domingo, abril 16, 2017

Curta da Semana: "El Empleo" - o emprego que te espera no futuro


Com mais de 100 prêmios na sua trajetória em festivais, o curta de animação argentino “El Empleo” (2008) é uma produção bem oportuna para os tempos atuais em que vivemos onde o melhor remédio prescrito para a crise econômica e o desemprego são eufemismos como “terceirização”, “empreendedorismo” etc. O curta é o paroxismo da situação atual: para gerar emprego uma sociedade parece consumir a si mesma -  pessoas começam a assumir a função de objetos cotidianos em “inovadoras” formas de “prestação de serviço”: a mulher-cabide, o homem-abajur e assim por diante. Um curta surreal e tragicômico, mas que dá muito no que pensar. Curta sugerido pelo nosso leitor A.Lex.

Em tempos de crise econômica, desemprego e, o que é pior, tempos nos quais o remédio prescrito para todos os males é a chamada “flexibilização do trabalho” (terceirização, “jornadas intermitentes”, empreendedorismo etc.) assistir ao curta argentino El Empleo (O Emprego, 2008), de Santiago Grasso e Patricio Plaza, é oportuno. Não é exatamente tranquilizador, mas dá muito no que pensar.

O curta já arrematou 102 prêmios e faz uma crítica sobre o destino do trabalho sob o Capitalismo de uma forma inteligente e sucinta nos seus sete minutos. Ao contrário de muitas produções sobre o mesmo tema que se perdem no cunho ideológico do protesto, El Empleo tem uma narrativa fluida, simples que acaba prendendo nossa atenção, mas sem perder o engajamento político e poético.

A reflexão direta que o curta faz sobre as relações de trabalho na atualidade vai muito além da visão tradicional cujo ícone é Charlie Chaplin em Tempos Modernos: a alienação do trabalhador na linha de montagem industrial, os movimentos repetitivos, o esgotamento físico e nervoso etc.


Capitalismo Cognitivo


A reflexão de Chaplin naquele filme clássico era dos tempos do capitalismo industrial, das relações tradicionais entre Capital e Trabalho marcadas pela exploração da chamada, em termos marxistas, “mais-valia” seja absoluta (exploração pelo alongamento de horas de trabalho) ou relativa (a intensidade do trabalho no mesmo número de horas).

El Empleo já está em outro cenário de transfiguração do capitalismo – o chamado “Capitalismo Cognitivo” do trabalho precarizado no qual o desemprego é o outro lado da moeda do trabalho. Condenados a serem “empreendedores de si mesmos”, os antigos trabalhadores terão que precarizar cada vez mais seus ofícios. A “criatividade” e “inovação” para buscar novos nichos de ofertas de serviços convergirá para formas inéditas de precarização e jornadas absurdas de trabalho.

O Curta


O curta nos apresenta uma sociedade que, para criar novos “empregos”, canibaliza-se em absurdas ofertas novas de serviços: seres humanos ocupam o lugar de objetos como novos e surreais serviços – cabides de roupas, carros, abajur, sinal de trânsito, capachos (aqui um tragicômico trocadilho das relações de poder no trabalho) etc.

O curioso é que essa reflexão crítica radical só poderia vir de uma produção audiovisual feita num país como a Argentina, cuja economia vive eternamente em crise desde os tempos do peronismo, ditadura militar, as experiências neoliberais dos anos 1990. a precarização dos serviços públicos pelas privatizações e a atual fase de mais crise econômica, desemprego e greves gerais de protesto.

Argentina ainda possui resistente cultura de influência europeia que enfrenta heroicamente a americanização midiática (bem diferente do Brasil que rapidamente capitulou à hollywoodinização das produções da TV Globo), cujas ideias de “inovação”, “modernização”, “flexibilização” são sempre consideradas como intrinsecamente boas – obscurecendo a verdadeira natureza de eufemismos ideológicos para dourar a pílula da crescente brutalização do cotidiano.

No curta são marcantes as representações da mulher-cabide ou do homem-abajur: eles não estão apenas lá, estão sofrendo, entediados. Suas expressões são ao mesmo tempo de derrota e resignação. Todo um emaranhado de sentimentos que devem ser superados pela imaginário meritocrático de que o sucesso ainda é possível. Enquanto o mal estar psíquico é mitigado ou pelos manuais de autoajuda ou pelas histórias de sucesso reportadas pela grande mídia.


A distopia de “Moderninhas” e “Minizinhas”


Uma brutalização própria do Capitalismo Cognitivo cuja realidade exige uma capacidade de resignação e adaptação cada vez mais radical dos indivíduos – daí a natureza “cognitiva” dessa nova ordem do trabalho que exige cada vez mais quesitos “abstratos” ou “imateriais” como “inteligência emocional”, “Pro-atividade”, “foco”, “superação” e toda uma constelação de novos eufemismos que, como sempre, servem para justificar os novos e absurdos nichos de serviços.

El Empleo leva ao paroxismo esse projeto do Capitalismo Cognitivo: o empreendedorismo levado à situação na qual a sociedade se autoconsome.

Uma situação análoga a do indivíduo que, sob condições extremas de fome ou alteração do metabolismo basal, seu corpo começa a entrar no chamado “processo catabólico” - processo de degradação no qual o corpo começa a consumir seu próprio tecido muscular.

Talvez o melhor indicador dessa distopia de El Empleo para a qual nos dirigimos a passos largos são aqueles comerciais engraçadinhos das maquininhas de débito e crédito da “Moderninha” com a Alessandra Negrini e a “Minizinha” com o Michel Teló.

Enquanto a “Moderninha” mostra uma prestadora de serviço robótica que manipula a máquina diante de uma fila de clientes, na “Minizinha” Teló é um pequeno empreendedor de si mesmo que vende qualquer coisa na praia com todos (comerciante e clientes) dançando alegres.

A PagSeguro do grupo Universo On Line (Uol) sabe que está no momento certo de investir em soluções de comércio eletrônico com empregos se pulverizando em milhares de “empreendedores de si mesmo” em busca da terra prometida na qual a força de trabalho magicamente se converterá em capital.


Quem sabe os homens-objeto do curta El Empleo têm também em seus bolsos “Moderninhas” e “Minizinhas” para cobrarem pelos seus “serviços” de clientes que também são homens-objeto-capachos.

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