Em
1980 John Lennon concedeu entrevista à “Playboy” onde dizia que caíra fora dos
Beatles porque eles teriam sido criados por “craftsmen” (termo ambíguo que pode
designar tanto “artistas” ou “artesãos” quanto “iniciados ao ocultismo"). Sete
anos antes Lennon ajudou a financiar o filme “A Montanha Sagrada” (1973) do
chileno Alejandro Jodorowsky, sobre oito "craftsmen" (poderosos industriais e
políticos) que são iniciados por um alquimista na busca da verdadeira
fonte do Poder: a imortalidade e o aprimoramento espiritual. Verdadeiros magos
negros donos dos mercados de armas, moda, arte, brinquedos, drogas e sexo. Pretendem alcançar a chamada “montanha sagrada” em uma distante ilha. Jodorowsky buscou no filme uma
dupla subversão: denunciar a
dimensão parapolítica onde magos ocultistas formariam a elite mundial que
aplicaria sofisticadas técnicas psíquicas de controle social; e do outro
didaticamente mostrar para os espectadores os passos da iniciação ocultista que poderia
nos livrar das ilusões que nos prendem ao mundo material e ao julgo dessas
elites ocultistas.
Depois de conseguir a atenção do
público alternativo e das chamadas “sessões da meia-noite” em cinemas
underground de Nova York com o filme El
Topo (1970), o diretor chileno Alejandro Jodorowsky conseguiu o
suporte financeiro de John Lennon e Yoko Onno para o seu projeto espiritual
cinematográfico A Montanha Sagrada –
a princípio, um filme que continuaria a temática de El Topo, isto é, sobre purificação, a descoberta da Verdade por
trás das aparências do mundo (Maia) e, por fim, a constante busca pelo
aprimoramento espiritual.
Em uma entrevista dada à revista Playboy em
1980, Lennon sugeria que os Beatles tinham sido produtos de “artesãos”(craftsmen),
expressão ambígua que pode designar tanto “artistas” quanto iniciados em magia
e ocultismo. E que, sabendo disso, tinha pulado fora pois “não estava
interessado em se tornar um” – sobre isso clique aqui.
Assistindo ao filme A Montanha Sagrada é impossível não estabelecer essa conexão entre
o interesse de Lennon em Jodorowsky e a temática do filme com acento naquilo
que o Cinegnose chama de “parapolítica”- as secretas conexões entre política,
magia e ocultismo.
A sinopse do filme deixa isso bem claro:
“Nove dos mais poderosos industriais e políticos dos planetas desejam obter a imortalidade. Um Alquimista (Jodorowsky) lhes fala da Montanha Sagrada da Ilha de Lótus, onde moram nove imortais, que agora têm mais de 30.000 anos. ‘Alguns homens juntam forças para assaltar bancos e roubar dinheiro’, o Alquimista conta. Mas os poderosos devem unir forças para assaltar a Montanha Sagrada e roubar desses homens sábios o segredo da imortalidade. Mas para conquistar o segredo dos imortais, nós também devemos nos tornar homens sábios”.
Jodorowsky
propõe no filme um paradoxo: homens politicamente poderosos e, por isso,
aparentemente materialistas (acreditamos que homens poderosos querem unicamente
Dinheiro e Poder) travam uma jornada espiritual de purificação onde, inclusive,
devem queimar ritualisticamente malas de dinheiro. Nessa jornada deverão
abandonar tudo, seus passados, posses materiais, prazeres carnais e a si
mesmos, para adquirirem uma supraconsciência. Magos negros? Uma jornada
iniciática que os leva a uma metáfora do Himalaia e Tibet? Uma espécie de
Central Psíquica de onde, do teto do planeta, o mundo é governado
psiquicamente?
O fato é que A Montanha Sagrada é uma experiência cinematográfica, sensorial e
simbólica para o espectador. Parece que Jodorowsky não apenas quis mostrar o modus operandis da conquista psíquica
dos corações e mentes das massas pelos poderosos, mas também criar uma espécie
de manual prático e didático de Iniciação ao alcance de todos, de forma quase
Universal. A Montanha Sagrada é uma subversão mágico-ocultista.
O Filme
O
filme começa com um homem largado no chão coberto por moscas e excrementos em
um pequeno vilarejo. Na visão bem particular de Jodorowsky sobre o Tarô, o
personagem representa O Louco (mais
tarde será chamado de Ladrão). Com uma figura semelhante a Cristo, tudo o que
consegue é a amizade de um anão sem braços e pernas para logo depois ser
crucificado e apedrejado por crianças locais.
Fugindo
dali, conhece a Cidade repleta de prazeres baratos, violência psicológica e
repressão militar. Assistimos a desfile de soldados e uma representação da
conquista do México pelos espanhóis por uma companhia mambembe de teatro de rua...
representados por sapos que no final
explodem em uma pequena maquete com pirâmides maias.
Na
Cidade, O Louco não tem um melhor destino: um grupo de religiosos o sequestra
para fazer cópias dele em gesso para serem vendidas como estátuas de Cristo.
Religiosos acompanhados por prostitutas que seguem o novo Cristo como fossem
devotas cegas – a metáfora da fé mesclada com a prostituição da religião
institucionalizada.
Logo
o Ladrão percebe uma multidão reunida em torno de uma torre de onde desce um
enorme gancho com um saco de ouro que foi enviado em troca de comida. O Louco
encontra uma forma de subir para lá no alto encontrar O Alquimista. Após tentar
derrota-lo em uma luta, é subjugado e submetido a um ritual de iniciação e
autoconhecimento numa mistura de Yoga, Tarô e espelhos onde o seu próprio
excremento é transformado em ouro – mais uma metáfora, dessa vez do
autoconhecimento.
Depois
desse início de mergulho interior, O Alquimista apresenta a ele os “seres mais
poderosos do mundo” que o acompanharão em sua jornada iniciática. Aqui
Jodorowsky faz a abordagem junguiana dos arquétipos do inconsciente coletivo:
cada um representa oito planetas mitológicos – “são ladrões como você, mas em
outro nível”, diz o mestre alquimista. Jodorowsky inicia então uma genial
interpretação sociológica e atual dos deuses-planeta.
Os
arquétipos planetários
Vênus
é dono da indústria têxtil e de modas vivendo em uma corte estilo Marquês de
Sade; Saturno é proprietária de uma indústria que fabrica armas de brinquedos
que trabalha ao lado de governos. Na verdade tem o objetivo de disseminar o
ódio para condicionar crianças para guerras futuras planejadas por computadores: – impossível não lembrar de brinquedos atuais
como a réplica do “caveirão” do BOPE da Roma brinquedos que estimula guerra e
segregação contra favelas e os “pobres” – sobre isso clique
aqui.
Júpiter
tem uma “fábrica de arte” – as referências à Factory, estúdio do artista pop Andy Warhol, são óbvias. Produção de
arte por meio de bundas encharcadas de tinta que “carimbam” telas em uma
esteira rolante para depois serem vendidas por valores astronômicos.
Urano
é um consultor financeiro para os governos mundiais com uma única solução para
qualquer crise econômica: exterminar sempre milhões de seres humanos – assim
como as guerras e ajustes fiscais sacrificam milhões em nome da estabilidade
econômica.
Na
sequência temos ainda Netuno (chefe da repressão policial), Plutão (arquiteto,
cujo projeto é transformar casas populares em algo parecido com um caixão),
Marte (fabrica e vende armas e drogas para criar alucinações de grandeza para
pessoas pacatas de repente tornarem-se armas mortais – alusão a serial killers e os projetos secretos
como o famigerado MK Ultra de manipulação psíquica com objetivos militares).
Queimar o Ego e o Dinheiro
Depois
dos planetas-líderes mundiais se juntarem ao Alquimista e ao Ladrão, chega o
momento de se livrarem do entraves físicos que impedem a jornada espiritual: o
Ego, representado por bonecos-réplicas de cada um que serão jogados em uma
fogueira, juntamente com o dinheiro. Abdicarão de tudo aquilo que os torna
humanos, para depois abraçarem a Morte e a Loucura.
Essa
é a única forma para alguém tornar-se Imortal e um Mago.
Em A Montanha Sagrada parece que Jodorowsky
pretende uma dupla subversão – de um lado, apresentar essa dimensão
parapolítica do poder mundial onde as elites são retratadas como magos
ocultistas com sofisticadas técnicas psíquicas de engenharia social; e do outro
democratizar a iniciação ocultista como forma de nos livrar das ilusões que nos
prendem ao mundo material e ao julgo das elites ocultistas, como sugere o
próprio Jodorowsky na exortação metalinguística no final do filme.
Ou
seja, através de uma didática abordagem da Psicologia Junguiana, Inconsciente
coletivo e Tarô, Jodorowsky quer traçar para o espectador o caminho para uma
jornada de libertação de todas as nossas ilusões, sejam elas políticas ou
individuais.
No
filme, abraçar o Caos (a Loucura e a Morte) como uma jornada alquímica de
transformação interior é representada de uma maneira ambígua: é o pressuposto
da libertação se queremos abandonar todas as ilusões, mas também é o
treinamento psíquico das elites que governam esse mundo. Libertar-se do Ego e
do Dinheiro (lembre-se que na série House
of Cards, o protagonista poderoso Frank deixa bem claro que o Poder nada tem a ver
com dinheiro – sobre isso clique
aqui) significa libertar-se de todas as culpas que prejudiquem as futuras
decisões impiedosas, duras e frias que serão tomadas contra milhões de seres
humanos.
Talvez
seja por isso que práticas ocultistas da elite reveladas em reportagens sobre
os encontros anuais de membros da elite econômica e política mundial no Bohemian Grove, Califórnia, mostram como ponto alto a
cerimônia intitulada “Cremation of Care” – todas as culpas e preocupações
representadas por um boneco (ou mesmo um corpo humano entregue em sacrifício, como falam teorias
conspiratórias) são depositadas em um pira incendiária aos pés de uma
gigantesca estátua de pedra de uma coruja em meio à floresta – clique
aqui.
A jornada alquímica de transformação interior
é de suma importância para o praticante de Magia. Mas também cria as condições
para a flexibilidade moral e intelectual necessária para as ações mais
desumanas em nome de uma suposta supraconsciência.
Não
é à toa que magos de importância histórica como Aleister Crowley acabaram por
trás de sociedades secretas que deram origem ao nazismo na Alemanha. Elites que
abraçaram a Morte e a Loucura como pressuposto psíquico para deflagrarem uma
guerra mundial.
Ficha Técnica |
Título: The
Holy Mountain
|
Diretor:
Alejandro Jodorowsky
|
Roteiro:
Alejandro Jodorowsky
|
Elenco: Alejandro
Jodorowsky, Horacio Salinas, Zamira Saunders, Juan Ferrara, Adriana Page
|
Produção:
ABKCO Music and Records
|
Distribuição:
Anchor Bay Entertainment (DVD)
|
Ano: 1973
|
País: México, EUA
|
Postagens Relacionadas |
|
|
|
|