O filme Resolution (2012) é um desafio conceitual ao espectador. Em uma
estimulante combinação de desconstrução metalinguística e misticismo gnóstico o
filme é um verdadeiro sopro de renovação no subgênero “horror-em-cabanas-remotas”
de filmes como “A Morte do Demônio”, “A Cabana do Inferno” ou “A Bruxa de
Blair”. Não espere festas com jovens bebendo e fazendo sexo enquanto demônios estão
à espreita para matar. Ao contrário, o filme oferece um enigmático jogo mental
onde, enquanto o protagonista tenta desintoxicar um amigo viciado em crack,
cresce o mistério entorno daquela cabana onde estão: será que os estranhos
acontecimentos fazem parte de alguma conspiração de seitas ocultistas, de
alienígenas ou apenas de traficantes? Ou a realidade é tão ilusória quanto uma
película cinematográfica. A resposta pode ser mais radical do que filmes como "Matrix" e "A Origem".
Dentro da história da linguagem
cinematográfica vivemos uma momento cada vez mais auto-referencial e
metalinguístico. E não estamos falando de filmes de arte ou de vanguarda, mas
de filmes que integram circuitos comerciais de distribuição, filmes que parecem
querer desconstruir o gênero, a cultura pop e a própria linguagem
cinematográfica.
Após o gnosticismo pop de filmes
como Show de Truman, Matrix e A Origem onde a realidade é desconstruída a tal ponto que o
protagonista não consegue mais distinguir o que é simulação e realidade,
acompanhamos nesse início de século uma nova tendência de desconstrução, dessa
vez do próprio cinema, onde o roteiro, produção, linguagem etc. acabam se
tornando o próprio tema dos filmes.
De filmes como Mais Estranho Que a Ficção (onde o
protagonista descobre que a sua vida é uma narrativa que está sendo criada por
uma escritora), passando pelo experimentalismo de David Lynch em Império dos
Sonhos (onde assistimos a mais de três horas de um filme cuja narrativa caótica
se deve ao fato de que estamos diante de cenas de uma produção não editada) até
chegar em O Segredo da Cabana (onde a
desconstrução do gênero se encontra com a desconstrução da própria realidade ao
melhor estilo Matrix), vemos amostras
do crescimento de um sensibilidade contemporânea cada vez mais auto-referencial
e metalinguística.
Já havíamos observado essa tendência também
em produções audiovisuais para públicos infantis como a série da BBC Mister Maker ou das animações Hora de Aventura e Apenas Um Show: conteúdos infantis na mídia deixam de ter uma narrativa
épica (centrada na ação e heroísmo – cavaleiros, bruxas, piratas, trens a vapor
etc.) para adquirirem uma narrativa metalinguística, reflexiva, irônica.
A
produção independente de baixíssimo orçamento Resolution dos diretores Justin
Benson e Aaron Moorhead, a princípio é mais um filme que confirma essa
tendência contemporânea ao fazer um meta filme de horror: faz constantes
referências aos clichês do subgênero “horror na cabana” (A Morte do Demônio,
Cabana do Inferno, A Bruxa de Blair etc.) para subvertê-los. Mas,
conceitualmente, é um filme desafiador, pois o seu exercício metalinguístico
não se limita ao cinema, mas alcança a própria realidade: como o próprio pôster
promocional sugere, a própria realidade pode ser uma produção cinematográfica e
a textura do real uma película.
Por
isso Resolution é uma novidade dentro
dos filmes gnósticos: se em Matrix
vemos um filme que denuncia que a realidade pode ser uma manipulação virtual, em
Resolution a realidade não só pode
ser uma manipulação fílmica como o próprio filme que assistimos pode fazer
parte disso! É o que poderíamos chamar de um filme cuja narrativa é
essencialmente recursiva.
O Filme
O filme começa quando somos
apresentados a Mike (Peter Cilella), um homem de família com um bebê a caminho
que perplexo assiste a um vídeo enviado por e-mail mostrando o seu amigo de
infância Chris (Vinny Curran) em flagrantes de sua vida em uma cabana remota,
viciando-se em crack e totalmente fora de si. No final do vídeo é mostrado um
Google Map apresentando a localização e os caminhos para se chegar à cabana.
Mike interpreta aquilo como um pedido de socorro e vai até o local para tentar
submeter o amigo a um programa de desintoxicação para salvá-lo.
Como era previsto, Chris resiste
a qualquer forma de reabilitação, obrigando Mike a algemá-lo a um cano para que
ele enfrente à força a síndrome de abstinência. A tensão começa a aumentar quando
Mike começa a examinar a cabana e seu entorno e começa a encontrar estranhos
objetos (fotografias antigas, livros velhos, rolos com estranhos filmes) e
personagens (traficantes, um misterioso e solitário francês que mora em um camping
trailer etc.). Tudo piora quando três homens chegam à cabana para ameaçá-los:
eles estão em uma reserva indígena e têm que sair de lá sob a ameaça de serem
mortos.
Aos poucos, Mike começa a
suspeitar que por trás de tudo isso está acontecendo alguma coisa sinistra e
sobrenatural: os rolos de filmes mostram pesquisadores franceses envolvidos com
telecinesia, UFOs, fantasmas, Nikola Tesla ou arqueologia sobrenatural. Ao
redor da cabana indícios do que parecem
ser altares rituais de pedra indígenas e cavernas com estranhas pinturas nas
paredes.
E o maior mistério de todos: quem
enviou o vídeo com o suposto pedido de socorro de Chris se a cabana não tem
computador ou conexão com a Internet?
Um filme recursivo
Como dissemos acima, o filme é um
desafio conceitual. Desde o pôster promocional do filme (a imagem da cabana
onde se pode observar nas margens do pôster os furos tradicionais de um rolo de
película cinematográfica) passando pelas pistas que vão sendo plantadas ao
longo da narrativa até a cena-chave onde Mike conversa com o misterioso francês
do trailer, percebemos que nada é o que aparenta ser.
Para começar, não temos os
tradicionais personagens desse subgênero: festas de adolescentes que bebem e
fazem sexo em uma cabana remota enquanto demônios e fantasmas estão à espreita.
Temos um homem casado com sua esposa à espera de um filho tentando ajudar um
amigo de infância que fez as piores opções possíveis na vida.
E depois as pistas que são
jogadas aleatoriamente ao espectador que remetem aos clichês de filmes de
terror (conspiração de alguma seita ocultista?; fantasmas indígenas?;
alienígenas?; um slasher movie com
traficantes e drogados?) são meros artifícios metalinguísticos de desconstrução
do gênero. Isso sem falar que Resolution explora a xenofobia norte-americana: o
mal só pode vir de estrangeiros, representados no filme por indígenas e
misteriosos franceses. Esperamos que em algum momento essas figuras suspeitas
liberem toda a maldade prevista.
A cena chave da compreensão do
conceito do filme está precisamente no encontro de Mike com Byron, o misterioso
francês que mora em um camping trailer próximo. O diálogo é desconcertante e
aparentemente sem sentido: “às vezes olho para cima e olho para o infinito...
eu vejo um filme... uma película lá, e por trás dela está outra, e outra e uma
outra...”, diz Byron, enquanto manipula um pequeno espelho que reflete Mike e o
outro espelho atrás dele, criando um efeito recursivo infinito de espelhos que
se refletem mutuamente até perdermos a distinção entre o refletido e o reflexo.
Recursão é um conceito originado da linguística, matemática e ciência da
computação. Em linhas gerais recursão se refere ao processo de repetição de um
objeto de um jeito similar ao que já fora mostrado. Um exemplo bem simples são
as imagens repetidas em espelhos que se refletem mutuamente.
Até esse momento, Resolution
explora a metalinguagem do gênero, fazendo seguidas alusões a diversos filmes e
clichês temáticos do gênero. A partir desse desconcertante diálogo de Byron, o
filme penetra no desafiante campo da recursividade que exigirá toda a atenção
do espectador.
As suspeitas começam a crescer de que há algo errado no que os
personagens e o espectador entendem como verossimilhança e realidade. Aos
poucos o filme vai sugerindo que tudo poderia ser um filme dentro de um filme,
como se a mente fosse uma câmera de filmagem que envia o que se está vendo ou
pensando para uma imensa produção cinematográfica que chamamos de realidade.
Por isso, o que parece ser um mero filme de subgênero traz um conceito
talvez mais radical do que os gnósticos Matrix
ou Show de Truman: a realidade
poderia ser constituída por camadas sobrepostas não de mundos virtuais, mas de
películas cinematográficas, produções fílmicas cujo diretor seriam outras mentes
que captam as imagens e nos insere nessa produção.
Filmes como 13o
Andar já exploraram esse conceito de o Universo ser como uma espécie de
gigantesca cebola cósmica onde cada camada é um mundo virtual criado por
computadores que criam mundos dentro de mundos. Mas Resolution radicaliza ao inserir o próprio filme que assistimos
nesse infinito efeito recursivo.
Ao final, a questão que fica é essa: se a realidade é um filme cujas
imagens são captadas e editadas por outras mentes que nos inserem no seu filme,
para onde estamos enviando as imagens do filme que acabamos de assistir?
Ficha Técnica
Título:
Resolution
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Diretor: Justin Benson, Aaron Moorhead
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Roteiro:
Justin Benson
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Elenco: Peter Cillela, Vinny Curran, Zahn McClarnon, Bill Oberst Jr.
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Produção:
Tribeca Films
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Distribuição:
Tribeca Films
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Ano: 2012
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País: EUA
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