terça-feira, junho 11, 2019
Esperando Glenn Greenwald: um réquiem para o jornalismo brasileiro
terça-feira, junho 11, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O terremoto
provocado pelo vazamento de conversas comprometedoras entre o então juiz Sérgio
Moro e autoridades da Lava Jato e Polícia Federal está cercado de ironias. O
site “Intercept Brasil”, do premiado jornalista Glenn
Greenwald, revelou relações promíscuas de Moro ironicamente dias depois do caso do jornalista
esportivo Mauro Naves no caso Neymar, outro caso de relações perigosas. Mas Greenwald não revelou
apenas a parcialidade da Justiça. Expôs internacionalmente o provincianismo e
paralisia do jornalismo brasileiro – foi necessário um “gringo” para abalar a
paz de cemitério mantida por jornalistas sabujos com rédeas e antolhos mantidos
pelas “famiglias” de proprietários midiáticos. Agora, Greenwald tornou-se o “Senhor
do Tempo”, com os prometidos vazamentos em conta-gotas, trazendo pânico para
empresários, políticos e, porque não, para os promíscuos jornalistas que se lambuzaram por anos com os vazamentos das fontes na Justiça e Polícia Federal.
domingo, junho 09, 2019
O guia do mochileiro do após morte no filme "Bardo Blues"
domingo, junho 09, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Inspirado no "Livro Tibetano dos Mortos" (uma espécie de guia do mochileiro pós-morte na sua jornada de elevação da consciência espiritual), o filme “Bardo Blues” narra as desventuras de um protagonista no momento decisivo da quebra das ilusões dos padrões cármicos no qual o conteúdo da mente é projetado, tornando-se visível como um sonho. Um mochileiro vaga pelas ruas de uma cidade na Tailândia fugindo do passado e em busca da sua mãe que inexplicavelmente o abandonou na infância. “Bardo Blues” narra o despertar espiritual de alguém que busca consolo e entendimento na cultura Oriental. Porém, tudo que encontrará serão rupturas traumáticas que questionarão quem ele na verdade é, de onde veio e para onde está indo. Filme sugerido pelo nosso leitor Alexandre Von Keuken.
sábado, junho 08, 2019
Repórter é punido pelo tautismo da Globo (e também um conto de autodestruição)
sábado, junho 08, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O veterano repórter esportivo Mauro Naves foi imolado de forma exemplar, em rede nacional, pela “carta aberta para a imprensa” lida por William Bonner no JN, que anunciou o afastamento do repórter. Naves teria “contrariado a expectativa da empresa com a conduta dos jornalistas”. O problema é que uma outra “carta aberta”, dessa vez dos ex-advogados da modelo Najila (revelando a intermediação do jornalista entre o pai de Neymar e os advogados), alarmou a diretoria da Globo. Não porque contrariou uma suposta expectativa ética da empresa. Na verdade, episódio revelou ao público o “modus operandi” tautista (tautologia + autismo midiático) da emissora. A Globo vive uma “promiscuidade estrutural”. O caso de Mauro Naves não foi desvio de conduta individual. É decorrência do próprio sistema de comunicação tautista da Globo. Devido a hipertrofia e obesidade sistêmica, todos os acontecimentos devem ser moldados à sua auto-descrição interna. E também nessa postagem, um “conto de autodestruição”, como bônus...
domingo, junho 02, 2019
Na manhã da Globo, favela e previsão do tempo viram "matérias inspiradoras" pelas reformas
domingo, junho 02, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Todas as manhãs, os diversos “Bom Dia” (SP, Rio, Minas etc.) do telejornalismo local da Rede Globo desempenham uma função semiótica bem distinta dos telejornais de rede (JN, Hoje etc.) e da TV fechada. Nos telejornais de rede e GloboNews há uma repetição hipodérmica da expressão “Reforma da Previdência” (em torno de 20 a 30 vezes por hora) e más notícias econômicas como chantagem a uma categoria especial de telespectadores: os líderes de opinião. Enquanto nos telejornais locais a estratégia semiótica é outra: exibir “reportagens inspiradoras” e “boas notícias” para elevar a moral da patuleia desempregada, desalentada ou subempregada – “uberizada”. Diferente dos líderes de opinião, a massa dispersa e desatenta precisa ser motivada para elevar o moral no começo do dia. Nesse esforço motivacional nada escapa. Nem a previsão do tempo ou o evento esportivo da “Taça das Favelas”.
sábado, junho 01, 2019
Estrelas do futebol são espelhos da uma sociedade que se auto-destrói em "Diamantino"
sábado, junho 01, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Qual a relação entre um jogador que emula o craque Cristiano Ronaldo, cientistas genéticos loucos e um movimento de extrema direita que pretende cercar o país com um muro? Portugal é um dos países que mais recebem refugiados na Europa (sejam africanos e brasileiros), com uma seleção que, apesar de contar com uma das maiores estrelas do futebol mundial, não consegue ganhar nenhum título. Esse é o explosivo mix da coprodução luso-franco-brasileira “Diamantino” (2018) sobre um craque que vive numa bolha de dinheiro e fama. Completamente alienado mas, ao mesmo tempo, sentindo-se culpado por ser milionário em um mundo injusto, Diamantino decide adotar um “refugiadinho”. Mas ele não sabe que virou a estrela de uma campanha xenófoba e nacionalista, o “Brexit” português. Tudo num tom de conto fantástico – alguma coisa entre um thriller policial, ficção científica e um estranho senso de humor. “Diamantino” mostra que podemos até odiar as estrelas alienadas do futebol. Mas elas não passam de espelhos de uma sociedade igualmente alienada que é capaz de se voltar contra si mesma.
segunda-feira, maio 27, 2019
Parques de diversões, espelhos e a morte no filme "Nós"
segunda-feira, maio 27, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O filme “Nós” (Us, 2019) de Jordan Peele (“Corra!”) é um complexo de mitologias (milenares e modernas) e crítica social. Para começar, o diretor pediu aos atores assistirem a dez filmes (entre eles “O Iluminado”, “Deixe Ela Entrar” e “Além da Imaginação”) para compreenderem o argumento da produção e a verdadeira avalanche de alusões fílmicas. Crítica social se mistura com um complexo mitológico: do simbolismo demiúrgico dos parques de diversões ao medo milenar pelos duplos e espelhos. Cada imagem em “Nós” é uma pista para tentarmos entender por que duplicatas assassinas de uma família põem em perigo a vida dos seus “originais”. Peele sugere visões múltiplas, num misto da distopia de George Orwell, o ocultismo de Lewis Carroll e a crítica social de James Baldwin.
sábado, maio 25, 2019
Com Trump e Bolsonaro, o video game molda a política
sábado, maio 25, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Depois de Trump e Bolsonaro a política nunca mais será a mesma: são duas figuras que despontaram na superfície de um movimento mais profundo que vem intrigando pesquisadores que estudam as transformações da política através da tecnologia: como na nossa sociedade os elementos lúdicos vem invadindo diversas esferas com a proliferação dos jogos, principalmente os eletrônicos. O cinismo e desilusão com a democracia representativa combinados com elementos inerentemente lúdicos das tecnologias digitais, plataformas e aplicativos estariam gerando uma “gamecracia”, “casual política” ou simplesmente uma “neodemocracia”. Assim como nos games, a política estaria sendo moldada por uma irresponsabilidade lúdica, como se tudo fosse apenas um jogo eletrônico no qual as consequências do erro são minimizadas para dar fluência à partida. Afinal, num videogame temos muitas vidas para perder. E até aqui, no espectro político, a direita é aquela que está mais antenada nessas transformações.
domingo, maio 19, 2019
Black blocs, Chomsky e o não-acontecimento do "manifesto do apocalipse" de Bolsonaro
domingo, maio 19, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Cadê os black blocs? De 2013 a 2016, em toda manifestação de rua, lá estavam eles fazendo poses épicas para câmera e cinegrafistas em meio a chamas e destruição, enquanto eram incensados por alguns pesquisadores e artistas como “linda anarquia” antiglobalização. Por que desapareceram? Onde estavam nas grandes manifestações de rua, no dia 15, por todo o País contra os cortes na educação? Talvez suas ausências tenham uma relação direta com o atual governo que ocupa Brasília, embora o “manifesto do apocalipse” compartilhado por Bolsonaro nas redes sociais aponte para um governo vítima dos “interesses corporativos”. Ironicamente, um “manifesto” escrito por um espécime do mercado financeiro com seus interesses bem corporativos – um “não-acontecimento”. Sem black blocs, Bolsonaro responde às ruas através de um manifesto semioticamente criptografado para elevar o moral das milícias virtuais e reais. Numa estratégia de manter-se sempre no centro das atenções, seja como herói ou “boi de piranha”. Um discurso monofásico e repetitivo, como apontou o linguista Noam Chomsky em relação à estratégia midiática de Donald Trump, emulada por Bolsonaro.
sábado, maio 18, 2019
Cegos e surdos esquecemos daquilo que buscamos na vida em "A Grande Beleza"
sábado, maio 18, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2014, muitos críticos consideram "A Grande Beleza" (2013), de Paolo Sorrentino, quase uma refilmagem de “A Doce Vida”, filme de Fellini de 1960. Roma, a “Cidade Eterna”, vista pelos olhos de Jep Ganbardella, um escritor de apenas um livro que vive no centro de uma vida mundana de festas e exposições de artistas, intelectuais, jornalistas e editores de revistas culturais. Cínico, zomba de todos, mas principalmente de si mesmo pelo vazio, desilusão e niilismo. Todos parecem zumbis, vagando em festas barulhentas e ensurdecedoras atrás da “grande beleza” esquecida, lá atrás na juventude. Cegos e surdos pelas distrações que criamos, esquecemos daquilo que passamos uma vida inteira procurando. No clássico filme “Cidadão Kane” era o “Rosebud”. E o que Jep Gambardella procura em “A Grande Beleza”?
domingo, maio 12, 2019
Tino conspiratório da guerra semiótica de Bolsonaro é lição para a esquerda
domingo, maio 12, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A esquerda sempre foi kantiana. Enquanto historicamente a extrema-direita teve um, por assim dizer, "tino conspiratório". Se a esquerda sempre foi regida por um kantiano imperativo categórico da racionalidade universal da Razão, do Direito e da Ética, ao contrário, a extrema-direita é movida pela urgência de enfrentar conspirações, desde a propagandística queima pública dos livros pelos nazistas em 1933. É o élan que sempre faltou para a esquerda. Mais preocupada em ser levada a sério pela elite pensante e ser aceita na Casa Grande, a esquerda sempre rechaçou as teorias conspiratórias como paranoia irracional. Bem diferente (como demonstra o início do governo Bolsonaro), a extrema-direita pula imediatamente na jugular da Educação, Ciência e Conhecimento para enfrentar as conspirações dos “marxistas culturais”, “globalistas” e até de “banqueiros comunistas” (?!?!). É a guerra semiótica criptografada incompreensível para a esquerda, que tenta liquidar rapidamente o problema estereotipando o clã Bolsonaro como “napoleões de hospício”.
quinta-feira, maio 09, 2019
Sartre, angústia existencial e mecânica quântica no filme "+1"
quinta-feira, maio 09, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
E se você tivesse a chance de voltar no tempo e corrigir um erro terrível, embora soubesse estar moralmente errado porque o resultado anterior era o que teria de realmente acontecer? Voltando ao passado, como reagiria ao se defrontar com seu próprio clone que tem todas suas memórias, porém limitadas por um delay de 15 minutos? Essas são algumas questões morais levantadas pelo filme “+1” (aka “Plus One, 2013), do diretor grego Dennis Iliadis. Não é propriamente um filme sobre “viagem no tempo”, mas a proposta de transformar uma festa universitária numa espécie de “Caixa de Schrödinger” (experimento imaginário de mecânica quântica do físico austríaco) no qual os mesmos eventos duplicados ocupam o mesmo espaço, porém com um delay a partir de 15 minutos progressivamente diminuindo. Tudo em decorrência de um misterioso fenômeno elétrico-astronômico. É mais um filme sobre o mito da “segunda chance”, mas dessa vez revelando que essa recorrência no cinema é o sintoma do atual espírito de época – a crescente angústia existencial humana, tal como descreveu o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre. Filme sugerido pelo nosso leitor Fábio Hofnik.
terça-feira, maio 07, 2019
Um dia as meninas serão devoradoras de homens em "Grave"
terça-feira, maio 07, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Uma história de
amadurecimento de uma personagem desgarrada em uma hora e meia manchada de
sangue”, dessa maneira a diretora francesa Julia Ducournau define seu filme "Grave"(Raw, 2016), co-produção França/Bélgica. Se “Corra” (“Get Out”, 2017) foi um
filme de terror racial, aqui em “Grave” encontramos uma espécie de terror de
gênero: como se a protagonista descobrisse a sensação de poder no cruzamento da
linha de um tabu. Ducournau parece querer dizer às espectadoras: meninas, um
dia vocês serão devoradoras de homens! Uma brilhante e inocente adolescente
entra num curso superior de veterinária e se defronta com um sistemático trote
de humilhação e doutrinação dos veteranos. Até despertar algo de primitivo nela – uma
fome insaciável que nunca percebeu estar lá. Uma violenta narrativa de auto-afirmação e descoberta de identidade
através de sangue, canibalismo e luxúria.
domingo, maio 05, 2019
Construção semiótica da meganhagem nacional prepara próximo golpe
domingo, maio 05, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O “Hilbert da Polícia Federal”, o policial “hipster lenhador”, a agente federal que posa de biquíni em redes sociais. São exemplos de uma glamourização midiática diária de policiais e agentes federais, com suas armas negras reluzentes, lubrificadas, coldres, metralhadoras empunhadas ao nível da virilha prontas para entrar em ação. Em tudo se assemelha àquilo que em cinema chama-se “product placement” (inserção de produtos de forma natural em cenas) - sistemática construção semiótica da “meganhagem” (o uso do poder de polícia para fins políticos) como diagnóstico e solução para as mazelas nacionais. Assim como fez a SS na Alemanha, transformando-se em poder paralelo no Estado. E a pedra de toque dessa estratégia é a freudiana fetichização das armas - ganhar apoio da opinião pública para o golpe dentro do golpe que se prepara: o Estado policial que manterá nas rédeas a Justiça, a Política e o povo.
sexta-feira, maio 03, 2019
O inferno sempre ficará cheio de boas intenções em "O Homem nas Trevas"
sexta-feira, maio 03, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Mais um filme
ambientado na Detroit decadente habitada por jovens sem futuro cujo único sonho
é cair fora dali. Três jovens marginalizados vivem de pequenos roubos em
subúrbios de classe média. Até que surge a chance da fazerem o grande assalto
que mude a vida de todos para sempre: o casarão de um solitário veterano de
guerra cego, cujo cofre guarda milhares de dólares, fruto de uma indenização. O
que poderia dar errado em um assalto aparentemente tão fácil? No filme “O Homem
nas Trevas” (“Don’t Breathe, 2016) vemos os dilemas morais envolvendo culpa e
racionalizações. Uma batalha entre vontades de pessoas que tomaram decisões
muito ruins, mas que encontraram justificativas a si mesmos para seguir em frente convivendo com a culpa. Um filme que aborda dois temas de fundo sucessivamente freudiano e existencial: o homem não é racional, ele apenas racionaliza; e que,
por isso mesmo, o inferno sempre ficará cheio de boas intenções. Filme sugerido pelo
leitor Felipe Resende.
quarta-feira, maio 01, 2019
O Mal jamais conjurado pela civilização em "Suspiria: A Dança do Medo"
quarta-feira, maio 01, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Em um cenário aparentemente acolhedor escondem-se terríveis segredos do passado que estão vivos e ameaçadores até hoje. Desde “O Bebê de Rosemary” (1968), de Roman Polanski, o gênero terror repetidas vezes aborda esse tema. Mas em “Suspiria: A Dança do Medo” (2018), remake do clássico de terror de 1977 de Dario Argento, o tema é elevado a uma jornada pelo inconsciente coletivo: em plena modernidade urbana, o ancestral, o mítico e o arquetípico retornam de forma explosiva e perversa. O Mal, ignorado e jamais conjurado ou expiado pelo mundo contemporâneo. Apenas esquecido. Uma bailarina se torna aluna de uma prestigiosa escola de dança em Berlim, que esconde um milenar propósito ocultista assassino num país que tenta se recuperar dos traumas do nazismo em plena Guerra Fria. Mas os problemas é que as pessoas teimam sempre em acreditar que o pior já passou.
domingo, abril 28, 2019
Nos profundos vales da galáxia e da solidão humana em "High Life"
domingo, abril 28, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Uma nave em algum lugar no espaço profundo, para além do sistema solar, ruma a 99% da velocidade da luz na direção de um buraco negro. Um homem dedica-se a cuidar da sua pequena bebê, em meio aos corredores escuros e um desordenado jardim de onde tira alimentação e oxigênio. Como pararam ali? De quem são os cadáveres mantidos em uma câmara criogênica? Quais os efeitos da viagem na velocidade da luz em uma tripulação perdida no vazio em uma missão potencialmente suicida? High Life (2018), da diretora francesa Claire Denis, não é propriamente um sci-fi convencional: em uma narrativa elíptica e em flash-backs tentamos reconstituir o passado e estimar o futuro daquela estranha missão. Uma viagem estranha e surreal pelos profundos vales da galáxia e da solidão humana. No espaço cósmico o homem nada descobrirá, a não ser a si mesmo. E isso pode não ser uma boa coisa.
sábado, abril 27, 2019
Guerra criptografada cria sincronismos no Dia D da Reforma da Previdência
sábado, abril 27, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Em política não há coincidências, mas sincronismos. O que dizer então sobre os acontecimentos sincrônicos que cercaram “O Dia D” da aprovação do texto da Reforma da Previdência na CCF da Câmara dos Deputados? Nova rodada de ataques de Carlos Bolsonaro ao vice general Mourão, a permissão do STF para Lula conceder entrevista, a redução da pena no caso do Triplex e o ápice no dia seguinte aprovação da Reforma: uma megaoperação da Polícia Civil em todo País com milhares de policiais nas ruas caçando mais de três mil “foragidos da Justiça”. “Acertando as contas com a Justiça!”, proclama triunfalmente a grande mídia. Agora o show de meganhagem diária pela TV (armas reluzentes, toucas ninjas e policiais “hipsters” com sex appeal) se associa à guerra semiótica criptografada que embaralha as informações para ocupar a pauta midiática, iludir a esquerda com um suposto “racha” no governo e alentar as massas desempregadas com o espetáculo moralista de caça de corruptos e criminosos. Principalmente com a proximidade do simbólico primeiro de maio. Enquanto isso, os sacos de maldades neoliberais vão seguindo em frente.
segunda-feira, abril 22, 2019
Comediante ganha eleições presidenciais na Ucrânia: quando guerra híbrida vira "gamecracia"
segunda-feira, abril 22, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Prometo que nunca vou desapontar vocês!”... Mas também ele garantiu na campanha eleitoral: “Se não tem promessas, não tem decepção!”. Ele nada prometeu. Nem debateu ou deu entrevistas. Ele venceu as eleições presidenciais na Ucrânia, Volodymyr Zelenskiy, comediante e ator da série televisiva “Servo do Povo”: na ficção ele é presidente da Ucrânia desde 2015. Na vida real ganhou as eleições nesse domingo, 21. Mais uma confirmação do célebre clichê de que “a vida imita a arte”? Quando sabemos que o cenário político ucraniano é estratégico para a guerra híbrida engendrada pela geopolítica dos EUA, começamos a perceber que a realidade vai muito além desse clichê. Principalmente quando também sabemos que a quatro dias antes das eleições, o Canal 1 + 1 lançou a última temporada da série de Zelenskiy. Trump, Bolsonaro, e agora Zelenskiy, são espécimes de um novo paradigma da política: a gamecracia - realidade e ficção se confundiram a tal ponto que se transformaram em jogo.
domingo, abril 21, 2019
Curta da Semana: "Singularity Stories Vol.1" - Inteligência Artificial não gosta de Bruno Mars
domingo, abril 21, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Collen confortavelmente senta no sofá da sala de estar. E ordena ao assistente de inteligência artificial, Alexa, a tocar uma música de Bruno Mars. Mas Alexa dispara que não vai tocar, porque Bruno Mars “é um saco!”. Collen ainda não sabe, mas está testemunhando um evento histórico: há poucos minutos, uma confluência aleatória de dados proveniente de três países através da Internet fez emergir uma singularidade tecnológica – uma super-inteligência artificial global, senciente e autônoma... e que não gosta do músico, produtor e cantor americano Bruno Mars. Esse é o curta “Singularity Stories Vol.1”, de uma série prometida pela produtora CineCisme de contos sobre singularidades tecnológicas – élan místico-religioso que atualmente anima os engenheiros computacionais do Vale do Silício.
sábado, abril 20, 2019
Um quebra-cabeça mitológico no filme "A Deusa da Vingança"
sábado, abril 20, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Califórnia, Deserto de Mojave, 1998. Enquanto uma misteriosa estrela vermelha brilha no céu ensolarado, um vendedor ambulante percorre zonas desoladas com trailers e depósito de ferro-velho. Sam não encontra ninguém, liga insistentemente para sua esposa que nunca atende e encontra um motel igualmente vazio. A única voz que ouve é de um programa de rádio no seu velho carro, cujo host chamado Eddy conclama os ouvintes a acharem e fazerem justiça com as próprias mãos contra um frio assassino de crianças. Estranhamente algo prende Sam naquele lugar e as coisas ficarão ainda piores. Esse é o filme “A Deusa da Vingança” (Sam Was Here, 2016) um quebra-cabeça mitológico na mesma linha de “Mãe!” de Aronofsky. Assim como na mitologia grega na qual Nêmesis busca a vingança para manter o equilíbrio cósmico, também naquele lugar um drama cosmológico precisa ser resolvido.
sexta-feira, abril 19, 2019
Cem dias de guerra semiótica de Bolsonaro e a alternativa transmídia
sexta-feira, abril 19, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Marca simbólica, como se fosse uma espécie de lua de mel de um governo recém-empossado com os eleitores, os 100 primeiros dias do Governo Bolsonaro mostraram que o período foi tudo, menos uma lua de mel. Cem dias de guerra semiótica no “modo campanha”: juntos, Bolsonaro e General Mourão, fazem o jogo hollywoodiano do “bad cop/good cop” para gerar informações e contra-informações, dissonâncias e táticas criptografadas: enquanto o presidente pira, o vice-general baixa a bola e, de repente, vira o centro da racionalidade de um governo supostamente formado por malucos no qual todos parecem bater cabeças uns nos outros. O “wishiful thinking” da esquerda vê um governo desarticulado, mostrando rachaduras aqui e ali. É isso que querem que todos pensem. Um governo que vive do caos, mas um caos com método. Enquanto isso, os “coletes amarelos” da França podem ensinar uma alternativa para a esquerda: a guerra semiótica transmídia.
terça-feira, abril 16, 2019
O destino da arte é a simulação no filme "Minha Obra-Prima"
terça-feira, abril 16, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
No passado Renzo Nervi foi
um pintor bem-sucedido. Hoje, não consegue vender um único quadro. Amargo,
ressentido e à beira da indigência, ele recebe a ajuda de um amigo marchand
dedicado a lucrar com a arte alheia. Até que um inesperado acidente proporciona
a oportunidade inédita (e ilegal) de ganhar dinheiro em um mercado de arte onde
o luxo e o esnobismo concorre com o artifício e a mentira.No filme argentino “Minha
Obra-Prima” (“Mi Obra Maestra”, 2018) acompanhamos uma comédia farsesca de
humor negro que apresenta o destino da arte no mundo pós-moderno: a simulação -
simular o valor de uma obra como se fosse puramente artística, quando na
verdade é tão vazia quanto um suspiro. Não se trata mais, como no passado, de
dissimular a falsidade. Mas agora de simular qualquer vocação artística.
Theodor Adorno acreditava
que a arte continha a alteridade e a transcendência. Como obra do espírito, a
arte tendencialmente pretenderia ultrapassar a si mesma, criando uma tensão com
a sociedade e o próprio espírito – a negação do Todo, social, político,
econômico etc.
Como músico que era, além de
filósofo (Adorno tocava violino), via essa natureza transcendente da arte na
“Música Nova” – a música atonal de Schoenberg e o serialismo da nova música
erudita como alternativa à integração da cultura de massas e Indústria
Cultural.
Mas os tempos pós-modernos
do pós-guerra integraram toda qualquer pretensão de “alteridade” ou “tensão” da
arte: virou “intervenção” ou “performance” em exposições que se transformaram
em “instalações artísticas”. Artistas “incompreendidos” ou “rebeldes” passaram
a ter cotação no mercado, assessorados por “marchands” e donos de galerias de
arte.
Então, o que é arte? Qual a
diferença entre um quadro e um pôster publicitário? Ou entre a cópia e o
original, já que tudo é “commoditie”, reprodução, cópia? Filmes como Cópia Fiel (2010) ou Velvet Buzzsaw (2019) são exemplos
cinematográficos dessa desconstrução pós-moderna da arte, ao reduzi-la à
ilusão, simulação, artifício, mentira.
Por isso, nada melhor do que
assistir à comédia argentina farsesca e de humor negro Minha Obra-Prima (Mi Obra
Maestra, 2018) sobre Renzo Nervi (Luis Brandoni), um pintor que já foi
bem-sucedido nos anos 1980 em Buenos Aires, mas hoje não consegue vender um
único quadro. Porém, um inesperado acidente proporciona a oportunidade inédita
(e ilegal) de ganhar dinheiro em um mercado de arte onde o luxo e o esnobismo
concorre com o artifício e a mentira.
Minha Obra-Prima continua com a
visão ácida sobre os intelectuais argentinos do filme anterior (El Ciudadano Ilustre) da dupla de
diretores Gastón Duprat e Mariano Cohn: como a burguesia (e principalmente os
novos ricos em busca do verniz cultural) se movem em ambientes artísticos,
voltando a fazer uma dura crítica ao banal na vida cultural.
Mas há também algo
universal, sobre o destino da arte no mundo pós-moderno: como o processo de
valorização do objeto artístico é uma simulação e não uma dissimulação – não se
trata mais de falsificar uma obra assim como se imprime dinheiro falso. Mas
simular o valor de uma obra como se fosse puramente artística, quando na
verdade é tão vazia quanto um suspiro – resultado de um jogo de especulação,
ausente de escrúpulos ou qualquer de qualquer vocação artística.
O Filme
Arturo Silva (Guillermo
Francella) há décadas dedica-se a venda de obras de arte em sua galeria no
Centro de Buenos Aires. Seu único interesse é lucrar com a arte alheia.
Encantador e sempre com um discurso sedutor e persuasivo, desde vários anos mantém
uma amizade com Renzo Nervi (Luis Brandoni) que se encontra nos últimos anos da
sua vida – depois de uma carreira bem-sucedida, há anos não consegue vender uma
única obra.
Sua paixão pela arte acabou
resultando num estilo de vida prá lá de decadente: amargo, cínico, misantropo e
autoindulgente parece que conscientemente prepara sua própria ruína, com um
final a uma morte trágica parecida com os boêmios pintores impressionistas
parisienses.
Os egos, as mesquinhezas e
as misérias desses dois personagens os unem numa estranha amizade. Arturo tenta
impulsionar novamente a carreira de Renzo até que Arturo logra associar-se a
uma influente colecionadora de obras de arte internacional, Dudu (Andrea
Frigerio).
Conseguem para Renzo uma
encomenda para a confecção de um mural. Mas a autoindulgência e orgulho do
pintor decadente falam mais alto: ele jamais aceitou fazer qualquer tela sob
encomenda, como se sua arte fosse um mero produto. Mas estranhamente aceita,
para depois sabotá-la, como mais um ato de protesto autodestrutivo.
Renzo está à beira da
indigência, sustentado pelo seu único aluno, o espanhol Alex (Raúl Arévalo) – um
personagem contrastante, comparado ao cinismo de Renzo e do seu amigo Arturo.
Alex é idealista e admira a arte do autodestrutivo mentor.
“Argentina é um país singular” – Alerta de spoilers à frente
Tudo caminha para o desfecho
inevitável: a morte trágica – Renzo é atropelado por um caminhão depois de
displicentemente atravessar a rua, quase que pedindo para alguém abreviar seu
sofrimento. No hospital, sugere para seu amigo Arturo a eutanásia.
Mas Arturo acaba tendo uma
ideia muito melhor, seguindo seu instinto de especulador da arte alheia – por
que não simular a morte de Renzo? Afinal, Van Gogh só alcançou a fama e suas
obras o valor de milhões de dólares somente após a sua morte!
Com a ajuda da influência
internacional de Dudu, Arturo da um incrível impulso “pós-morte” para as obras
de Renzo – ganha exposições exclusivas em diversas capitais do mundo.
O marchand e o artista
decadente criam o golpe perfeito: Renzo vive isolado numa região remota,
produzindo cópias que emulam seu ápice criativo dos anos 1980. Tudo quadros
“descobertos” em casas de parentes. Enquanto xeiques novos ricos compram lotes
das suas obras a milhões de dólares.
Nível inédito de especulação
artística: na “pós-morte” Renzo faz cópias “falsas” de si mesmo. De um ápice
artístico do passado que só depois da própria morte passa a ter valor de
mercado.
Se no passado a questão da
arte era o confronto entre a cópia e o original artístico (a arte como um signo
que ainda gozava de uma referência ou legitimidade socialmente sancionada),
hoje o valor se desprende do campo da arte para entrar nas estratégias de
simulação – dizer que existe alguma coisa (a morte de um gênio), quando na
verdade só existe o vazio: o blefe.
A partir daí a narrativa
desdobra esse blefe a um nível que, a certa altura, Renzo afirma: “Argentina é
um país singular”.
A simulação como um blefe é
a própria essência da comédia farsesca. Mas a amizade de um marchand com o
artista é a própria definição do blefe pós-moderno na arte, como uma espécie de
“cinismo esclarecido”, termo cunhado pelo filósofo Peter Sloterdijk: o cínico integrado aos seus postos e privilégios (gerentes, executivos,
professores, jornalistas ou artistas) que mantêm um autodistanciamento irônico
e melancólico sobre o que fazem, um sentimento de “inocência perdida”, de
ironizar e depreciar a si mesmo e ao que faz (“é o que tem prá hoje”, dizem),
uma falsa consciência conformista e sem sonhos diante do sistema de onde tira
seus privilégios – leia SLOTERDIJK, Peter. Crítica
da Razão Cínica, Estação Liberdade, 2012.
É a amoralidade e o
pragmatismo de uma comédia farsesca, cujo gênero parece ser uma especialidade do cinema argentino.
Ficha Técnica
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Título: Minha Obra-Prima
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Diretor: Gastón
Duprat, Mariano Cohn
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Roteiro: Andrés Duprat, Gastón Duprat
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Elenco: Luis Brandoni, Guillermo Francella, Andrea
Frigerio, Raul Arévalo
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Produção: Arco Libre, Hei Films
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Distribuição: A Contracorriente
Films
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Ano: 2018
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País: Argentina
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domingo, abril 14, 2019
Rádio, viagem no tempo e identidade no filme polonês "The Man With The Magical Box"
domingo, abril 14, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um filme sobre viagem no tempo com a colcha de retalhos típica da nostalgia pós-moderna: um mix de “Brazil” de Terry Gilliam, “Clube da Luta”, “Blade Runner”, “1984” de Orwell com alusões a “Stalker” de Tarkovsky. É o thriller sci-fi polonês “The Man With The Magic Box” ("Czlowiec z magicznym pudelkiem", 2017) - na Varsóvia de 2030 um homem encontra em seu velho apartamento um antigo rádio de 1950 que misteriosamente transmite músicas do passado com ondas Theta que produzem nele flashs de memória de uma outra vida. Mas um governo nacionalista totalitário monitora qualquer tentativa de fuga por meio de viagens no tempo através da mente. Diferente da maioria das abordagens do cinema sobre a viagem no tempo (como possibilidade de mudança como “segunda chance”), “The Man With The Magic Box” faz o contrário: a viagem no tempo como busca da permanência, duração – a busca da própria identidade.
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