quarta-feira, setembro 24, 2025

As aventuras semióticas em um ano pré-eleitoral



Que Trump é um agente do caos, todos já sabemos: a engenharia do caos é a essência da comunicação alt-right. “Flood the Zone!”, como sintetizou Steve Bannon: inundar a mídia com acontecimentos comunicacionais desconexos como jogo diversionista. Que muitas vezes nem a própria extrema-direita brasileira consegue entender. Do tarifaço ao discurso na ONU em que admitiu que rolou uma “química" entre ele e Lula, parece que Trump tirou o Governo brasileiro das cordas e deu de bandeja as armas semióticas que faltavam: a defesa da Soberania, Multilateralismo, ajudou a colocar as esquerdas nas ruas etc. Das milhões de visualizações do vídeo de Nikolas Ferreira, no início do ano, ao discurso de Lula na ONU da última terça-feira, testemunhamos uma verdadeira aventura semiótica num ano pré-eleitoral – o jogo da comunicação que parecia ganho para a extrema-direita até Trump embaralhar as cartas, obrigando a grande mídia a recalcular rotas e fazer o bolsonarismo aceitar a fórceps o jogo da despolarização cobrado pela banca financeira.

No campo da Comunicação, o governo Lula começou o ano nas cordas, muito próximo do nocaute: primeiro, as 100 milhões de visualizações do vídeo do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) contra mudanças introduzidas desde 1º de janeiro deste ano no monitoramento de transações bancárias, que foram vendidas pela oposição como uma possibilidade de taxar quem usa o popular sistema de pagamento do PIX.

O governo pretendia aumentar a transparência nas transações financeiras (cuja necessidade ficou comprovada com a Operação da PF na Faria Lima e as conexões do PCC com o mercado financeiro), mas teve que voltar atrás com a repercussão da desinformação.

Depois, outro golpe em maio: a ação da PF que pegou o próprio Governo de surpresa, cumprindo mandados de busca contra fraudes do INSS e novo vídeo que viralizou de Nikolas Ferreira, cobrando a responsabilização do Governo de um esquema fraudulento que na verdade começou no governo Temer e ampliado com Bolsonaro. A demora na resposta do Planalto também deixou a oposição à vontade para explorar o assunto. 

Na época, este Cinegnose avaliava que faltava ao Governo algum tipo de coordenação de inteligência semiótica – falávamos até em “Gabinete de Inteligência Semiótica” – que abandonasse a política reativa de comunicação para adotar uma estratégia proativa: mudar a concepção “conteudista” da comunicação para adotar o paradigma do “acontecimento comunicacional” – pensar a comunicação não apenas como informação, mas principalmente como criação de acontecimentos para ocupar a pauta midiática e a opinião pública.

Pois bem, apesar desse massacre comunicacional do primeiro semestre, ainda a Secretaria da Comunicação Social de Sidônio Palmeira acreditava que apenas a produção de vídeos de reposta com caprichada estética corporativa jogado nas redes bastaria. O Governo continuava apenas marcando posição, ao invés de se tornar protagonista da agenda nacional.

Enquanto isso, a máquina da judicialização da política continuava azeitada e seguia o script da “trama golpista” – roteiro baseado na “pedagogia do medo” dentro da narrativa da “defesa da democracia” para desmobilizar as esquerdas, tornando-as espectadoras passivas das telas de TV. Iniciava o julgamento da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) do ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete aliados pela trama golpista para tentar reverter o resultado das eleições de 2022. 

Paralelo a tudo isso, seguiam os movimentos diários na grande mídia daquilo que este humilde blogueiro definiu como “Semiótica Nem-Nem”: turbinar o governador de SP, Tarcísio de Freitas, como a terceira via “técnica” e “moderada”, descartando os extremismos ideológicos representados por Bolsonaro e Lula – a condenação de Bolsonaro seria a conclusão lógica desse silogismo: assim como Lula o foi, Bolsonaro (outro extremista) também seria preso.

Tudo estava “positivo e operante”: a esquerda hipnotizada diante das telas de TVs e dispositivos móveis acompanhando Xandão heroicamente defender a Democracia; enquanto o Governo estava encurralado no corner.

  Até aparecer o agente do caos, o presidente norte-americano Donald Trump – Brasil entra na rota dos tarifaços. Mas de um modo especial:  sem justificativa econômica (a balança comercial do Brasil com os EUA há anos é deficitária) explicitou a perseguição política com a aplicação da Lei Magnitsky e sanções contra ministros do STF.

De quebra, Trump sugere ter “rodadas de conversas” com Eduardo Bolsonaro e o jornalista bolsonarista Paulo Figueiredo ao lado de auxiliares do mandatário norte-americano. Na pauta: sanções e novas tarifas contra produtos importados.


"Pesquisismo": Lula, o reponsável pelo tarifaço


Semiótica Nem-Nem e Tarifaço

Pelo script planejado pela extrema-direita e grande mídia, Lula seria responsabilizado pelo seu (obviamente) extremismo e viés ideológico esquerdista que costuma ter o péssimo hábito de fazer amigos no BRICS.

Até no início foi tentado esse ardil semiótico, tentando produzir uma contaminação metonímica entre manchetes e chamadas de primeira página dos jornalões e as redes bolsonaristas: Lula seria o principal responsável por criar “entrave político”.

Com a luxuosa ajuda do “pesquisismo” dos institutos de opinião que apontavam uma suposta opinião pública apontando para Lula como o principal responsável pelo tarifaço.

Porém, ignoraram um histórico recente da jornada de tarifaços pelo planeta: que o tiro sempre saiu pela culatra porque Trump parece ter sempre ajudado a turbinar líderes dos países supostamente rivais dos EUA.

E no Brasil não poderia ter sido diferente: o tarifaço não só ajudou na recuperação da popularidade de Lula pelas pesquisas a partir de julho, como, principalmente, revelou um curto-circuito na estratégia bolsonarista: os Estados bolsonaristas foram os mais afetados pelas tarifas de Trump, mesmo com as isenções - São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

Além do curto-circuito na própria grande mídia: o discurso da “defesa da Democracia” que enalteceu o STF e transformando o ministro Alexandre de Moraes em um abnegado punidor da “trama golpista” (fundamental dentro do ardil semiótico “Nem-Nem” e da judicialização da política), começou a empoderar o próprio Lula – o presidente aproximou a defesa da Democracia com a defesa da própria Soberania.

Principalmente quando Trump revelou que o tarifaço contra o Brasil nunca foi sobre economia, mas uma retaliação política açodada pelo deputado Eduardo Bolsonaro em missão lesa-pátria nos EUA.

Tudo ficou ainda pior quando o herói da “terceira via”, o bolsonarista governado de SP Tarcísio de Freitas, teve ataque daquilo que chamamos como “Síndrome de Dr. Fantástico” (relativo ao filme de Kubrick) ao não se conter e bater continência a Trump, colocar um boné do MAGA e elogiar o tarifaço. Além de responsabilizar Lula, contando com o apoio midiático – não percebendo que o jornalismo corporativo já tinha mudado de rota quando caiu a ficha do curto-circuito.




Vendo que todos os esforços semióticos na construção da imagem do “Tarcísio, o Moderado” foram jogados fora com a Síndrome de Dr. Fantástico e percebendo que o mote da “Defesa da Democracia” só empoderava ainda mais Lula, a grande mídia mudou o curso: passou a relativizar as decisões do STF e transformou a cobertura do julgamento do “núcleo duro” da “trama do golpe” (principalmente a Globo News) numa espécie de assistente dos advogados de Bolsonaro e seus companheiros – sublinhava pontos da defesa e os pontos fracos das acusações. Com um particular trabalho de sublinhar como o ministro Luiz Fux abordou cada uma das teses da defesa.

Recalcular a Rota

  Mas já era tarde. Percebendo que os efeitos macroeconômicos do tarifaço foram praticamente nulos (dólar cai sistematicamente enquanto o Ibovespa registrou novo recorde em setembro), que Trump dobrou a aposta sancionando a esposa de Alexandre do Moraes (reforçando ainda mais a urgência do discurso da defesa da soberania) e que as manifestações da esquerda nas ruas de todo o país contra a PEC da blindagem e a PL da Anistia impactaram as redes e os deputados no Congresso, viu a necessidade urgente de recalcular a rota.

Necessidade de Recalcular a rota também sentiram os mortos-vivos convocados às pressas para “pacificar a Nação” (Aécio Neves e Michel Temer propondo uma “PL da Dosimetria”) quando, em meio aos seus esforços de costurar um acordão com o Paulinho da Força, o STF e com tudo, viram Trump disparando fogo amigo com mais sanções de Trump. Empoderando ainda mais Lula e evidenciando o crime de lesa-pátria de Bolsonaro e seu filho além-mar.




O ápice foi o discurso de Lula na ONU nessa terça-feira reforçando que a Soberania brasileira “é inegociável”. E Pior! Logo depois foi a vez de Trump discursar, falando de “química” entre o encontro dele e Lula nos bastidores. Com 39 segundos “significativos” e com um “abraço” e um convite de uma conversação na próxima semana.

Também fez parte do recálculo de rota geral a tentativa do jornalismo corporativo interpretar as manifestações de rua do último domingo como uma tal de “pauta ética” que exporia “um constrangimento do PT e do Governo”.

Tentando um recall lavajatista para colar as manifestações contra a Blindagem e da Anistia aos tempos de Moro e Dallagnol, num esforço retórico a “colonista” Vera Magalhães (O Globo) escreve que a esquerda retoma o “combate a corrupção”: “Após 20 anos, esquerda retoma bandeira do combate à corrupção”.

Talvez, ver a gigantesca bandeira brasileira ser estendida em frente ao MASP despertou na “colonista” a memória afetiva dos tempos lavajatistas das multidões de camisetas amarelas da CBF na Avenida Paulista...



Tarcísio, o Redivivo

E como ficou a Semiótica Nem-Nem? Afinal, Bolsonaro foi condenado e cada vez mais próximo da Papuda?

Após o surto de Síndrome de Dr. Fantástico de Tarcísio de Freitas, até o jornalismo corporativo fez menção de fazê-lo andar na prancha para jogá-los aos tubarões. Como fez o Estadão em dois editoriais: “O Teorema de Tarcísio” e “As Escolhas de Tarcísio”, acusando-o de “desmoralizar a democracia” e de ter “esquecido suas obrigações como governador” (clique aqui e aqui).

O jornalão Folha até flertou com o governador do Paraná Ratinho Jr.

Mas, o tempo é exíguo para recomeçar do zero com um novo investimento semiótico em um “campeão branco”.

Nesse último domingo, na primeira página do Estadão, vemos talvez o primeiro movimento para repaginar Tarcísio, agora “O Redivivo”.

Explorando a contaminação metonímica (1+1=3) ao aproximar dois blocos de chamada na primeira página para criar um terceiro significado: “Tarcísio sofre críticas no Estado de SP; fora atrai até eleitor lulista”, citando uma suposta pesquisa que o governador fora do Estado é tido como “preparado”, “honesto” e “capaz”, enquanto em SP é “criticado”.

E na coluna ao lado, uma chamada para uma análise do cientista político Bolívar Lamounier: “Bolsonaro está fora do jogo. Lula também deve fazer”. A conclusão lógica do silogismo semiótico da lógica Nem-Nem.

Em tempos em que mortos-vivos como Temer e Aécio reaparecem para “pacificar”, parece compreensível a tentativa de ressuscitar Tarcísio, o Redivivo.

A conferir os novos capítulos dessa aventura semiótico para o ano eleitoral de maldades.

 

 

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