sexta-feira, abril 23, 2021

'Godzilla Vs. Kong': muito além da jornada do herói, por Claudio Siqueira


“Godzilla vs Kong” fecha(?) o universo compartilhado conhecido como “MonstroVerso”, numa tradução livre. Muito bem, cinegnósticos, vamos mostrar que o filme não é apenas o embate entre duas figuras mitológicas da cultura pop. Muito além da clássica Jornada do Herói, a trama é fundamentada no acróstico V.I.T.R.I.O.L., “Visita Interiora Terrae, Rectificando, Invenies Occultum Lapidem” que significa “Visita o Centro da Terra, Retificando-te, encontrarás a Pedra Oculta” (a Pedra Filosofal) - o caminho a ser trilhado pelos adeptos da Maçonaria, Rosa-Cruz, ordens templárias, thelêmicas ou quaisquer que trabalhem o hermetismo em geral.

Godzilla é uma figura mítica do Japão pós-guerra. A concepção do Dragão, figura emblemática na cultura oriental, transmutada pela era atômica casa perfeitamente para um universo fantástico originário do Japão. Seus filmes, assim como as séries de UltramanSpectreman e o formato tokusatsu agradaram tanto aos ocidentais que logo surgiram suas versões americanas… algumas com resultado duvidoso.

Os Super Sentai morfaram para a forma de Power Rangers e o gênero mecha foi muito bem retratado em Círculo de Fogo (2013) e Círculo de Fogo: A Revolta (2018). Kong já havia sido retratado no formato japonês em Kingu Kongu vs Gojira (1962) e Godzilla já tinha suas versões em quadrinhos no ocidente. Faltava um filme à altura do mito. Sim, mito, porque Godzilla é o único herói reptílico, como relatei aqui. Em 1998, Godzilla só valeu pela trilha sonora, apresentando uma visão “realista” do monstro, que ficou parecendo um tiranossauro. O filme de 2014 também não empolga, mas estávamos diante de um novo universo compartilhado: o MonstroVerso.

Godzilla (2014) foi seguido de sua continuação em quadrinhos Godzilla: Aftershock (2019) que serve de liame para o filme Godzilla II: Rei dos Monstros (2019). O segundo filme também passou batido aos olhos dos fãs e do grande público, mas tanto Kong: a Ilha da Caveira (2017) quanto Godzilla vs Kong (2021) chamam a atenção. O último filme é a dramatização de V.I.T.R.I.O.L. (Visita Interiora Terrae Rectificando Invenies Occultum Lapidem)

A tentativa de lançar Godzilla e sua continuação era a de apresentar um personagem já conhecido, com sua estética original, sob a ótica de Hollywood. Kong teve que ter sua história recontada e perdeu seu título de rei logo no título. No filme original e em suas refilmagens um grupo vai à Ilha da Caveira realizar um filme e descobre uma tribo de aborígenes que adora um gorila gigante. 



Em Kong: a Ilha da Caveira, a ilha é procurada pelo projeto Monarca, que estuda e monitora os Titãs(a maneira ocidental de se chamar os kaijus). Não há o romance platônico do gorila pela moça, que nesta versão se apresenta como uma fotógrafa correspondente de guerra. A citação aos Grandes Antigos, de H.P. Lovecraft é breve, e não por acaso, Kong luta com um polvo gigante.

O universo de Kong; A Ilha da Caveira já vem sendo trabalhado em quadrinhos pela Boom Studios, com o traço do brasileiro Carlos Magno. A editora também assina o título de Planeta dos Macacos e já rolou até um crossover entre eles, no estilo Gulliver. Godzilla, por sua vez, é muito bem representado nas HQs pela IDW, que também assina as Tartarugas Ninjas

Em todos os seus filmes, o macacão (macaco não, símio) encara um réptil gigante. No filme de 1933 é um tiranossauro. Claro, por que não? Tiranossauro é maneiro* (*"legal" em carioquês) e é o grande vilão em qualquer ficção envolvendo dinossauros. O filme de 1976 tenta tornar a coisa mais "realista". A explicação para a névoa em torno da ilha é sua respiração. Se Kong é um gorila super desenvolvido, aquela é uma ilha de animais gigantes, não de animais pré-históricos. Assim, em vez de um tiranossauro, Kong enfrenta uma serpente gigante.




Em 2005, quase trinta anos depois, o que era cafona passou a ser considerado antológico e o filme de Peter Jackson nos traz novamente a batalha não contra um, mas TRÊS tiranossauros. A fauna da ilha é tanto pré-histórica quanto super desenvolvida. Em 2017, Kong: A Ilha da Caveira nos mostra um ecossistema ainda mais vasto, com a presença dos intraterrenos Skullcrawlers e a atmosfera jungle fantasy presente nos quadrinhos. A presença dos intraterrenos já canta a pedra para a Terra oca que será apresentada no filme seguinte.

Daí começa a Jornada do Herói de Kong, que terá Godzilla como seu Dragão. Durante todo o filme, é Kong que tem as dificuldades expostas à sua frente, sendo Godzilla apenas uma delas. O primeiro encontro dos dois se dá de forma inusitada para Kong: na água. Tiamat era a Deusa Dragão do Caos e das Trevas na Babilônia. O Dragão é frequentemente associado com a água e com a figura feminina e me pergunto se Godzilla não seria uma fêmea. 


Kong encontra a Pedra Filosofal


Kong, como todo bom São Jorge, precisa de uma espada ou qualquer coisa que lhe sirva de arma contra seu dragão particular. Sim, porque Kong já enfrentou tiranossauro, serpente gigante e até intraterreno, mas não dragão! Kong terá que descer às profundezas da Terra para encontrar a Pedra Oculta, representada pela machadinha feita de algum cristal desconhecido. 

A trama é fundamentada no acróstico V.I.T.R.I.O.L., Visita Interiora Terrae, Rectificando, Invenies Occultum Lapidem que significa Visita o Centro da Terra, Retificando-te, encontrarás a Pedra Oculta (a Pedra Filosofal). A máxima é criação do monge beneditino Basile Valentin e simboliza o caminho a ser trilhado pelos adeptos da Maçonaria, Rosa-Cruz, ordens templárias, thelêmicas ou quaisquer que trabalhem o hermetismo em geral.


De posse da Pedra Oculta, Kong está em equilíbrio com o Dragão


A ideia de dominar o Dragão sofreu uma deturpação como comentei aqui e Shiva tipifica bem o que seria o modelo ideal. Ao invés de admoestar a besta, o domínio do Dragão simbolizaria o domínio do Chi, do Achintya Shakti, da Libido, do Orgone; o tornar-se íntegro consigo mesmo, através do domínio da kundalini mediante a lapidação do próprio eu. 

A luta de Kong contra Godzilla após encontrar o machado é muito mais equilibrada. Pra começar, eles lutam em terra firme, o que representa o fato de que Kong está íntegro, firme, alinhado com seu verdadeiro eu. Quando está à beira da morte, Kong precisa de uma desfibrilação. O coração se situa no chakra do Plexo Solar; o Sol, regente do signo de Leão; o Eu. O domínio da Kundalini está representado na aliança de Kong com Godzilla para combater Mechagodzilla. Não há por que derrotar o Dragão se ele é um aliado contra a mecanização.

Vale a pena ver o filme e correr atrás dos quadrinhos Kong of Skull Island, pra se ambientar melhor nesse universo de Kong e Godzilla: Cataclysm e Godzilla: The Half-Century War, com o pitoresco traço de James Stokoe. Tomara que o MonstroVerso não acabe tão cedo, com espaço para mais kaijus e até, quem sabe, um crossover com Círculo de Fogo.

Claudio Siqueira é Estudante de Jornalismo, escritor, poeta, pesquisador de Etimologia, Astrologia e Religião Comparada. Considera os personagens de quadrinhos, games e cartoons como os panteões atuais; ou ao menos arquétipos repaginados.


 

Ficha Técnica 

Título: Godzilla Vs. Kong

Diretor: Adam Wingard

Roteiro: Terry Rossio, Michael Dougherty

Elenco: Alexander Skarsgard, Millie Bobby Brown, Rebecca Hall, Brian Tyree Henry

Produção: Legendary Entertainment, Warner Bros

Distribuição:  Warner Bros

Ano: 2021

País: EUA

 

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