Essa cosmovisão
está na base das religiões hindus, budistas e nas atuais religiões New Ages.
Essa visão de mundo ganhou popularidade no Ocidente a partir da década de 1960
por meio de celebridades como os Beatles e os livros de autoajuda da atriz
Shirley McClain. O sucesso de Star Wars despertou ainda mais o interesse popular
pelas ideias do panteísmo.
Até então tanto a
literatura como nos filmes sci-fi (C.S. Lewis, J.R. Tolkien ou filmes como O Planeta Proibido de 1956 ou 2001 de Kubrick) também apresentavam
respostas a questões espirituais, porém ainda dentro de uma perspectiva teísta ou
judaico-cristã. Ou mesmo sci-fis gnósticos dos anos 1970 como Zardoz (clique aqui) ou O Homem Que Caiu na
Terra (clique aqui).
Star Wars foi o ápice popular dessa cosmovisão
panteísta. Panteístas acreditam na ausência de um ser divino pessoal e criador.
Atestam uma força impessoal, uma energia cósmica que flui ao longo de todas as
coisas do universo. Essa energia pode ser chamada “O Um”, o “Divino”, “Chi”,
“Mana” ou “Brahma”. Em Star Wars é
chamada de “A Força”.
A Força
O Mestre Jedi Obi
Won Kenobi introduz a ideia de Força no primeiro filme em 1977, ao explicar
para Luke Skywalker a sua natureza: “A
Força é o que dá ao Jedi o seu poder. É um campo de energia criado por todas as
coisas vivas. Ela nos cerca, nos penetra e conecta todas as galáxias.
Embora George
Lucas tenha se inspirado nas religiões orientais como o Taoísmo que ensina que
essa energia cósmica chama-se “Chi”, em Star
Wars essa ideia de Força é, no mínimo, ambígua. Em certos momentos da série
é vista um poder vinculativo, metafísico e onipresente; mas em outros momentos
vê-se a Força como uma entidade sensível, dotada de pensamento inteligente e
que direciona eventos na busca de um equilíbrio cósmico futuro; ou ainda como
simples ferramenta para o Jedi aumentar a resistência, curar, telepatia,
velocidade, telecinesia (movimentação de objetos à distância), visões
pré-cognitivas e aguçamento dos sentidos.
O equilíbrio da Força
A saga Star Wars gira em torno da figura de
Anakin Skywalker, que é identificado pelo Mestre Jedi Qui Gon Jinn como “O Escolhido”
para restaurar o “equilíbrio da Força”, esperança que atravessa toda a série.
Esse é o centro da
mitologia Star Wars: a Força envolve
um equilíbrio de luta pelo poder entre os Jedi (do lado da Luz) e os Siths – o lado
escuro da Força. Lembrando o princípio taoísta de Yin/Yang, o universo é composto
por forças que serão sempre mantidas em estado de oposição. Nenhum dos lados
tem domínio sobre o outro. Forças mutuamente dependentes – um não pode ser
conhecido sem o outro. A Escuridão, a Morte e o Mal nunca serão derrotados;
somente há equilíbrio enquanto existir oposição.
Em Star Wars o desequilíbrio ocorreu porque
o lado escuro tornou-se mais influente com a consolidação do Império e deve ser levado ao
equilíbrio pelas forças do bem. O lado escuro jamais será derrotado de forma
permanente pela Luz, mas deve-se apenas restaurar a Força por meio da
recuperação do equilíbrio. Esse é o conceito que George Lucas explora ao longo
da série.
O ardil da Força
Percebe-se na série o ardil da Força, revelando também ser uma entidade inteligente como um
Deus o que, paradoxalmente, o panteísmo pretende negar. A Força manipula
eventos, cria profecias e sonhos e até mesmo engravida uma mulher da qual
nascerá a figura messiânica (Luke Skywalker) que trará o equilíbrio da Força.
Em última análise,
ao passar para o lado negro da Força e transformar-se em Darth Vader, Anakin
traz um novo equilíbrio a um desequilíbrio inicial: a purga dos Jedi aos
transformá-los em inimigos da República surge num momento em que o lado
luminoso era mais forte, quando haviam centenas de Jedi, enquanto no lado
escuro havia um número reduzido.
Os episódios do I
ao III revelam como a religião Jedi turvou seus próprios pontos de vista,
corrompendo-os e tornando-os tão maus quanto os Sith – passaram a operar pela
mentalidade “os fins justificam os meios” e sua reputação fica tão obscura que,
quando são enviados dois Jedi (ao invés de diplomatas treinados) para resolver
uma disputa comercial comum, causam grande medo – parecem a Gestapo da
República.
Darth Vader traz
um novo desequilíbrio, cuja solução veio através dos próprios filhos de Anakin:
Luke Skywalker e Leia.
O perfeito panteísmo hollywoodiano
Por isso essa
noção panteísta da Força é um moto-contínuo perfeito para uma franquia
hollywoodiana: jamais nenhum dos lados sofrerá uma derrota final. Potencialmente
a série não tem um fim, está em constante expansão. No universo Star Wars não há redenção e todos os
meios parecem justificar o fim – o equilíbrio da Força.
A Força parece ser
sempre um “deus ex machina” do roteiro (termo usado para designar intervenções
arbitrárias em uma narrativa para fazê-la fluir) – um panteísmo hollywoodiano
perfeito para produzir um blockbuster sem fim, uma narrativa transmídia onde a
história jamais termina, apenas continua através de múltiplas mídias e
plataformas.
Embora a série Star Wars tenha um appeal gnóstico (as
análises mais apressadas veem nos Siths o Demiurgo e nos Jedi os anjos da Luz) e
até um planeta chamado Geonosis (Gnosis?), não há uma redenção, uma gnose
que faça os personagens transcenderem a dualidade sem fim. Na saga, a dualidade não é maniqueísta (no sentido do pensador gnóstico persa Mani) mas monista - Bem e Mal são dependentes um do outro para manter uma ordem onde indivíduos e acontecimentos são meras peças de um jogo.
Gnosticismo e Panteísmo
O Gnosticismo
possui uma cosmovisão essencialmente dualista: é impossível existir harmonia
nesse cosmos – o conflito entre o Bem e o Mal será sempre entre aqueles que
anseiam fugir da prisão cósmica material e as forças que pretendem nos manter
prisioneiros – tema central de um arco de produções que vai de Truman Show e Matrix até a atual série Sense8 - clique aqui.
Nesses filmes até
há sugestões panteístas onde o protagonista somente será bem sucedido se puder
sentir a uma voz interior que o conecte a um Todo – principalmente em Sense8 onde os sensates se conectam por meio de um sistema nervoso coletivo través
do qual partilham emoções e percepções. Porém, a finalidade não é a busca de um
equilíbrio, mas a destruição de uma sinistra conspiração que envolve a própria
construção da realidade.
Ao contrário, em Star Wars desde a Realpolitik (tramas
palacianas envolvendo Federações, Confederações, Repúblicas e Impérios) até as
relações afetivas são ardilosamente manipuladas pela Força por meio de sonhos
(as premonições de Anakin sobre a morte da sua esposa grávida, Padmé, é o
primeiro passo para a sedução pelo lado Escuro) e profecias.
Por um ponto de
vista gnóstico, a Força é um Demiurgo – talvez bem próximo do Deus impiedoso do
Velho Testamento bíblico. Para a Força, o fim (equilíbrio/desequilíbrio) justificam os meios - até a destruição de planetas inteiros.
E por um ponto de
vista comercial da indústria do entretenimento, a Força é o ardil dos
roteiristas e da própria franquia, agora da Disney. Nada mais irônico do que o
novo filme da série Star Wars
chamar-se O Despertar da Força –
depois de mais de uma década do último filme e a aposentadoria do criador George Lucas, a saga
continua em busca de um equilíbrio. E os fãs e a Disney esperam que essa busca nunca tenha uma redenção
final.