Para quem lida com análise
fílmica e estrutura de roteiro como esse autor, é impossível não perceber um
estranho mix entre ficção e realidade no incidente das bombas detonadas junto à
linha de chegada na Maratona de Boston: o timing de todos os acontecimentos
subsequentes até a captura dos “suspeitos” (estranha expressão porque desde já
estão condenados à morte), os fatos encadeados como em um clássico roteiro com
a narrativa dividida em três atos (atentado/perseguição/captura) com timing de
filme de ação hollywoodiano, a facilidade de captação de imagens de toda a ação
pelas mídias, e, por fim, as clássicas e emotivas imagens de velas sendo
erguidas em homenagem à vítimas e pessoas histéricas gritando “USA! USA!”
enquanto o “suspeito” sobrevivente era levado preso.
Impressiona como a ambiguidade
dessas imagens (jornalísticas e, ao mesmo tempo, com forte carga retórica como
o detalhe em close de uma sacola com a bandeira dos EUA em uma calçada manchada
de sangue) acaba produzindo uma espiral de interpretações tanto conspiratórias
(a “operação false flag” ou autoterrorismo) quanto um atentado arquitetado por “facções
radicais”.
A notícia quase simultânea de
uma ameaça de atentado à bomba em um trem no Canadá reforça ainda mais mix
cinematográfico de tudo isso: faz lembrar o filme “Mera Coincidência” (Wag The
Dog, 1997) onde uma guerra aos terroristas albaneses é inventada por um produtor de
Hollywood para desviar a atenção da opinião pública do caso de um escândalo
sexual na Casa Branca. E por onde os terroristas entram nos EUA? Pelo Canadá.
Por que Canadá? Por que os americanos não gostam deles, afirma o hilário
produtor interpretado por Dustin Hoffman.
Sincronicidades e coincidências
Assim
como o Massacre do Colorado foi cercado de uma série de coincidências como o
atentado ter sido “previsto” na HQ de 1986 “O Cavaleiro das Trevas” de Frank
Miller onde um personagem fora de si invade um cinema armado e atira contra a
plateia (veja links abaixo), o atentado de Boston igualmente se cerca de
coincidências que podem ser analisadas pelo ponto de vista da sincronicidade.
A primeira delas, poucos dias antes o canal CNN Headline News apresentou uma matéria onde são mostradas cenas de treinamentos de soldados feitas por uma empresa chamada “Estrategic Operations” que presta serviços ao Exército americano. Utilizando efeitos especiais e cenográficos hollywoodianos, prometem treinamentos “hiperrealísticos” de situações de batalhas com atores com membros amputados para simulação de socorro a soldados feridos, simulações de cirurgias emergenciais, etc. - veja vídeo abaixo.
Tal coincidência é atualmente munição para os teóricos da “operação false flag” que denunciam uma verdadeira simulação no raio de destruição das bombas: com analise detalhista das fotos, defendem que o homem com as duas pernas amputadas na calçada era um ator. Isso sem falar na presença suspeita de dois homens com mochilas pretas e trajes de campanha com bonés da Craft International, empresa que fornece soldados mercenários e treinamento ao Exército norte-americano, cujo lema é “A violência soluciona problemas”.
A primeira delas, poucos dias antes o canal CNN Headline News apresentou uma matéria onde são mostradas cenas de treinamentos de soldados feitas por uma empresa chamada “Estrategic Operations” que presta serviços ao Exército americano. Utilizando efeitos especiais e cenográficos hollywoodianos, prometem treinamentos “hiperrealísticos” de situações de batalhas com atores com membros amputados para simulação de socorro a soldados feridos, simulações de cirurgias emergenciais, etc. - veja vídeo abaixo.
Tal coincidência é atualmente munição para os teóricos da “operação false flag” que denunciam uma verdadeira simulação no raio de destruição das bombas: com analise detalhista das fotos, defendem que o homem com as duas pernas amputadas na calçada era um ator. Isso sem falar na presença suspeita de dois homens com mochilas pretas e trajes de campanha com bonés da Craft International, empresa que fornece soldados mercenários e treinamento ao Exército norte-americano, cujo lema é “A violência soluciona problemas”.
Outro sincronismo: A animação “Family Guy” onde o episódio “Turban Cowboy” teria “previsto” o atentado em Boston onde o protagonista Peter ganha a maratona depois de matar o resto dos participantes (é mostrado muito sangue e corpos desmembrados) e, sem querer, detona duas bombas com um telefone celular (veja sequência abaixo). O enredo é tão semelhante aos trágicos acontecimentos de Boston que as cenas foram excluídas das retransmissões, assim como foram retirados vídeos do YouTube onde se comparam imagens do atentado com as cenas de “Family Guy”. Para alimentar os teóricos da conspiração, muitos links do site “Infowars” do jornalista Alex Jones e do blog “Gamba” com “evidências da operação “False Flag” foram estranhamente bloqueadas no Facebook. Eu mesmo postei links de ambos os sites que logo vieram com a seguinte mensagem “Forbidden You don't have permission to access on this Server”. O que só alimenta a espiral conspiratória de interpretações.
Tomados por si mesmos esses sincronismos
não comprovam “operações” ou “conspirações”, mas apresentam uma estranha
contaminação da realidade pela ficção midiática. Assim como no atentado de 2001
ao World Trade Center materializou décadas de destruição de Nova York pelo
cinema e o massacre do Colorado projetou a personalidade do psicopata personagem
do Coringa das HQs e da perturbadora interpretação do ator Heath Ledger no
filme “The Dark Knight” (2008), as bombas de Boston parecem ser esse estranho
sintoma de um contínuo atmosférico midiático que envolve nossa cultura.
"Family Guy" previu o atentado? |
Para
Coleman, esses “memes” ou arquétipos que passam a povoar esse contínuo
atmosférico midiático atrai todo um subconjunto de pessoas vulneráveis,
homicidas e suicidas em um nível inconsciente. Ou, como alerta outro
pesquisador em sincromisticismo Christopher Knowles, esses doentes psíquicos
estão entre o mundo racional da causa e efeito e o mundo crepuscular dos sinais
e dos símbolos. A diferença é que são atormentados por essa realidade
sincromística que, então, pode infectar a população em geral (sobre isso veja
links abaixo).
O roteiro das bombas de Boston
Analisando o atentado de Boston e a cadeia de eventos
subsequentes do ponto de vista do argumento de uma roteirização
cinematográfica, além dos sincronismos impressiona também os simbolismos.
O atentado cometido no Patriots’ Day (comemoração cívica que rememora as
primeiras batalhas de 1775 na Revolução Americana pela independência) associado com a maratona possui alto poder simbólico. Como mostrado no filme “Forrest
Gump” onde o protagonista inicia uma maratona de ida e volta pelos EUA,
atraindo uma multidão de admiradores do simbolismo da coisa, esse esporte é
dotado de um valor individualista na cultura norte-americana, a luta
sobrevivencialista de um indivíduo livre.
O mito do Cowboy, do Pioneiro e do Astronauta como “sobreviventes”
ou como heróis eleitos por um “destino manifesto” americano é aglutinado na
figura do maratonista solitário – vejam por exemplo as sequência do treinamento
de “Rock, um Lutador” onde o personagem corre, sobe escadarias e do alto ergue
os braços como vitorioso.
O pensador francês Jean Baudrillard em seu livro “América”
(uma série de crônicas das suas viagens pelos EUA e suas impressões sobre a
cultura e cotidiano desse país) descreve o impacto que a Maratona de Nova York
provocou nele:
"jamais poderia acreditar que a Maratona de Nova York fosse capaz de me arrancar lágrimas. (...) São 17.000 e cada um corre sozinho, sem mesmo o espírito de uma vitória, simplesmente para sentir que existem. “I did it!” (“Consegui!), suspira o corredor exausto ao despencar no gramado do Central Park. (...) A Maratona de Nova York tornou-se uma espécie de símbolo internacional dessa performance fetichista, do delírio de uma vitória em vazio, da exaltação de uma façanha sem consequência” (BAUDRILLARD, Jean. América. R. de Janeiro: Rocco, 1986, p. 21-22)
Assim como no atentado ao World Trade Center em 2001
a demolição das torres representou o ataque à autoestima de um simbolismo fálico
do império norte-americano, o atentado na segunda maratona mais tradicional do
mundo atinge a própria autoimagem individualista do norte-americano em um dos
seus símbolos mais caros: a de um esporte onde, do ponto de vista
norte-americano, a sobrevivência vale mais do que a própria vitória.
E por que explosões juntas à linha de chegada? Para
serem televisionadas. Da mesma forma como após o choque do primeiro avião na
torre do WTC em 2001 houve um intervalo de pouco mais de meia hora, tempo
suficiente dado pelos terroristas para que os links ao vivo fossem
estabilizados e transmitissem ao vivo o segundo impacto.
Parece que os terroristas aprenderam bem a lição dada
pelo historiador Daniel Boorstin em seu livro “The Image: a guide to
pseudo-events in America” de 1961 onde sustenta que os eventos para serem
notícias devem, antes de tudo, ser “noticiáveis”. Um evento deve atender à
logística e às necessidades por conveniência (grade horária, horário de
fechamento das redações etc.) das mídias para se transformar em notícia.
Parece que o evento das bombas de Boston atendeu a
esse princípio de “noticiabilidade” no momento em que os terroristas ofereceram
um show de explosões, sangue e corpos desmembrados para as câmeras, e o FBI muniu
as mídias de abundantes e oportunas imagens que culminaram nas eletrizantes
cenas de perseguição (ao melhor estilo das populares perseguições policiais a
motoristas fora de si transmitidas pelas TVs). Bom, mas aí estaremos entrando novamente
no campo das conspirações...