Que Trump é um agente do caos, todos já sabemos: a engenharia do caos é a essência da comunicação alt-right. “Flood the Zone!”, como sintetizou Steve Bannon: inundar a mídia com acontecimentos comunicacionais desconexos como jogo diversionista. Que muitas vezes nem a própria extrema-direita brasileira consegue entender. Do tarifaço ao discurso na ONU em que admitiu que rolou uma “química" entre ele e Lula, parece que Trump tirou o Governo brasileiro das cordas e deu de bandeja as armas semióticas que faltavam: a defesa da Soberania, Multilateralismo, ajudou a colocar as esquerdas nas ruas etc. Das milhões de visualizações do vídeo de Nikolas Ferreira, no início do ano, ao discurso de Lula na ONU da última terça-feira, testemunhamos uma verdadeira aventura semiótica num ano pré-eleitoral – o jogo da comunicação que parecia ganho para a extrema-direita até Trump embaralhar as cartas, obrigando a grande mídia a recalcular rotas e fazer o bolsonarismo aceitar a fórceps o jogo da despolarização cobrado pela banca financeira.
No campo da Comunicação, o governo Lula começou o ano nas cordas,
muito próximo do nocaute: primeiro, as 100 milhões de visualizações do vídeo do
deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) contra mudanças introduzidas desde 1º
de janeiro deste ano no monitoramento de transações bancárias, que foram
vendidas pela oposição como uma possibilidade de taxar quem usa o popular
sistema de pagamento do PIX.
O governo pretendia aumentar a transparência nas transações
financeiras (cuja necessidade ficou comprovada com a Operação da PF na Faria
Lima e as conexões do PCC com o mercado financeiro), mas teve que voltar atrás
com a repercussão da desinformação.
Depois, outro golpe em maio: a ação da PF que pegou o próprio
Governo de surpresa, cumprindo mandados de busca contra fraudes do INSS e novo
vídeo que viralizou de Nikolas Ferreira, cobrando a responsabilização do Governo
de um esquema fraudulento que na verdade começou no governo Temer e ampliado
com Bolsonaro. A demora na resposta do Planalto também deixou a oposição à
vontade para explorar o assunto.
Na época, este Cinegnose avaliava que faltava ao Governo
algum tipo de coordenação de inteligência semiótica – falávamos até em
“Gabinete de Inteligência Semiótica” – que abandonasse a política reativa de
comunicação para adotar uma estratégia proativa: mudar a concepção
“conteudista” da comunicação para adotar o paradigma do “acontecimento
comunicacional” – pensar a comunicação não apenas como informação, mas
principalmente como criação de acontecimentos para ocupar a pauta midiática e a
opinião pública.
Pois bem, apesar desse massacre comunicacional do primeiro
semestre, ainda a Secretaria da Comunicação Social de Sidônio Palmeira acreditava
que apenas a produção de vídeos de reposta com caprichada estética corporativa jogado
nas redes bastaria. O Governo continuava apenas marcando posição, ao invés de
se tornar protagonista da agenda nacional.
Enquanto isso, a máquina da judicialização da política continuava
azeitada e seguia o script da “trama golpista” – roteiro baseado na “pedagogia
do medo” dentro da narrativa da “defesa da democracia” para desmobilizar as
esquerdas, tornando-as espectadoras passivas das telas de TV. Iniciava o julgamento da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal
(STF) do ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete aliados pela trama golpista
para tentar reverter o resultado das eleições de 2022.
Paralelo a tudo isso, seguiam os movimentos diários na grande
mídia daquilo que este humilde blogueiro definiu como “Semiótica Nem-Nem”:
turbinar o governador de SP, Tarcísio de Freitas, como a terceira via “técnica”
e “moderada”, descartando os extremismos ideológicos representados por
Bolsonaro e Lula – a condenação de Bolsonaro seria a conclusão lógica desse
silogismo: assim como Lula o foi, Bolsonaro (outro extremista) também seria
preso.
Tudo estava “positivo e operante”: a esquerda hipnotizada diante das telas de TVs e dispositivos móveis acompanhando Xandão heroicamente defender a Democracia; enquanto o Governo estava encurralado no corner.
Até aparecer o agente do caos, o presidente
norte-americano Donald Trump – Brasil entra na rota dos tarifaços. Mas de um
modo especial: sem justificativa
econômica (a balança comercial do Brasil com os EUA há anos é deficitária)
explicitou a perseguição política com a aplicação da Lei Magnitsky e sanções
contra ministros do STF.
De quebra, Trump sugere ter “rodadas de conversas” com Eduardo
Bolsonaro e o jornalista bolsonarista Paulo Figueiredo ao lado de auxiliares do
mandatário norte-americano. Na pauta: sanções e novas tarifas contra produtos
importados.
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"Pesquisismo": Lula, o reponsável pelo tarifaço |
Semiótica Nem-Nem e Tarifaço
Pelo script planejado pela extrema-direita e grande mídia, Lula
seria responsabilizado pelo seu (obviamente) extremismo e viés ideológico
esquerdista que costuma ter o péssimo hábito de fazer amigos no BRICS.
Até no início foi tentado esse ardil semiótico, tentando produzir
uma contaminação metonímica entre manchetes e chamadas de primeira página dos
jornalões e as redes bolsonaristas: Lula seria o principal responsável por
criar “entrave político”.
Com a luxuosa ajuda do “pesquisismo” dos institutos de opinião que
apontavam uma suposta opinião pública apontando para Lula como o principal responsável
pelo tarifaço.
Porém, ignoraram um histórico recente da jornada de tarifaços pelo
planeta: que o tiro sempre saiu pela culatra porque Trump parece ter sempre
ajudado a turbinar líderes dos países supostamente rivais dos EUA.
E no Brasil não poderia ter sido diferente: o tarifaço não só
ajudou na recuperação da popularidade de Lula pelas pesquisas a partir de
julho, como, principalmente, revelou um curto-circuito na estratégia
bolsonarista: os Estados bolsonaristas foram os mais afetados pelas tarifas de
Trump, mesmo com as isenções - São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais,
Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, segundo dados do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Além do curto-circuito na própria grande mídia: o discurso da
“defesa da Democracia” que enalteceu o STF e transformando o ministro Alexandre
de Moraes em um abnegado punidor da “trama golpista” (fundamental dentro do
ardil semiótico “Nem-Nem” e da judicialização da política), começou a empoderar
o próprio Lula – o presidente aproximou a defesa da Democracia com a defesa da própria
Soberania.
Principalmente quando Trump revelou que o tarifaço contra o Brasil
nunca foi sobre economia, mas uma retaliação política açodada pelo deputado
Eduardo Bolsonaro em missão lesa-pátria nos EUA.
Tudo ficou ainda pior quando o herói da “terceira via”, o
bolsonarista governado de SP Tarcísio de Freitas, teve ataque daquilo que
chamamos como “Síndrome de Dr. Fantástico” (relativo ao filme de Kubrick) ao
não se conter e bater continência a Trump, colocar um boné do MAGA e elogiar o
tarifaço. Além de responsabilizar Lula, contando com o apoio midiático – não
percebendo que o jornalismo corporativo já tinha mudado de rota quando caiu a
ficha do curto-circuito.
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Vendo que todos os esforços semióticos na construção da imagem do
“Tarcísio, o Moderado” foram jogados fora com a Síndrome de Dr. Fantástico e
percebendo que o mote da “Defesa da Democracia” só empoderava ainda mais Lula, a
grande mídia mudou o curso: passou a relativizar as decisões do STF e
transformou a cobertura do julgamento do “núcleo duro” da “trama do golpe”
(principalmente a Globo News) numa espécie de assistente dos advogados de
Bolsonaro e seus companheiros – sublinhava pontos da defesa e os pontos fracos
das acusações. Com um particular trabalho de sublinhar como o ministro Luiz Fux
abordou cada uma das teses da defesa.
Recalcular a Rota
Mas já era tarde. Percebendo que os efeitos macroeconômicos
do tarifaço foram praticamente nulos (dólar cai sistematicamente enquanto o
Ibovespa registrou novo recorde em setembro), que Trump dobrou a aposta sancionando
a esposa de Alexandre do Moraes (reforçando ainda mais a urgência do discurso
da defesa da soberania) e que as manifestações da esquerda nas ruas de todo o
país contra a PEC da blindagem e a PL da Anistia impactaram as redes e os
deputados no Congresso, viu a necessidade urgente de recalcular a rota.
Necessidade de Recalcular a rota também sentiram os mortos-vivos
convocados às pressas para “pacificar a Nação” (Aécio Neves e Michel Temer propondo
uma “PL da Dosimetria”) quando, em meio aos seus esforços de costurar um
acordão com o Paulinho da Força, o STF e com tudo, viram Trump disparando fogo
amigo com mais sanções de Trump. Empoderando ainda mais Lula e evidenciando o
crime de lesa-pátria de Bolsonaro e seu filho além-mar.
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O ápice foi o discurso de Lula na ONU nessa terça-feira reforçando
que a Soberania brasileira “é inegociável”. E Pior! Logo depois foi a vez de
Trump discursar, falando de “química” entre o encontro dele e Lula nos
bastidores. Com 39 segundos “significativos” e com um “abraço” e um convite de
uma conversação na próxima semana.
Também fez parte do recálculo de rota geral a tentativa do
jornalismo corporativo interpretar as manifestações de rua do último domingo
como uma tal de “pauta ética” que exporia “um constrangimento do PT e do
Governo”.
Tentando um recall lavajatista para colar as manifestações contra
a Blindagem e da Anistia aos tempos de Moro e Dallagnol, num esforço retórico a
“colonista” Vera Magalhães (O Globo) escreve que a esquerda retoma o “combate a
corrupção”: “Após 20 anos, esquerda retoma bandeira do combate à corrupção”.
Talvez, ver a gigantesca bandeira brasileira ser estendida em
frente ao MASP despertou na “colonista” a memória afetiva dos tempos lavajatistas
das multidões de camisetas amarelas da CBF na Avenida Paulista...
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Tarcísio, o Redivivo
E como ficou a Semiótica Nem-Nem? Afinal, Bolsonaro foi condenado
e cada vez mais próximo da Papuda?
Após o surto de Síndrome de Dr. Fantástico de Tarcísio de Freitas,
até o jornalismo corporativo fez menção de fazê-lo andar na prancha para
jogá-los aos tubarões. Como fez o Estadão em dois editoriais: “O Teorema de
Tarcísio” e “As Escolhas de Tarcísio”, acusando-o de “desmoralizar a
democracia” e de ter “esquecido suas obrigações como governador” (clique aqui
e aqui).
O jornalão Folha até flertou com o governador do Paraná Ratinho Jr.
Mas, o tempo é exíguo para recomeçar do zero com um novo
investimento semiótico em um “campeão branco”.
Nesse último domingo, na primeira página do Estadão, vemos talvez
o primeiro movimento para repaginar Tarcísio, agora “O Redivivo”.
Explorando a contaminação metonímica (1+1=3) ao aproximar dois
blocos de chamada na primeira página para criar um terceiro significado: “Tarcísio
sofre críticas no Estado de SP; fora atrai até eleitor lulista”, citando uma
suposta pesquisa que o governador fora do Estado é tido como “preparado”,
“honesto” e “capaz”, enquanto em SP é “criticado”.
E na coluna ao lado, uma chamada para uma análise do cientista
político Bolívar Lamounier: “Bolsonaro está fora do jogo. Lula também deve
fazer”. A conclusão lógica do silogismo semiótico da lógica Nem-Nem.
Em tempos em que mortos-vivos como Temer e Aécio reaparecem para “pacificar”,
parece compreensível a tentativa de ressuscitar Tarcísio, o Redivivo.
A conferir os novos capítulos dessa aventura semiótico para o ano
eleitoral de maldades.
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