito além da clássica Jornada do Herói, a trama é fundamentada no acróstico V.I.T.R.I.O.L., “Visita Interiora Terrae, Rectificando, Invenies Occultum Lapidem” que significa “Visita o Centro da Terra, Retificando-te, encontrarás a Pedra Oculta” (a Pedra Filosofal) - o caminho a ser trilhado pelos adeptos da Maçonaria, Rosa-Cruz, ordens templárias, thelêmicas ou quaisquer que trabalhem o hermetismo em geral.
Godzilla é uma figura mítica do Japão pós-guerra. A concepção do Dragão, figura emblemática na cultura oriental, transmutada pela era atômica casa perfeitamente para um universo fantástico originário do Japão. Seus filmes, assim como as séries de Ultraman, Spectreman e o formato tokusatsu agradaram tanto aos ocidentais que logo surgiram suas versões americanas… algumas com resultado duvidoso.
Os Super Sentai morfaram para a forma de Power Rangers e o gênero mecha foi muito bem retratado em Círculo de Fogo (2013) e Círculo de Fogo: A Revolta (2018). Kong já havia sido retratado no formato japonês em Kingu Kongu vs Gojira (1962) e Godzilla já tinha suas versões em quadrinhos no ocidente. Faltava um filme à altura do mito. Sim, mito, porque Godzilla é o único herói reptílico, como relatei aqui. Em 1998, Godzilla só valeu pela trilha sonora, apresentando uma visão “realista” do monstro, que ficou parecendo um tiranossauro. O filme de 2014 também não empolga, mas estávamos diante de um novo universo compartilhado: o MonstroVerso.
Godzilla (2014) foi seguido de sua continuação em quadrinhos Godzilla: Aftershock (2019) que serve de liame para o filme Godzilla II: Rei dos Monstros (2019). O segundo filme também passou batido aos olhos dos fãs e do grande público, mas tanto Kong: a Ilha da Caveira (2017) quanto Godzilla vs Kong (2021) chamam a atenção. O último filme é a dramatização de V.I.T.R.I.O.L. (Visita Interiora Terrae Rectificando Invenies Occultum Lapidem).
A tentativa de lançar Godzilla e sua continuação era a de apresentar um personagem já conhecido, com sua estética original, sob a ótica de Hollywood. Kong teve que ter sua história recontada e perdeu seu título de rei logo no título. No filme original e em suas refilmagens um grupo vai à Ilha da Caveira realizar um filme e descobre uma tribo de aborígenes que adora um gorila gigante.
Em Kong: a Ilha da Caveira, a ilha é procurada pelo projeto Monarca, que estuda e monitora os Titãs(a maneira ocidental de se chamar os kaijus). Não há o romance platônico do gorila pela moça, que nesta versão se apresenta como uma fotógrafa correspondente de guerra. A citação aos Grandes Antigos, de H.P. Lovecraft é breve, e não por acaso, Kong luta com um polvo gigante.
O universo de Kong; A Ilha da Caveira já vem sendo trabalhado em quadrinhos pela Boom Studios, com o traço do brasileiro Carlos Magno. A editora também assina o título de Planeta dos Macacos e já rolou até um crossover entre eles, no estilo Gulliver. Godzilla, por sua vez, é muito bem representado nas HQs pela IDW, que também assina as Tartarugas Ninjas.
Em todos os seus filmes, o macacão (macaco não, símio) encara um réptil gigante. No filme de 1933 é um tiranossauro. Claro, por que não? Tiranossauro é maneiro* (*"legal" em carioquês) e é o grande vilão em qualquer ficção envolvendo dinossauros. O filme de 1976 tenta tornar a coisa mais "realista". A explicação para a névoa em torno da ilha é sua respiração. Se Kong é um gorila super desenvolvido, aquela é uma ilha de animais gigantes, não de animais pré-históricos. Assim, em vez de um tiranossauro, Kong enfrenta uma serpente gigante.
Em 2005, quase trinta anos depois, o que era cafona passou a ser considerado antológico e o filme de Peter Jackson nos traz novamente a batalha não contra um, mas TRÊS tiranossauros. A fauna da ilha é tanto pré-histórica quanto super desenvolvida. Em 2017, Kong: A Ilha da Caveira nos mostra um ecossistema ainda mais vasto, com a presença dos intraterrenos Skullcrawlers e a atmosfera jungle fantasy presente nos quadrinhos. A presença dos intraterrenos já canta a pedra para a Terra oca que será apresentada no filme seguinte.
Daí começa a Jornada do Herói de Kong, que terá Godzilla como seu Dragão. Durante todo o filme, é Kong que tem as dificuldades expostas à sua frente, sendo Godzilla apenas uma delas. O primeiro encontro dos dois se dá de forma inusitada para Kong: na água. Tiamat era a Deusa Dragão do Caos e das Trevas na Babilônia. O Dragão é frequentemente associado com a água e com a figura feminina e me pergunto se Godzilla não seria uma fêmea.
Kong encontra a Pedra Filosofal |
Kong, como todo bom São Jorge, precisa de uma espada ou qualquer coisa que lhe sirva de arma contra seu dragão particular. Sim, porque Kong já enfrentou tiranossauro, serpente gigante e até intraterreno, mas não dragão! Kong terá que descer às profundezas da Terra para encontrar a Pedra Oculta, representada pela machadinha feita de algum cristal desconhecido.
A trama é fundamentada no acróstico V.I.T.R.I.O.L., Visita Interiora Terrae, Rectificando, Invenies Occultum Lapidem que significa Visita o Centro da Terra, Retificando-te, encontrarás a Pedra Oculta (a Pedra Filosofal). A máxima é criação do monge beneditino Basile Valentin e simboliza o caminho a ser trilhado pelos adeptos da Maçonaria, Rosa-Cruz, ordens templárias, thelêmicas ou quaisquer que trabalhem o hermetismo em geral.
De posse da Pedra Oculta, Kong está em equilíbrio com o Dragão |
A ideia de dominar o Dragão sofreu uma deturpação como comentei aqui e Shiva tipifica bem o que seria o modelo ideal. Ao invés de admoestar a besta, o domínio do Dragão simbolizaria o domínio do Chi, do Achintya Shakti, da Libido, do Orgone; o tornar-se íntegro consigo mesmo, através do domínio da kundalini mediante a lapidação do próprio eu.
A luta de Kong contra Godzilla após encontrar o machado é muito mais equilibrada. Pra começar, eles lutam em terra firme, o que representa o fato de que Kong está íntegro, firme, alinhado com seu verdadeiro eu. Quando está à beira da morte, Kong precisa de uma desfibrilação. O coração se situa no chakra do Plexo Solar; o Sol, regente do signo de Leão; o Eu. O domínio da Kundalini está representado na aliança de Kong com Godzilla para combater Mechagodzilla. Não há por que derrotar o Dragão se ele é um aliado contra a mecanização.
Vale a pena ver o filme e correr atrás dos quadrinhos Kong of Skull Island, pra se ambientar melhor nesse universo de Kong e Godzilla: Cataclysm e Godzilla: The Half-Century War, com o pitoresco traço de James Stokoe. Tomara que o MonstroVerso não acabe tão cedo, com espaço para mais kaijus e até, quem sabe, um crossover com Círculo de Fogo.
Claudio Siqueira é Estudante de Jornalismo, escritor, poeta, pesquisador de Etimologia, Astrologia e Religião Comparada. Considera os personagens de quadrinhos, games e cartoons como os panteões atuais; ou ao menos arquétipos repaginados.
Ficha Técnica |
Título: Godzilla Vs. Kong |
Diretor: Adam Wingard |
Roteiro: Terry Rossio, Michael Dougherty |
Elenco: Alexander Skarsgard, Millie Bobby Brown, Rebecca Hall, Brian Tyree Henry |
Produção: Legendary Entertainment, Warner Bros |
Distribuição: Warner Bros |
Ano: 2021 |
País: EUA |