quinta-feira, maio 09, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
E se você tivesse a chance de voltar no tempo e corrigir um erro terrível, embora soubesse estar moralmente errado porque o resultado anterior era o que teria de realmente acontecer? Voltando ao passado, como reagiria ao se defrontar com seu próprio clone que tem todas suas memórias, porém limitadas por um delay de 15 minutos? Essas são algumas questões morais levantadas pelo filme “+1” (aka “Plus One, 2013), do diretor grego Dennis Iliadis. Não é propriamente um filme sobre “viagem no tempo”, mas a proposta de transformar uma festa universitária numa espécie de “Caixa de Schrödinger” (experimento imaginário de mecânica quântica do físico austríaco) no qual os mesmos eventos duplicados ocupam o mesmo espaço, porém com um delay a partir de 15 minutos progressivamente diminuindo. Tudo em decorrência de um misterioso fenômeno elétrico-astronômico. É mais um filme sobre o mito da “segunda chance”, mas dessa vez revelando que essa recorrência no cinema é o sintoma do atual espírito de época – a crescente angústia existencial humana, tal como descreveu o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre. Filme sugerido pelo nosso leitor Fábio Hofnik.
Esse humilde blogueiro sabe que, em alguma postagem nesses quase dez anos de Cinegnose, foi usado esse provérbio. Mas vou repetir: passamos metade da vida cometendo erros. E a outra metade, tentando consertá-los.
E se o leitor tivesse a oportunidade de ter uma segunda chance para corrigi-los in loco, sem ter que gastar o tempo restante da vida correndo atrás de uma solução? E se você tivesse a chance de voltar no tempo e corrigir um erro terrível, embora soubesse estar moralmente errado e que o resultado anterior fosse o que teria de acontecer?
Como você reagiria, voltando ao passado, ao se defrontar com um clone de você mesmo que tem todas suas memórias, porém dentro de um delay de 15 minutos?
Essas são as questões das quais partem o argumento do filme do diretor grego Dennis Iliadis +1 (aka Plus One, 2013). O tema da “segunda chance” é recorrente na cinematografia recente: Efeito Borboleta (2004), Perdido Entre Dois Mundos (2007), Sr. Ninguém (2009), Another Earth (2011), Coherence (2013), The Discovery (2017) entre inúmeros filmes recentes.
À primeira vista, nos primeiros minutos da narrativa, +1 parece algum tipo de “college movie” dentro do espírito da franquia American Pie: jovens universitários com hormônios explodindo, embebedando-se em festas, em busca da primeira transa – e com os personagens arquetípicos como a garota e o garoto popular, a nerd solitária e autoindulgente, os sociopatas, os competitivos e assim por diante.
Com o passar dos minutos, principalmente após o acidente espaço-temporal que transformará aquela festa mundana num evento sobrenatural, +1 parece se transformar num mix de American Pie com viagem quântica no tempo. Mas com o transcorrer da estranha festa, Dennis Illadis começa a acrescentar algo mais: o tom cada vez mais sombrio e dilemas morais. Embora, a solução seja a mais otimista, dentre os filmes recentes sobre o tema “segunda chance”.
+1 nos mostra uma espécie de viagem quântica no tempo. Não mais uma viagem no tempo convencional. Mas uma situação que se assemelharia à experiência imaginária do físico austríaco Schrödinger do gato preso no interior de uma caixa que revela o paradoxo quântico do animal estar ao mesmo tempo morto e vivo.
Uma viagem muito mais através do espaço do que no tempo, já que passado e presente ocupariam o mesmo tecido espacial – doppelgangers se encontrando numa mesma festa, em um delay de 15 minutos.
O Filme
David (Rhys Wakefield) é um jovem que parece ter parado no tempo: não mais estuda e apenas fica à espera do próximo verão e suas festas universitárias. Sua namorada é a estudante Jill (Ashley Hinshaw) que começa a achar que seu relacionamento com David está muito devagar e a ele faltam perspectivas futuras.
Todas essas emoções explodem numa tarde quando David confunde-se e se aproxima de Melanie (Nathalie Hall) nos corredores da universidade, pensando ser ela sua namorada Jill. Melanie vira-se e beija David, que não faz muita questão de afastá-la para dirimir a confusão. Jill assiste a tudo com o coração partido, aumentando o grau da tensão do casal.
Jill decide acabar com tudo. Com seu romance em queda livre e desesperado, David e seu amigo Teddy (Logan Miller) decidem ir numa grande festa na casa do garoto rico local que promete muito bebida, música e sexo. David sabe que lá poderá encontrar Jill e tentar corrigir o seu erro. Mas ele não contava encontrá-la acompanhada de uma cara mais velho...
Paralelo a tudo isso, começa um estranho fenômeno elétrico desencadeado pela queda de um meteoro em um quintal próximo. Durante a festa David, Teddy e sua amiga tímida e insegura Alison (Suzanne Dengel) experimentam ondas de alucinações desorientadoras.
Quando todos os convidados foram para fora para continuar a festa no jardim do casarão, ocorre um estranho blackout. Ao retornar a luz, David Teddy e Alison percebem que há estranhamente duas festas simultâneas: dentro e fora da casa. E o que é mais assustador: dentro da casa estão duplicatas de todos que estão dançando e bebendo freneticamente nos jardins.
Mas não apenas isso: as duplicatas parecem repetir as mesmas situações ocorridas há 15 minutos. Porém, o estranho fenômeno espaço-temporal parece revelar sua natureza quântica de uma “caixa de Schrödinger” (sobre esse experimento clique aqui): a cada nova queda de energia e retorno, os clones avançam mais alguns minutos no tempo.
Parece que a qualquer momento, as duas festas irão se sobrepor para criar aquilo que na mecânica quântica chama-se “decoerência”: o que aconteceria então? Isso apavora Teddy e Alison, que tentarão alertar os festeiros. Enquanto David tentará a oportunidade para refazer uma tentativa fracassada de desculpas. Quem sabe, ele possa ser bem-sucedido, dessa vez com a clone de Jill...
“Segunda Chance” e a angústia existencial
O que torna interessante +1 é que o fenômeno elétrico-astronômico nunca é explicado: não há especialistas, astrônomos ou sequer um monitor de TV mostrando um telejornal com alguém sendo entrevistado e dando alguma explicação plausível.
Tudo o que sabemos é nada mais do que aquilo que os personagens deduzem. Não há nenhuma informação reconfortante que auxilie as ações dos protagonistas – eles fazem tudo por impulso, resultando em uma série de dilemas morais: se David conseguir reconciliar-se com a clone de Jill, poderá matar a sua versão original do presente? O que farão todos na festa para evitar a sobreposição? Matar suas duplicatas? Isso não seria suicídio?
O que fica mais evidente em +1 é o porquê dessa recorrência do tema “segunda chance” no cinema desse século: o crescimento da angústia existencial. O que representa esse estado de ansiedade, inquietude e sofrimento que marca essa geração atual que abre o século XXI.
Talvez, a filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre nos ofereça uma pista. Para ele, a angústia decorre da descoberta da radical liberdade humana – não há Deus, propósitos, destinos manifestos, natureza humana ou qualquer outro tipo de “essência” que nos conforte nas escolhas que fazemos. Apenas há a existência. Por isso liberdade e responsabilidade são a fonte da permanente angústia humana. Esse radical indeterminismo.
Portanto, uma leitura sartreana desse mito cinematográfico da segunda chance é a “má fé” – inconformados, colocamos a culpa no tempo, destino ou acaso.
E parece que a sociedade de consumo atual potencializa ainda mais essa situação de angústia: as inúmeras e imaginárias alternativas bombardeadas sobre nós (opções de consumo, carreira, amores etc.) pelas diversas mídias, aplicativos e plataformas apenas potencializam a inquietação e ansiedade – o quê escolher? Com quem namorar diante das opções uma plataforma de encontros como um Tinder? O quê escolher nas gigantescas gôndolas de hipermercados?
Angústia existencial virou o paradigma da nossa época: cada escolha poder ser fatal. Escolher não é uma simples opção por aquilo que você decidiu. Significa algo assustadoramente maior: recusar outras opções que poderiam (ou não) ser melhores, de cuja recusa poderá se arrepender.
O núcleo da tensão entre David e Jill está na questão do tempo e escolhas: David é acomodado e Jill pensa nas escolhas futuras.
Se no passado, filmes sobre viagem no tempo tratavam de questões épicas e históricas (evitar a tragédia do Titanic ou matar Hitler para evitar o Holocausto), hoje as questões são mais existenciais: a angústia que o tempo e a responsabilidade das escolhas nos provocam.
Ficha Técnica
Título: +1 (Aka Plus One)
Diretor: Dennis Iliadis
Roteiro: Dennis Iliadis, Bill Gullo
Elenco:Rhys Wakefield, Logan Miller, Ashley Hinshaw, Nathalie Hall
Cinegnose participa do programa Poros da Comunicação na FAPCOM
Este humilde blogueiro participou da edição de número seis do programa “Poros da Comunicação” no canal do YouTube TV FAPCOM, cujo tema foi “Tecnologia e o Sagrado: um novo obscurantismo?
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"Cinema Secreto: Cinegnose" é um Blog dedicado à divulgação e discussões sobre pesquisas e insights em torno das relações entre Gnosticismo, Sincromisticismo, Semiótica e Psicanálise com Cinema e cultura pop.
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No Oitavo Aniversário o Cinegnose atualiza lista com 101 filmes: CosmoGnósticos, PsicoGnósticos, TecnoGnósticos, AstroGnósticos e CronoGnósticos.
Esse humilde blogueiro participou do Hangout Gnóstico da Sociedade Gnóstica Internacional de Curitiba (PR) em 03/03 desse ano onde pude descrever a trajetória do blog "Cinema Secreto: Cinegnose" e a sua contribuição no campo da pesquisa das conexões entre Cinema e Gnosticismo.
Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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