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domingo, abril 16, 2017

Curta da Semana: "El Empleo" - o emprego que te espera no futuro


Com mais de 100 prêmios na sua trajetória em festivais, o curta de animação argentino “El Empleo” (2008) é uma produção bem oportuna para os tempos atuais em que vivemos onde o melhor remédio prescrito para a crise econômica e o desemprego são eufemismos como “terceirização”, “empreendedorismo” etc. O curta é o paroxismo da situação atual: para gerar emprego uma sociedade parece consumir a si mesma -  pessoas começam a assumir a função de objetos cotidianos em “inovadoras” formas de “prestação de serviço”: a mulher-cabide, o homem-abajur e assim por diante. Um curta surreal e tragicômico, mas que dá muito no que pensar. Curta sugerido pelo nosso leitor A.Lex.

sexta-feira, maio 06, 2016

O despertar xamânico no filme "O Abraço da Serpente"


Uma jornada antropológica, científica, histórica, mística e espiritual. E conduzida pelo animal de poder da serpente, simbolismo central na cosmologia xamânica. Ela desceu da Via Láctea, criou o mundo e está presente em cada um de nós, adormecida, à espera de algo que a desperte e nos faça deixar de ser instrumentos de morte. Esse é o tema central do filme “O Abraço da Serpente” (2015) que teve por base os diários de dois cientistas cujas expedições na região amazônica contribuíram para a compreensão dos povos indígenas. O diretor colombiano Ciro Guerra consegue tratar o tema do misticismo xamânico de forma a direta e crua numa selva onde o homem branco em busca da borracha extermina povos indígenas, seja pela arma ou pela catequese religiosa. E a última esperança para Karamateke, o último sobrevivente do seu povo, é fazer aqueles cientistas conhecerem um flor sagrada que os faça “abraçar a serpente” (a gnose através da destruição do Ego) e levem essa sabedoria cósmica para a civilização.

domingo, janeiro 03, 2016

Filme "O Clã" mostra a transparência do Mal


Sob a fachada de uma respeitada família de um burocrata do governo aposentado e uma professora primária em um dos bairros mais ricos de Buenos Aires, estava um terrível segredo: no porão daquela casa escondiam-se vítimas de sequestros, friamente assassinados após o pagamento de cada resgate milionário. Baseado em caso real, o filme argentino “O Clã” de Pablo Trapero retrata um tipo bem especial de maldade, bem diferente da hollywoodiana e próxima da “transparência do Mal” retratada na literatura por Marquês de Sade e no cinema por Pasolini – não mais a maldade como um ente que desvirtua e corrompe, mas o Mal originado da própria racionalidade e da virtude: por trás de uma grande fortuna, esconde-se sempre um grande crime.

Uma família prepara-se para o jantar em uma casa em San Isidro, um dos bairros mais ricos de Buenos Aires. O pai reza com a família antes de iniciar a refeição. À mesa, estão as filhas adolescentes que nasceram em berço de ouro. A mãe, uma pacata professora. E o filho primogênito é um bem sucedido atleta de rúgbi, presente em capas de revistas esportivas nacionais e estrela da seleção argentina.

domingo, maio 24, 2015

Parapolítica e subversão ocultista no filme "A Montanha Sagrada"

Em 1980 John Lennon concedeu entrevista à “Playboy” onde dizia que caíra fora dos Beatles porque eles teriam sido criados por “craftsmen” (termo ambíguo que pode designar tanto “artistas” ou “artesãos” quanto “iniciados ao ocultismo"). Sete anos antes Lennon ajudou a financiar o filme “A Montanha Sagrada” (1973) do chileno Alejandro Jodorowsky, sobre oito "craftsmen" (poderosos industriais e políticos) que são iniciados por um alquimista na busca da verdadeira fonte do Poder: a imortalidade e o aprimoramento espiritual. Verdadeiros magos negros donos dos mercados de armas, moda, arte, brinquedos, drogas e sexo. Pretendem alcançar a chamada “montanha sagrada” em uma distante ilha. Jodorowsky buscou no filme uma dupla subversão: denunciar a dimensão parapolítica onde magos ocultistas formariam a elite mundial que aplicaria sofisticadas técnicas psíquicas de controle social; e do outro didaticamente mostrar para os espectadores os passos da iniciação ocultista que poderia nos livrar das ilusões que nos prendem ao mundo material e ao julgo dessas elites ocultistas.

Depois de conseguir a atenção do público alternativo e das chamadas “sessões da meia-noite” em cinemas underground de Nova York com o filme El Topo (1970), o diretor chileno Alejandro Jodorowsky conseguiu o suporte financeiro de John Lennon e Yoko Onno para o seu projeto espiritual cinematográfico A Montanha Sagrada – a princípio, um filme que continuaria a temática de El Topo, isto é, sobre purificação, a descoberta da Verdade por trás das aparências do mundo (Maia) e, por fim, a constante busca pelo aprimoramento espiritual.

terça-feira, outubro 28, 2014

O humano, demasiado humano no filme "Relatos Selvagens"



O homem atual seria um Sísifo moderno? Assim como o personagem da mitologia grega, condenado a carregar eternamente uma enorme pedra ao topo da montanha, o homem estaria condenado a não encontrar Deus, sentido ou propósito na existência, a não ser encontrar a si próprio – o humano, demasiado humano. Esse é a desconcertante co-produção Argentina/Espanha “Relatos Selvagens”, seis curtos relatos de pessoas comuns diante de circunstância incomuns: situações extremas com muito humor negro (e bota negro nisso) onde acabam sendo despertados em cada um os instintos mais básicos de vingança e violência. Em falso tom de comédia, o diretor Damián Szifrón parece querer brincar com o espectador: afinal, estamos rindo do quê?

quinta-feira, outubro 31, 2013

Cinema de ficção científica do Sul mostra o novo Big Brother


A fala do cientista chefe da NASA, Dennis M. Bushnell, de que a solução para todos os problemas globais seria despachar a humanidade para o mundo virtual das redes eletrônicas, livrando o planeta da ação daninha do homem, é o sintoma de uma crise da nossa percepção de futuro. Filmes de ficção científica da América Latina e de países periféricos à Zona do Euro refletiriam esse sintoma cultural onde o futuro não é nem utópico nem distópico, mas agora hipo-utópico: um estranho futuro cada vez mais parecido com o presente. A alta tecnologia convivendo com favelas, deterioração urbana, precarização do trabalho e muito lixo que, muitas vezes, se confunde com seres humanos ou alienígenas que necessitam ser controlados, confinados, descartados ou eliminados. O novo Big Brother não integra a todos obrigatoriamente como nas distopias 1984 ou Admirável Mundo Novo, mas agora exclui a maioria compulsoriamente como mostrado nos filmes da chamada “Ficção Científica do Sul”.

                Um mundo ameaçado pelo aquecimento global e guerras. Causa: política, religião, megalomania, crescimento populacional e disputas territoriais. Solução: inteligência artificial, nanoteconolgia e biotecnologia, substituindo progressivamente a ação humana pela automação e robótica. Afastado de profissões enfadonhas como “caixas de banco, frentistas de postos de gasolina, ensino, pilotos, soldados”, o ser humano ocuparia seu tempo livre habitando mundos virtuais tri-dimensionais simulando, por exemplo, “a experiência de se sentar numa praia tropical”. Mais do que isso, o planeta se livraria da ação econômica e política humanas historicamente danosas ao meio ambiente simplesmente transferindo a humanidade para o mundo virtual das redes eletrônicas conectadas com o sistema neuronal humano.

Sobre o quê estamos falando? A sinopse de algum filme de ficção científica ? Longe disso. Essa é a síntese de uma palestra proferida por Denis Bushnell, cientista chefe da NASA no Langley Research Center, na Conferência da World Futurist Society em Boston, EUA em Julho de 2010. Se essas projeções do cientista chefe da NASA vão ocorrer isso pouco importa. O mais importante é a estranha ironia que guarda essa notícia: no espaço de uma organização civil que pretende reunir cientistas e intelectuais para propor visões para o futuro, Bushnell propõe uma estranha utopia, onde a humanidade, de tão inútil e maléfica para o planeta, seria despachada para uma espécie de nowhere virtual. Contrariando a visão de um futuro como lugar que alcançaríamos (seja utópico ou distópico), Bushnell propõe uma migração da espécie humana desnecessária para um “não lugar”.

sexta-feira, outubro 04, 2013

A luz que nos cega no filme "El Topo" de Jodorowsky


Um filme cercado de lendas, algumas verdadeiras. John Lennon exigiu que a Apple comprasse seus direitos para exibi-lo em Nova York. Em pouco tempo o filme tornou-se um Cult nas sessões de meia-noite no circuito underground. “El Topo” (aka “The Mole”, 1970), uma produção mexicana do diretor franco-chileno Alejandro Jodorowsky narra em estilo “western spaghetti” de Sérgio Leone a jornada espiritual de um pistoleiro em desoladas paisagens repletas de alusões e alegorias a Jung, Freud, misticismo, esoterismo, filosofias e mitologias bíblicas. Cada plano, cena ou detalhe é um desafio para o espectador tentar resolver os enigmas que se acumulam em cada imagem baseada em fragmentos de textos antigos, fábulas e contos zen. O diretor parece querer que tanto o protagonista quanto o espectador tenham o mesmo destino da toupeira: à procura do Sol ela cava até a superfície. Quando vê o Sol, ela fica cega.

Um homem trajando negro da cabeça aos pés em pleno deserto incandescente cavalga um cavalo negro carregando um guarda-chuva sobre sua cabeça e trazendo atrás na sela um menino nu, exceto por um chapéu de cowboy. O homem para, amarra o cavalo em um poste solitário na areia e vemos nas mãos do menino um urso de pelúcia e uma fotografia em um porta-retrato. O homem diz: “hoje você faz sete anos. Você agora é um homem. Enterre seu primeiro brinquedo e o retrato da sua mãe”. Ele pega uma flauta e toca enquanto o menino segue suas instruções.  Para o espectador, essa cena de abertura será a mais normal e compreensível de todo o filme.

“El Topo” do franco-chileno diretor Alejandro Jodorowsky é cercado de histórias e lendas: suas técnicas de filmagem não eram o que poderia se dizer ortodoxas - normalmente utilizava nativos da região da filmagem como atores e obrigava-os a se submeter a experiências de esgotamento físico diante das câmeras. Rumores dizem que fazia os atores experimentarem o sangue um do outro e de expô-los a violência real. Segundo consta, o próprio Jodorowsky matou os 300 coelhos com as próprias mãos para uma cena do filme.

quarta-feira, junho 26, 2013

Lâmpadas e conspirações no curta argentino "Luminaris"


O mais premiado curta de animação argentino e que chegou a ficar entre os dez finalistas para concorrer ao Oscar da categoria, “Luminaris” (2011) de Juan Pablo Zaramella apresenta em seus seis minutos uma grande riqueza simbólica a partir da colagem de estilos que vai da arte Deco e Surrealismo ao Filme Noir e Neorrealismo. O que representaria a alegoria de um universo alternativo governado por uma estranha força magnética do Sol que arrasta todos para os seus trabalhos? Apesar de Zaramella desconversar sobre o simbolismo do seu curta, podemos fazer um pequeno exercício de leitura do conteúdo da narrativa a partir de três pontos de vista: o marxista, o conspiratório e o gnóstico.

O mais premiado curta argentino, “Luminaris” em 2012 foi pré-selecionado entre os dez finalistas para concorrer ao Oscar dentro de sua categoria. Feito com uma técnica de stop-motion denominada pixilation onde atores reais interagem com objetos inanimados - veja o curta abaixo.

Dirigido por Juan Pablo Zaramella, a narrativa de seis minutos é ambientada em uma Buenos Aires que parece o resultado do cruzamento entre filme noir, realismo fantástico, neorrealismo e surrealismo. O curta conta a história de um homem (Gustavo Cornillón) que vive em um universo alternativo onde o tempo, o trabalho e o cotidiano são controlados pela luz do sol que age como espécie de força magnética, despertando a todos para depois arrastá-los ao trabalho e trazê-los ao final do expediente de volta para casa. O protagonista tem um trabalho rotineiro e repetitivo na linha de montagem em uma fábrica de lâmpadas onde são produzidas de uma forma, digamos, não muito ortodoxa...

sábado, outubro 06, 2012

O mundo que nos expulsa no filme "Lugares Comuns"

O filósofo alemão Hegel dizia que “a coruja de Minerva somente levanta voo ao entardecer” numa alusão à esperança de que a Razão ganhe força em momentos de crise e obscurantismo. E se a Razão falhar? Então, seremos expulsos desse mundo. Esse é o tema filosófico dentro do cenário da crise econômica no filme argentino “Lugares Comuns” (Lugares Comunes, 2002). Um professor de Literatura é compulsoriamente aposentado em um reflexo da crise econômica do país e vê seus valores iluministas e humanistas desmoronarem, sentindo-se um estrangeiro em um mundo cujo lógica não trabalha com soma, mas com subtração.

“Eu sei que existe a desordem, a decepção e a desarmonia. Existe um país nos destruindo, um mundo que nos expulsa, um assassino impreciso que nos mata dia após dia, sem que percebamos. Não tenho uma resposta. Escrevo do caos, da mais completa escuridão”. Essas são as primeiras frases em off do protagonista enquanto escreve apontamentos ou pequenas crônicas para o seu diário. Fernando (Frederico Luppi) é um professor de Literatura em uma universidade em Buenos Aires sob a catastrófica crise econômica argentina do início dos anos 2000 pós-política neoliberais do presidente Carlos Menen.  

Como podemos perceber nessa fala inicial, o filme “Lugares Comuns” fará um paralelo entre a crise em uma dimensão material (a econômica) é a outra crise em um plano metafísico ou filosófico (as velhas questões da Filosofia que, de tão repetidas, tornaram-se “lugares comuns” – caos e ordem, necessidade e liberdade, livre arbítrio e destino).

Fernando é casado com Lili (Mercedes Sampietro) uma assistente social que acompanha de perto as consequências da crise no país. Apegado ao pensamento crítico, ao Iluminismo e Humanismo tenta exercer a crítica literária e, ao mesmo tempo, ensina seus alunos a pensarem e manterem-se longe dos dogmas políticos e religiosos. Tenta transformar a Razão em bússola em um momento de crise e caos social. A frase de Hegel de que “a coruja de Minerva levanta voo somente no entardecer” (a Razão torna-se mais forte em momentos de obscurantismo) seria a convicção salvadora de Fernando.

quinta-feira, agosto 02, 2012

Zumbis invadem Havana em "Juan de los Muertos"

“Juan de los Muertos” (2011), considerado o primeiro filme independente cubano (co-produção Cuba e Espanha), é ao mesmo tempo curioso e irônico. Curioso, porque a figura do zumbi, que desde o diretor George Romero é utilizado como metáfora crítica à sociedade de consumo, agora é utilizada como crítica à ordem socialista. E irônico, pois os zumbis que invadem Havana na ficção, na vida real associam-se a outro clichê cultural norte-americano: a da invasão de Cuba. O filme do diretor Alejandro Brugués parece conter um desejo secreto: a contaminação de Cuba pela modernidade, nem que seja por zumbis: a criatura que é a melhor metáfora para o Capital no pós-moderno.

Definitivamente a vida de Cuba desde a Revolução de 1959 não foi fácil. Tentativas de invasão, embargo econômico liderado pelos EUA, dissidentes conspirando em Miami e agora... zumbis invadem Havana. Pelo menos na ficção. É o filme “Juan de Los Muertos”, de Alejandro Brugués, considerado o primeiro filme independente cubano por não contar com o financiamento do Instituto Cubano de Artes e Indústria Cinematográfica.

Com co-produção da espanhola La Zanfoña Producciones, embora sem contar com dinheiro cubano o governo não interferiu e autorizou inclusive as gravações em monumentos históricos. O filme faz uma sátira ao regime de Fidel Castro através da invasão de zumbis que inexplicavelmente chegam a Havana pelo mar e, ao melhor estilo hollywoodiano, vão aos poucos instaurando o caos e lentamente destruindo a capital, com direito a efeitos digitais dos “disaster movies” como um helicóptero descontrolado explodindo no Capitólio.

O longa cubano foi exibido na 22° Cine Ceará desse ano e causou grande agitação. Em entrevistas, o diretor afirmou que “Juan de los Muertos” já foi vendido para 12 países (ainda sem previsão para chegar no Brasil) e está fazendo inesperado sucesso nos Estados Unidos. Na estreia em Havana, no Festival de Cinema no ano passado, havia 15 mil pessoas tentando entrar no cinema. “Parecia show de rock”, disse Alejandro. 

Questionado se os zumbis seriam uma metáfora por serem tão podres quanto o conceito de “novo homem” pregado pela revolução cubana, Alejandro afirmou que o filme critica a “ideologia que previa construir heróis cubanos” e que esse conceito político “perdeu completamente significado”.

Curiosa esse aplicação da metáfora dos zumbis para a realidade política cubana. Os zumbis como metáfora surgem na história cinematográfica como uma crítica à intolerância racial em “Noite dos Mortos Vivos” (1968) de George Romero, contra o militarismo norte-americano em “A Volta dos Mortos Vivos” (1985) de Dan O’Bannon ou “Madrugada dos Mortos” (2004) onde zumbis tentam invadir um shopping na melhor aproximação entre zumbis e sociedade de consumo – consumistas como fossem mortos-vivos. Portanto, os zumbis sempre foram usados como metáfora crítica à sociedade capitalista. Dessa vez, a força metafórica dos zumbis é direcionada a uma crítica à ordem socialista.

sexta-feira, maio 18, 2012

A globalização do "salve-se quem puder" no filme "Nove Rainhas"

O filme argentino “Nove Rainhas” (Nueve Reinas, 2000) do falecido diretor Fábian Bielinsnky continua ainda desconhecido no Brasil. Embora reflita o colapso econômico argentino do final da década de 1990 e a amoralidade que a corrupção e a inflação estariam provocando na cultura nacional, permanece bem atual. O impacto mundial (nos EUA mereceu um remake de qualidade bem inferior) da saga de dois anti-heróis trambiqueiros que descobrem que, na verdade, a própria sociedade é feita de pequenos e grandes golpes, fez Bielinsky afirmar que o sucesso do filme simbolizaria “a globalização do salve-se quem puder”. Provavelmente porque Bielinsky explora dois grandes arquétipos da literatura e do cinema: o "Pícaro" e o "Trickster".

“Nove Rainhas” (Nueve Reinas, 2000) se tornou um dos mais aclamados filmes argentinos recentes. Quase não foi visto no Brasil, renegado apenas a festivais e obscuras exibições. Nos EUA fez tanto sucesso que rendeu um remake com qualidade inferior chamado “171” (Criminal, 2004).


À primeira vista o filme se trata de mais uma estória de anti-heróis, pobres diabos que vivem de pequenos golpes na espera de encontrar a oportunidade de aplicar a grande e definitiva trapaça que o faça subir na vida e ser respeitado por todos. Mas há algo de perturbador no roteiro escrito e dirigido por Fábian Bielinsky: e se esse pobre diabo descobrir que, na verdade, a sociedade inteira é formada por anti-heróis e que jogos e trapaças já fazem parte da rotina de todos os níveis sociais, das ruas até as instituições? E se a sociabilidade for uma ficção necessária para encobrir esta realidade crua?

Toda a narrativa do filme se passa nas ruas e lugares públicos em Buenos Aires (bares, restaurantes e saguões de hotéis) em um espaço de tempo de pouco mais de 24 horas, da madrugada até a manhã do dia seguinte.


Marcos (Ricardo Darín) e Juan (Gaston Paulus) vivem de pequenos trambiques até encontrarem-se por acaso em um golpe malogrado em uma loja de conveniência. Tornam-se sócios em uma oportunidade que Marcos chama de “uma oportunidade em um milhão”: uma milionária negociação com um milionário espanhol envolvendo uma série de selos raríssimos falsificados, as “nove rainhas” do título. O negócio tem que ser realizado imediatamente, custe o que custar, já que o milionário deixará a cidade na manhã do dia seguinte. Enquanto o experiente golpista Marcos ensina ao jovem e inexperiente Juan os segredos do “ofício”, conta com a ajuda da irmã Valéria (Letícia Bredice) que trabalha no hotel onde o espanhol está hospedado. Mas questões familiares pendentes azedam a relação com a irmã, dificultando ainda mais o golpe milionário.

segunda-feira, janeiro 02, 2012

O Diabo tem um plano em "Querida, Voy a Comprar Cigarrillos y Vuelvo"

Ter uma segunda chance para voltar no tempo e redimir-se das decisões erradas na vida. Uma velha estória sempre contada pelos filmes hollywoodianos sob um viés moralista. Mas no filme argentino Querida, Voy a Comprar Cigarrillos y Vuelvo” (2011) o tema vai mais além ao acrescentar o elemento do Fantástico: um homem medíocre e fracassado faz um pacto faustiano com o demônio na tentativa de, através do conhecimento do futuro, manipular o Tempo, o Destino e enganar o próprio demônio. Através de uma narrativa irônica e de humor cáustico, cria-se um clima ambíguo onde é impossível julgar o anti-herói. Indicado pelo nosso leitor Fabio Hofnik, o blog conferiu o filme.

Certa vez ouvi de alguém: “Passamos metade da vida tentando corrigir os erros que cometemos na outra metade.” É possível termos uma segunda chance depois de tomarmos consciência das decisões erradas do passado? E se tivermos essa chance, teremos a sabedoria e o livre-arbítrio para não cair nos mesmos erros?

Uma estória contada seguidas vezes pelo mainstream hollywoodiano, sempre pelo otimista viés moralista e religioso que nunca coloca em questão um aspecto: o homem realmente quer mudar? Ou será que a mediocridade e o obscurantismo a qual a vida nos reserva pode impedir essa mudança?

A dupla de diretores argentinos Mariano Cohn e Gastón Duprat vai mais além ao tratar um tema tão recorrente acrescentando o elemento do Fantástico: a presença do Mal através da figura de uma espécie de demônio e a vitimização humana diante de uma realidade que o condena à mediocridade. De um lado um antigo mercador (Eusebio Poncela) que, no século III no Marrocos, é atingido duas vezes seguida por um raio tornando-se um ser imortal que vaga pelo mundo propondo tratos e fazendo trapaças temporais. Do outro, Ernesto (Emilio Disi), um sessentão que passa os dias queixando-se das oportunidades que teve e fracassou, casado com uma mulher que a todo momento joga na cara o seu fracasso.

quarta-feira, dezembro 28, 2011

O Filme "El Método" e a "Gameficação" da Realidade



Games de simulações de atividades militares, administrativas etc. poderiam representar que a própria realidade pretensamente simulada já é, igualmente, um game? A “gameficação”,isto é, a exploração do elemento “lúdico” como ferramenta de administração treinamento, gestão etc, seria o sintoma da "gameficação" da própria realidade? O filme "O Que Você Faria? (El Método, 2005) remete a essas questões ao denunciar que as organizações atuais estão se convertendo em games perversos e autistas.

segunda-feira, julho 11, 2011

Filme "2033": Quando a Religião vai do Ópio à Libertação

A ficção científica mexicana "2033" (2009) é o sintoma do mal estar-estar de um país arrasado pela violência do narcotráfico e pelo desastre econômico após anos de políticas neoliberais.  E surpreende ao retratar a religião não como o ópio mas como instrumento de resistência e libertação.

Indicado pelo leitor desse humilde blog Nelson Jonas, a ficção científica mexicana “2033”, embora carregada de clichês das sci-fi norte-americanas, desempenha o importante papel de ser o contraponto crítico de uma época. Se no seminal neoliberalismo da década de 80 de Margareth Thatcher e Ronald Reagan tivemos filmes como “Robocop” (1987 – ambientado em uma Detroit onde o Departamento de Polícia era privatizado pela empresa OCP criando um sistema político corrupto envolvendo um cartel de drogas), no filme 2033 temos um México pós-experiência neoliberal onde o Estado foi reduzido a sua forma fascista (repressiva e policial) e as grandes corporações bancam um apartheid sócio-econômico.

Ao lado disso o filme aborda o tema da Religião. Se nas sci-fi distópicas como “O Livro de Eli” (The Book of Eli, 2010 – já analisado nesse blog, veja links abaixo) a religião é apresentada como o “ópio” do povo nas mãos dos poderosos, no filme mexicano ela desempenha o surpreendente papel de resistência e libertação. Isso porque no sistema fascista pós-neoliberal o ópio ideológico passam a ser as drogas produzidas por uma poderosa corporação farmacêutica.

O filme “2033” é a estreia do diretor Francisco Laresgoiti, fundador da produtora La Casa de Cine e conhecido como diretor de vídeos publicitários, curtas e vídeos experimentais.  A narrativa se passa na Cidade do México de 2003, agora conhecida como Villa Paraíso. Um Estado convertido em mero aparelho policial e repressivo controla a sociedade, bancado por corporações de telecomunicações, farmacêuticas, energia e Cryo-pausa (onde intelectuais, cientistas e políticos são guardados em armazéns congelados para que suas mentes sejam reprogramadas para posteriormente serem úteis aos sistema).

O enorme desenvolvimento tecnológico apenas fez aprofundar a divisão social: nos subúrbios vivem os pobres que são caçados por esporte pelos ricos como fossem animais. Ao mesmo tempo, os cidadãos são “pacificados” pela bebida viciante chamada “pactia” cujo principio ativo é uma droga chamada “Tecpanol” produzida pela corporação farmacêutica Phaarmax.  Dessa forma, temos um retrato distópico: enquanto os cidadãos são oprimidos quimicamente, os pobres o são pela miséria e violência (uma interpretação do México atual?).

sexta-feira, fevereiro 11, 2011

O Gótico Gnóstico “La Casa Muda”: é possível o horror em tempo real?

Exibido no Festival de Cannes e no Festival do Rio 2010, “La Casa Muda” (Uruguai, 2010) de Gustavo Hernandéz é um suspense/terror que promete “o medo em tempo real”. Filmado num único plano- sequência, Hernandez surpreende o espectador ao inserir no filme (supostamente sem os truques dos planos e montagens) o tempo psicológico e a confusão entre percepção e projeção psíquica da protagonista. Ou seja, o filme insere elementos góticos e gnósticos em uma narrativa supostamente objetiva, onde a verdade não está nas imagens em movimento, mas nas fotografias.

Webcams, “vídeo-cassetadas”, reality shows e a popularização das câmeras digitais sem dúvida alteraram nossa sensibilidade em relação àquilo que definimos como “realidade”. As transformações ocorridas no gênero Terror no cinema, assim como a experiência do horror, certamente refletem essa evolução das mediações tecnológicas. Desde filmes como “A Bruxa de Blair” (The Blair Witch Project, 1999) há uma busca da experiência do horror em tempo real: o registro visual de uma câmera hesitante, em plano-sequência, tudo aparentemente sem cortes, a imagem granulada e borrada. O horror diante de uma realidade documental.

Esse movimento já era perceptível no cinema dos anos 70 como os primeiro horror explícito em “O Exorcista” (vômitos verdes e violência explícita), as lendas dos “snuffs movies” (Filmes violentos de caráter mórbido e sexual em que depois de violada e humilhada a vítima era assassinada) e o sucesso da série de vídeos VHS “As Faces da Morte” nos anos 80 (vídeos documentais de mortes bizarras).

O filme uruguaio “La Casa Muda” do diretor Gustavo Hernandez aparentemente se inscreve nessa tendência ao ser promovido como “o medo em tempo real” onde vemos 74 minutos de plano-sequência narrando a tentativa desesperada da protagonista Laura (Florencia Colucci) em escapar de uma casa que oculta um sinistro segredo. Além disso, o filme também é oferecido como baseado em fatos reais que teriam ocorrido em 1944 em um vilarejo no Uruguai quando foram encontrados dois corpos mutilados em uma casa de campo.

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