terça-feira, novembro 25, 2025

Banco Master e a tornozeleira danificada: a guerra oculta pelo controle da pauta midiática

 

Entre a versão oficial de uma fuga frustrada e o relato surreal de vozes vindas da tornozeleira, o episódio da madrugada de sábado em que Jair Bolsonaro teria danificado o dispositivo eletrônico com um ferro de solda revela-se menos como um ato isolado e mais como um espetáculo midiático calculado. No embate entre dolo consciente, surto repentino ou encenação, emerge a hipótese de um “não-acontecimento” ou “pseudoevento”: uma operação semiótica destinada a deslocar o foco das manchetes, obscurecendo o verdadeiro terremoto político-financeiro que representa a liquidação do Banco Master: a ameaça de expor as ligações perigosas entre banqueiros, empresários e o sistema de poder brasileiro. Guerra semiótica pelo controle da agenda midiática que lembra a disputa pelo foco midiático em 2012 entre o escândalo das ligações perigosas do empresário contraventor Carlinhos Cachoeira e o julgamento do Mensalão.

A mídia apresenta para o distinto público, duas razões possíveis para explicar o gesto de Bolsonaro de danificar a tornozeleira eletrônica por volta da meia-noite do sábado (22) com um ferro de solda.

Para o ministro do STF, Alexandre de Morais, Bolsonaro violou o dispositivo “dolosa e conscientemente”, e pretendia fugir durante a vigília convocada pelo filho, Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Por isso, o ministro decretou a prisão preventiva do ex-presidente no mesmo dia.

E para Bolsonaro, em depoimento na Polícia Federal, ele disse que repentinamente sentiu “uma certa paranoia” e “alucinação”, provavelmente relacionado a interações medicamentosas.

O Estadão resolveu dar um toque mais sobrenatural a essa versão repercutindo os relatos de aliados de que Bolsonaro “meteu ferro” porque ele estava “ouvindo vozes vindas do aparelho”.

Dolo consciente ou surto?

Porém, esse humilde blogueiro vai cometer uma ousadia hermenêutica e propor uma terceira interpretação: e se tudo for apenas uma simulação, um não-acontecimento?

E se a inesperada prisão preventiva, com Alexandre Morais se antecipando o cumprimento de pena alegando uma possibilidade real de fuga do ex-presidente, ser mais um movimento de uma guerra semiótica pela disputa do controle da pauta midiática?

Isso porque, acompanhando as sucessões de manchetes e suas guinadas de pautas (na semana passada, o tema era a fraude financeira do Banco Master e a prisão do dono Daniel Vorcaro; e, nessa semana, a prisão preventiva de Bolsonaro), estamos perdendo de vista uma disputa subterrânea pelo controle da pauta midiática. Atuando para manter preservada a estrutura principal que mantém o poder brasileiro – banca financeira e sua articulação no meio político do centrão e do bolsonarismo.

Para começar, peço ao leitor assistir mais uma vez ao vídeo divulgado sobre uma confissão de Bolsonaro aos policiais que foram a sua casa de ter violado a tornozeleira eletrônica. Uma cândida, didática e atenciosa voz feminina começa descrevendo o número de série do dispositivo. No tornozelo do ex-presidente, a policial manipula enquanto calmamente Bolsonaro explica que foi “ferro quente”.



A voz calma da policial pede mais detalhamento demonstrando uma educada curiosidade... “O Sr. Tentou puxar a pulseira também?”, pergunta num tom parecido daquela voz de atendimento ao consumidor quando ligamos para a provedora da Internet tentando explicar alguma dificuldade técnica de recepção de sinal.

“Pulseira aparentemente intacta, mas o case violado”, descreve uma cândida voz. Em nada condizente com uma situação tensa de policiais chegando numa residência de madrugada pelo fato de o monitoramento ter detectado tentativa de fuga de um réu condenado...

Há no vídeo uma evidente canastrice: a desconexão entre as imagens e áudio e a evidente situação tensa de um condenado que supostamente tencionava uma fuga espetacular.

Canastrice e o timing da irrupção do acontecimento, que sobressaltou jornalistas e apresentadores que tiveram que romper com a escala de descanso do final de semana em plena manhã de sábado, são características que apontam para um não-acontecimento – um pseudoevento construído para gerar um determinado efeito semiótico: a retomada do controle da agenda midiática.

Tudo pareceu um elaborado roteiro de criação de um não-acontecimento para tirar das manchetes e do clima de opinião pública o incômodo escândalo da liquidação do Banco Master e da investigação da PF que levou à prisão do banqueiro fraudador. A inquietante possibilidade de a operação policial gerar uma metástase que contaminasse outros sistemas, muito além do sistema financeiro.

    

Guerra pelo controle da pauta

Para o bolsonarismo, foi inusitado o efeito inverso do tarifaço de Donald Trump, tão festejado pelo filho Eduardo Bolsonaro nos EUA e pelo boné MAGA na cabeça do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas – além de não render um esperado impacto macroeconômico às vésperas de ano eleitoral, alimentou ainda mais o ciclo virtuoso da agenda governamental da defesa da Democracia e da Soberania.

O massacre policial do governador Cláudio Castro no Rio e o decorrente debate da PL do marco legal do combate ao crime organizado no Congresso assanhou o jornalismo corporativo que nomeou o tema “segurança pública” como um suposto fiel da balança eleitoral para 2026. Que começou a martelar o lendário clichê sobre a inapetência da esquerda para enfrentar o tema da segurança pública.

O contra-ataque veio com a operação da PF envolvendo o esquema fraudulento do Banco Master cujos fios da investigação, se puxados, poderiam levar do campo empresarial ao político e até jurídico – agora que a Suprema Corte terá de avaliar o pedido de habeas corpus solicitado pela defesa de Vorcaro, além de outros recursos, fica evidente o conflito de interesses dos ministros em eventos empresariais patrocinado pelo Banco Master.

De 2022 a 2024, o banqueiro Daniel Vorcaro financiou eventos nacionais e internacionais que contaram com a presença da cúpula do Judiciário brasileiro – clique aqui.

E não mais que de repente irrompe uma suspeita de tentativa espetacular de fuga de um ex-presidente e réu condenado, num conveniente timing ao final de uma semana que termina com o escândalo das fraudes do Banco Master chegando às privatizações a toque de caixa de Tarcísio de Freitas em SP (clique aqui), com a Bloomberg apontando prevaricação de Roberto Campos Neto quando era presidente do Banco Central (clique aqui) e o beneplácito do dinheiro público de fundos de pensão de governos estaduais bolsonaristas aplicados em letras financeiras do Banco Master – clique aqui.

Esse é o verdadeiro terremoto, o das ligações perigosas que possibilitam o fluxo de dinheiro do sistema financeiro para o sistema político e judiciário.

E se Vorcaro cuspir os feijões?

Por isso os mais inquietos não são os seguidores vestidos de verde-amarelo do bolsonarismo, mas os intermediários políticos, os operadores das agências de investimento da Faria Lima e empresários. A ameaça do ecossistema financeiro perder a rede de proteção que o sistema político sempre montou para os negócios arriscados da banca financeira.

O vídeo de Flávio Bolsonaro convocando os bagrinhos verde-amarelos para uma vigília de oração ao “senhor dos exércitos” em frente ao condomínio de Bolsonaro e o cândido vídeo da policial federal manipulando com cuidado a tornozeleira danificada na perna do réu acabaram provocando o efeito semiótico midiático desejado: horas e horas de canais fechados de notícias com juristas, advogados e criminalistas oferecendo prós, contras e alternativas jurídicas numa espiral interpretativa que cria o conhecido Efeito Firehose: a criação de uma espiral interpretativa até o momento em que a diferença entre verdade e mentira desaparece. Para tudo permanecer na função performática: o barulho criado, a confusão, o escândalo etc.

Deixando em segundo plano a liquidação do Banco Master e as ligações perigosas do banqueiro-prisioneiro Daniel Vorcaro – e as possíveis consequências de, numa possível delação premiada, Vorcaro começar a cuspir os feijões...



Cachoeira X Mensalão

Tamanha disputa da pauta midiática faz lembrar outra guerra semiótica parecida: a disputa por espaço entre as coberturas do escândalo do empresário contraventor Calinhos Cacheira e a do Mensalão em 2012.

Carlinhos Cachoeira era um empresário conhecido por diversos escândalos envolvendo jogo ilegal, corrupção e lavagem de dinheiro, que culminaram em várias operações policiais e em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Seus esquemas criminosos se estendiam à corrupção de agentes públicos e ao envolvimento com grandes construtoras, como a Delta, em contratos governamentais. 

Tal como no caso do banco Master, nitroglicerina pura!

Naquele ano, até o início do segundo semestre o foco dos veículos como jornais “O Globo”, “Folha de São Paulo”, “O Estado de São Paulo” e de revistas como “Veja”, “Isto É” e “Época” “estava concentrado nas repercussões das denúncias envolvendo o contraventor Carlinhos Cachoeira. O julgamento do chamado Mensalão ainda era pouco comentado”.

Com a proximidade das eleições municipais, esse foco midiático foi invertido: quase nada de Cachoeira e exaustiva cobertura sobre o escândalo envolvendo o Partido dos Trabalhadores. Cachoeira permanecia envolvido em acusações, mas já não tinha seu rosto exposto por tanto tempo na TV, jornais, revistas e sites, tampouco era comentado nas rádios.

Foi o destino do “Caso Cachoeira” quando os sistemas midiático, político e financeiro anteviram o efeito metástase que a cobertura do escândalo poderia provocar.

Lá em 2012, foco no julgamento do Mensalão. Hoje, foco na tornozeleira chamuscada sob a voz gentil de uma policial federal.

Em encher o espaço midiático com juristas e criminalistas e suas espirais interpretativas. E as capas dos jornalões com muitas caixa-altas: “BOLSONARO PRESO”.

 

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