quinta-feira, agosto 02, 2012

Zumbis invadem Havana em "Juan de los Muertos"

“Juan de los Muertos” (2011), considerado o primeiro filme independente cubano (co-produção Cuba e Espanha), é ao mesmo tempo curioso e irônico. Curioso, porque a figura do zumbi, que desde o diretor George Romero é utilizado como metáfora crítica à sociedade de consumo, agora é utilizada como crítica à ordem socialista. E irônico, pois os zumbis que invadem Havana na ficção, na vida real associam-se a outro clichê cultural norte-americano: a da invasão de Cuba. O filme do diretor Alejandro Brugués parece conter um desejo secreto: a contaminação de Cuba pela modernidade, nem que seja por zumbis: a criatura que é a melhor metáfora para o Capital no pós-moderno.

Definitivamente a vida de Cuba desde a Revolução de 1959 não foi fácil. Tentativas de invasão, embargo econômico liderado pelos EUA, dissidentes conspirando em Miami e agora... zumbis invadem Havana. Pelo menos na ficção. É o filme “Juan de Los Muertos”, de Alejandro Brugués, considerado o primeiro filme independente cubano por não contar com o financiamento do Instituto Cubano de Artes e Indústria Cinematográfica.

Com co-produção da espanhola La Zanfoña Producciones, embora sem contar com dinheiro cubano o governo não interferiu e autorizou inclusive as gravações em monumentos históricos. O filme faz uma sátira ao regime de Fidel Castro através da invasão de zumbis que inexplicavelmente chegam a Havana pelo mar e, ao melhor estilo hollywoodiano, vão aos poucos instaurando o caos e lentamente destruindo a capital, com direito a efeitos digitais dos “disaster movies” como um helicóptero descontrolado explodindo no Capitólio.

O longa cubano foi exibido na 22° Cine Ceará desse ano e causou grande agitação. Em entrevistas, o diretor afirmou que “Juan de los Muertos” já foi vendido para 12 países (ainda sem previsão para chegar no Brasil) e está fazendo inesperado sucesso nos Estados Unidos. Na estreia em Havana, no Festival de Cinema no ano passado, havia 15 mil pessoas tentando entrar no cinema. “Parecia show de rock”, disse Alejandro. 

Questionado se os zumbis seriam uma metáfora por serem tão podres quanto o conceito de “novo homem” pregado pela revolução cubana, Alejandro afirmou que o filme critica a “ideologia que previa construir heróis cubanos” e que esse conceito político “perdeu completamente significado”.

Curiosa esse aplicação da metáfora dos zumbis para a realidade política cubana. Os zumbis como metáfora surgem na história cinematográfica como uma crítica à intolerância racial em “Noite dos Mortos Vivos” (1968) de George Romero, contra o militarismo norte-americano em “A Volta dos Mortos Vivos” (1985) de Dan O’Bannon ou “Madrugada dos Mortos” (2004) onde zumbis tentam invadir um shopping na melhor aproximação entre zumbis e sociedade de consumo – consumistas como fossem mortos-vivos. Portanto, os zumbis sempre foram usados como metáfora crítica à sociedade capitalista. Dessa vez, a força metafórica dos zumbis é direcionada a uma crítica à ordem socialista.

Ao mesmo tempo, há uma ironia nesse filme: na narrativa o governo cubano anuncia pela TV uma conspiração do imperialismo norte-americano por trás da invasão dos zumbis em Havana. Se pensarmos bem, a explicação bizarra oferecida aos “companheiros” cubanos tem lá seu fundamento fora da ficção. 

Poster do filme
na versão norte-americana
Zumbis e invasão de Cuba são clichês recorrentes na indústria cultural e inteligência militar norte-americanas: de personagens cults os mortos-vivos tornaram-se um típico produto cultural norte-americano globalizado. E desde a fracassada invasão à Baia dos Porcos por dissidentes treinados pela CIA em 1961, por ordem do então presidente John Kennedy, a longevidade do modelo socialista cubano a poucas milhas de Miami virou uma pedra ideológica nos coturnos do Tio Sam.

“Juan de los Muertos” parece juntar essas duas obsessões ao fazer um arquétipo hollywoodiano invadir a ilha de Cuba pelo mar – o filme deixa no ar de onde vieram e o porquê daquela legião de zumbis andando pelo solo oceânico.

Juntando a curiosidade e a ironia descritos acima podemos dar uma ajuda à revolução cubana contra essa nova invasão, fazendo uma teoria materialista histórica dos zumbis! Explicando melhor, tentar entender como uma metáfora crítica à sociedade de consumo de repente volta-se contra uma sociedade socialista. Uma tarefa dura, mas o bom e velho método do materialismo histórico de Karl Marx pode nos ajudar a dar uma mão aos companheiros cubanos.

Juan, o livre empreendedor


Mas antes, uma breve sinopse: o filme começa com os protagonistas Juan e Lazaro (uma dupla de malandros que vive de pequenos golpes e biscates) pescando numa barca improvisada. Lázaro sugere fugir para Miami (fã dos EUA seu filho chama-se Califórnia). Juan responde que em Miami terão que trabalhar e em Cuba basta pescar. Em seguida algo morde o anzol, puxam a corda e... aparece um zumbi! Logo toda Havana é dominada por eles.

Praticamente toda a narrativa é construída sobre uma única piada: os zumbis juntam-se aos cidadãos, mas ninguém parece perceber no início porque todos já possuem a aparência de zumbis sob o regime castrista. 

Por isso, a epidemia espalha-se rapidamente. A partir daí o filme adquire um ritmo frenético usando todos os clichês do gênero – os zumbis mais lentos são chamados de “dissidentes”, talvez uma ironia à incapacidade dos dissidentes reais em destronar o regime de Fidel Castro.

Juan e Lazaro veem uma oportunidade de ganhar dinheiro no caos. No melhor estilo de “empreendedorismo” ou “livre iniciativa” capitalista montam uma agência de extermínio de zumbis: “Juan dos Mortos – mate os seus entes queridos”.

Uma Teoria Materialista dos zumbis


Se no materialismo histórico de Karl Marx as formas de pensar de uma dada sociedade são determinadas, em última instância, pelos meios através dos quais os homens produzem coletivamente os bens necessários para atender às necessidade, então os zumbis (e até os monstros – a teratologia) devem ser pensados à luz das mudanças econômicas ocorridas na sociedade capitalista.

Os mortos-vivos surgem como uma metáfora crítica após uma outra metáfora: a dos vampiros. Um ser que subjuga por uma espécie de hipnose para depois sugar o sangue da vítima era a melhor metáfora para o Capital e a Burguesia. Em tempos de mais-valia absoluta e mais-valia relativa, a denúncia da exploração através do não pagamento a horas de trabalho era a revelação de que todo o discurso liberal valor trabalho, da livre iniciativa e do lucro baseava-se na violência e exploração: o capital acumula-se por meio da mais-valia, quantidade de trabalho não pago. “O capital é trabalho morto, um vampiro que só sobrevive sugando trabalho vivo”, escreveu certa vez Karl Marx.

São os tempos “duros” do capitalismo onde a ordem exploradora era imposta por meio da inculcação ideológica (hipnose, subliminar e manipulação são as metáfora “duras” para o controle das mentes).

Mas no chamado “Capitalismo Tardio” ou “Pós-Moderno” as coisas tornam-se mais soft: surge "desmaterialização" da economia que corresponderia ao fato de que, cada vez menos, a fonte do lucro ou da riqueza tem sua origem no circuito da produção. Essa deixa de ser visivelmente localizável, para encontrar formas flexíveis de acumulação: a princípio em novos vínculos trabalhistas, como a terceirização, porém, quanto mais o capital migra da produção para a esfera da circulação (financeira, midiática, etc.), mais se impõe uma nova forma de riqueza "fora do chão" ‑ o valor agregado.

O Capital encontra na esfera da Circulação novas formas de acumulação (financeirização nas suas mais diversas formas), deixando de ficar tão dependente da formas imediata de mais-valia, por assim dizer, “física” – explorar o operário na linha de montagem.

Por isso, a melhor metáfora é a da liquidez, contágio e informidade - oposto ao disforme. Pela liquidez, o Capital pode assumir qualquer forma (informidade), é contagiante e viral. O Capital não suga mais como os vampiros: ele devora, assim como um câncer em metástase; assim como os mortos-vivos.

O novo poder ideológico do Capital não é mais pela forma “dura” da inculcação, mas pela fluidez do contágio: consumismo, modas, vírus, e... zumbis.

Assim como a publicidade do filme “Juan de Los Muertos” fala: “depois de 50 anos do triunfo da  Revolução, uma outra Revolução está para começar: a Revolução dos Zumbis”. O slogan promocional expressa o desejo que Cuba se “modernize”, seja contagiada pelo vírus dos mortos vivos e também se globalize para entrar na órbita da circulação das novas iniciativas e serviços. Assim como Juan e Lázaro são imbuídos do espírito de “empreendedorismo” e criam um serviço free lance fora do controle do Estado e do Partido Comunista.

Essa abordagem materialista talvez explique porque uma metáfora tão crítica e cult seja agora associada ao recorrente desejo de “modernização” de Cuba. Talvez porque esse verdadeiro arquétipo contemporâneo que é a figura do zumbi seja não tanto uma metáfora crítica, mas uma expressão da forma de existência do Capital na sua forma líquida atual: ele devora e contamina tudo, e há muito tempo tenta aportar em Cuba.

Ficha Técnica

  • Título: Juan de Los Muertos
  • Diretor: Alejandro Brugués
  • Roteiro: Alejandro Brugués
  • Elenco: Alexis Diaz de Villegaz, Jorge Molina, Andrea Duro, Jazz Vilá e Andros Perugorría
  • Produção: La Zanfoña Producciones e Producciones de La 5ta Avenida
  • Distribuição: Outsider Pictures e Focus World (EUA)
  • País: Cuba e Espanha
  • Ano: 2011



Tecnologia do Blogger.

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Bluehost Review