“FLOOD THE ZONE!”, exortou certa vez o estrategista de comunicação Steve Bannon. Inundar a mídia e a opinião pública de tantos fatos e notícias contraditórios que ninguém entenda nada. Principalmente os jornalistas. Mas, aqui no Brasil, parece que essa estratégia atingiu não só a mídia. Inundou também a capacidade cognitiva do Clã Bolsonaro e seus assemelhados que, desesperados e sem entenderem nada, entraram em negação psíquica ao verem Trump em síntese química com Lula. O modus operandi trumpista está para além da ideologia: ele cria crises para transformá-las em balcão de negócios. Enquanto isso, a paciência semiótica do jornalismo corporativo é, mais uma vez, colocada à prova com outra recaída na Síndrome de Dr. Fantástico do governador de SP, Tarcísio de Freitas: emulando seu padrinho político, debochou das mortes por intoxicação de metanol que ocorrem no próprio Estado que governa.
“FLOOD THE ZONE!”, exortou certa vez o ideólogo do movimento
extremista político alt-right, Steve Bannon. Com isso ele queria dizer
que a mídia deveria ser inundada por fatos e notícias desconexas,
contraditórias, para ocupar o tempo dos perplexos jornalistas.
Bannon tem a mais baixa consideração pelos jornalistas. Para ele,
não passam de idiotas, incapazes de lidar com muitas variantes simultâneas.
Preguiçosos, concentram-se apenas em uma, enquanto a extrema-direita opera em outra
cena. Cena imperceptível para os ocupados jornalistas.
Mas parece que essa estratégia de inundar a mídia com um tsunami
de notícias e eventos contraditórios acaba arrastando junto até integrantes da própria
extrema direita. Pelo menos os daqui, num país do capitalismo periférico. Ou
será, tão somente, pela limitação cognitiva de seus integrantes?
O fato é que a performance de Lula na Assembleia Geral da ONU e os
elogios de Trump para o mandatário brasileiro, em meio a críticas
conspiratórias contra o teleprompter que parou de funcionar na sua vez de falar
na ONU, acendeu uma espécie de tela azul na cabeça deles. Principalmente em Eduardo
Bolsonaro e Paulo Figueiredo, que se vangloriam de articular com a Casa Branca todas
as sanções e tarifaços contra o Brasil.
A cordial conversa telefônica posterior entre Trump e Lula
completou o quadro de perplexidade. Mas, Trump deu o toque para incendiar a
imaginação da grande mídia e os mecanismos de negação psíquica da extrema
direita: escolheu o secretário de Estado, Marco Rúbio, como o negociador com
Lula sobre as restrições e sanções.
“Jogo de mestre!”, elogiou Eduardo Bolsonaro para tentar elevar o
moral dos seus convivas no Brasil. Como se tudo não passasse de algum ardil
para humilhar Lula. Enquanto a grande mídia repercutiu afirmando que Rubio “não
é o sonho do Planalto” como considerou o “Coppola” da Globo News, Joel
Pinheiro. Rubio apenas elevaria a tensão na “química” entre Lula e Trump, por
ser reconhecido por articular ideologia, mercantilismo e retaliação.
Diante da saída das cordas do Governo através de uma pauta
positiva paradoxalmente criada por Trump (a união dos discursos da defesa da
soberania com a da Democracia; a ausência de impactos macroeconômicos no
tarifaço e, finalmente, a ligação telefônica com Trump que finalmente aconteceu
– com direitos a elogios do presidente norte-americano), Eduardo Bolsonaro e
seus congêneres brasileiros viram na escalação de Marco Rubio o elemento de negação
psíquica diante de um comportamento trumpista tão contraditório.
E para esconder a agenda ociosa e inútil do filho do capitão da
reserva nos EUA.
Nem tampouco teve alguma mudança ou volta para trás no plano
supostamente ideológico de asfixiar o Brasil – para salvar Bolsonaro, acabar
com a ditadura do STF, enfraquecer um governo totalitário de esquerda no
quintal dos EUA e fortalecer a direita “alt-right” global.
Na coletiva com a imprensa no Salão Oval da Casa Branca, Trump
revelou sua verdadeira intenção e, de quebra, mostrou como funciona a
estratégia “flood the zone” alt-right: “Nós nos conhecemos, gostamos um do
outro e, sim, tivemos uma excelente conversa. VAMOS COMEÇAR A FAZER NEGÓCIOS”.
Ficou claro nessa suposta crise Brasil-EUA como funciona a
estratégia alt-right de comunicação: primeiro, criar um acontecimento, uma
crise: o tarifaço, apesar da irracionalidade de propósitos – o Brasil mantém há
anos uma balança comercial deficitária com os EUA.
Para a grande mídia, uma decisão baseada numa irracionalidade de
propósitos só pode ser interpretada como uma pura ação ideológica – Trump é de “extrema
direita beligerante”. Trump sabe dessa interpretação e dá corda para os
analistas: sugere que o tarifaço é mero pretexto para um embate ideológico:
livrar o Brasil da suposta ditadura do STF e da esquerda.
Então, empodera o clã bolsonarista e assemelhados, fazendo-os
acreditar que tudo se trata de ideologia, de uma luta épica contra o projeto de
poder da esquerda. De certa maneira, Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo e
comportam como aquela massa alucinada que depredou os prédios dos três poderes
no 8/1: acreditavam que, de verdade, estavam entrando na História derrubando um
governo comunista que tentava escravizar a Nação.
Negação Psíquica
O que a negação psíquica bolsonarista (“jogada de mestre!”) tenta
espiar é a realidade de que o acontecimento comunicacional de Trump é um
simples álibi, pretexto, tática diversionista para criar uma situação em que
transforme uma suposta crise em um BALCÃO DE NEGÓCIOS.
Como um empresário egresso do jogo pesado do mercado imobiliário
novaiorquino, para ele a vitória eleitoral para a Casa Branca é meramente uma
oportunidade de fazer negócios, no sentido mais prosaico do termo. E a
ideologia um mero álibi para criar acontecimentos, crises etc.
Sabendo-se que os principais bilionários das big techs, incluindo alguns que foram críticos de Trump durante seu primeiro mandato, compareceram à posse do republicano, o grande negócio é fazer parte (e lucrar muito com isso) do chamado Grande Reset do Capitalismo com a revolução da Inteligência Artificial como nova ferramenta de produção de valor.
Dessa maneira, são estratégicas as negociações em torno da infraestrutura
dos data-centers, o ambiente regulatório das big techs e a fonte de matéria-prima
proporcionado pelas terras raras - cruciais para as big techs porque são
elementos essenciais para a fabricação de componentes de alta tecnologia, como
smartphones, computadores, telas e superímãs.
Não é por menos que os interesses das big techs vão estar
no centro dessa negociação. Tarifaço e sanções contra ministros do STF pela Lei
Magnitsky foram um mero pretexto para chamar a atenção do mandatário brasileiro.
No centro das negociações estão a regulação econômica das
plataformas, MP dos datacenters e, principalmente, a cooperação dos 17
elementos químicos conhecidos como “terras raras” no Brasil, com amplo
mapeamento geológico do país e linhas de financiamento para a atividade.
O Brasil ocupa o terceiro lugar nas estimativas em depósitos de
óxidos de terras raras – China em primeiro lugar, com 44 milhões de toneladas,
seguidos de Vietnã e Brasil. Respectivamente com 22 e 21 milhões de toneladas.
Esse é o modus operandi de Donald Trump. Como, por exemplo,
a maneira como ele transformou a Guerra de Gaza em um verdadeiro balcão de
negócios.
Desde o início dos ataques do Hamas e a invasão de Gaza pelas
tropas israelenses, Netanyahu colocou em ação o Projeto Gaza 2035. Como o seu
próprio Gabinete nomeou, disponibilizando seus planos nas suas redes – expulsar
os palestinos e transformar a região numa espécie de Dubai 2.0 que retome o papel
econômico histórico que teve como rota comercial Leste-Oeste, tanto nas rotas
comerciais Bagdá-Egito quanto nas rotas comerciais Iêmen-Europa. Como noticiou
no ano passado o “Jerusalem Post” – clique aqui.
Trump entra no conflito como o arquiteto do cessar-fogo entre
Israel e Irã, metendo a colher com o seu próprio plano chamado GREAT acrônimo
de “Gaza Reconstitution, Economic Acceleration and Transformation”, para
transformar o verdadeiro canteiro de demolição em que se transformou a região na
“Riviera de Gaza”. Com uma subsidiária da sua indefectível “Trump Tower” – clique aqui.
Tudo isso está muito além das limitações cognitivas do Clã
Bolsonaro e seus “puxadinhos” políticos – governadores, deputados etc.
Desocupado e ocioso (depois que o sucesso das sanções e tarifaço
lhe subiram à cabeça por achar ter sido ele o verdadeiro arquiteto) Eduardo
Bolsonaro agora passa os dias em negação psíquica, acreditando que suas
postagens raivosas e ameaçadoras, impondo “condições” para que haja eleições no
Brasil no ano que vem, incendiarão o País. Ele desembarcará no Brasil como um
herói sebastiano.
Sem cair a ficha de que ele foi usado como um simples pretexto
para o seu Mito criar mais um balcão de negócios.
Síndrome de Dr. Fantástico e
a paciente Semiótica Nem-Nem
Agora resta saber quanto durará a paciência da operação semiótica
da grande mídia: o seu trabalho diário hercúleo de criar uma “terceira via” que
despolarize a política brasileira. Reivindicação da Faria Lima, principalmente
quando a banca financeira percebeu que o prazo de validade da polarização já
acabou – apenas Lula tem a ganhar.
Mais uma vez Tarcísio, o Redivivo, (ressuscitado dentro da operação
semiótica Nem-Nem depois de ter sido jogado ao mar depois que celebrou o
tarifaço vestindo o boné do MAGA) teve uma recaída na Síndrome de Dr.
Fantástico – relativo ao filme de Kubrick cujo personagem na Sala de Guerra do
Pentágono, o conselheiro científico alemão Dr. Strangelove, tinha um tique
incontrolável em um dos braços: reflexivamente, o membro se erguia em riste
fazendo a saudação “Sieg Heil”.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, debochou após as
mortes por metanol em SP: “quando falsificarem Coca-Cola, vou me preocupar”,
disse em entrevista após uma reunião do Gabinete de Crise criado pelo governo
paulista para enfrentar o surto de intoxicação. O encontro reuniu
representantes das secretarias de Saúde, Segurança Pública, Justiça e
Cidadania, Desenvolvimento Econômico e Fazenda, além de executivos das
principais fabricantes de bebidas, como Brown-Forman (Jack Daniel’s), Bacardi,
Diageo (Johnnie Walker e Smirnoff), Pernod Ricard (Absolut) e Beam Suntory (Jim
Beam).
Tarcísio nada menos que emulou a mesma atitude de deboche do seu
padrinho político, Bolsonaro, durante a crise sanitária da pandemia da
COVID-19. Quando disparou pérolas do tipo “sou Messias, mas não faço milagres”
ou “quer que eu faça o quê, não sou coveiro!”.
Tal como o Dr. Fantástico
de Kubrick, a atitude irrefletida de Tarcísio tem menos a ver com ele mesmo ou
Bolsonaro, mas com o ethos do lugar de onde vieram: a caserna – as Forças
Armadas nutrem desprezo pela sociedade civil, figurada com inferior à formação
militar. Desde que o Positivismo de Auguste Comte foi incorporada por militares
e professores de escolas técnicas e militares, como a Escola Politécnica e
a Escola Militar, no século XIX. Na verdade, o Exército é treinado muito
mais para enfrentar o inimigo INTERNO do que externo.
Apesar disso, a operação semiótica Nem-Nem continuar diária nos
telejornais.
Como, por exemplo, na Globo News quando a apresentadora Julia
Duailibi apresentou a sua “apuração”: Lula partiu para o discurso antissistema
ao criticar o “andar de cima” pela derrota do Governo da retirada de pauta na
Câmara dos Deputados da MP alternativa ao aumento de IOF.
Segundo a solerte “colonista”, Lula utilizaria a mesma retórica que
notabilizou a “extrema direita global”. Dualibi reforça aquilo que o jornalismo
corporativo diuturnamente vem fazendo: demonstrar que todas origens dos males
econômicos (do tarifaço ao rombo fiscal) vem da suposta polarização ideológica
entre a extrema direita e extrema esquerda. E que o País precisa, urgentemente,
de uma alternativa “técnica”, “moderada”, “pragmática”. Para além dos arroubos
ideológicos.
Para Faria Lima, alguém como o roqueiro presidente da argentina,
Javier Milei – alguém sem pruridos morais para implementar um capitalismo de
choque.
Que transforme definitivamente o Estado em um balcão de negócios
para a banca financeira.
Algo assim como Donald Trump vê o mundo a partir do Salão Oval.
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