terça-feira, julho 15, 2025

Tarifaço, Tarcísio e Dr. Fantástico: tiro sai pela culatra semiótica da grande mídia

 


Desde a privatização da Sabesp, no ano passado, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, tornou-se um projeto semiótico para a grande mídia. O destemor como provou para a Faria Lima de que “ainda há espaço para privatizações” lançou-o à candidatura presidencial como “O Moderado”, a conclusão lógica da narrativa midiática “Nem-Nem” no esforço de, agora, despolarizar. Depois que a polarização política cumpriu o seu papel na guerra híbrida brasileira. A maquiagem semiótica para apagar da memória do distinto público as origens bolsonaristas e militares do Tarcísio, já estava pronta. Só não contavam com o imponderável: o tarifaço de Trump atingir o Brasil, assanhar a extrema-direita e fazer Tarcísio ter um espasmo comportamental, assim como o personagem de Kubrick “Dr. Fantástico”, interpretado por Peter Sellers: aquele cientista alemão na Sala de Guerra do Pentágono que tinha o tique incontrolável de erguer o braço em saudação nazista. Celebrou o tarifaço com boné da MAGA e tudo, jogando no lixo o esforço semiótico do jornalismo corporativo. Que nesse momento puxa a orelha do governador. Mas imagina um happy end: ainda haveria tempo para Tarcísio reagir, especulam alguns “colonistas” tentando diminuir o baixo astral. Enquanto Lula, mais uma vez, demonstra estar preso a outro arcabouço: o comunicacional.

Com certeza o leitor desse Cinegnose deve lembrar do personagem Doutor Fantástico interpretado por Peter Sellers na clássica sátira da Guerra Fria de Kubrick, Dr. Strangelove (1964). Personagem central na Sala de Guerra do Pentágono, o conselheiro científico alemão Dr. Strangelove tinha um tique incontrolável em um dos braços: reflexivamente, o membro se erguia em riste fazendo a saudação “Sieg Heil”. Por mais que o Dr. Strangelove agredisse o braço, chegasse a mordê-lo ou simplesmente escondê-lo, ele reaparecia. Quase como uma entidade autônoma. Fazendo o doutor até irrefletidamente gritar “My Führer!”.

Para desespero dos aquários das redações do jornalismo corporativo, eles estão vendo a sua criatura semiótica, Tarcísio de Freitas, parido em meio às refregas da polarização política, comportar-se como o impagável personagem de Stanley Kubrick.

Logo depois de Donald Trump, anunciar o tarifaço de 50% às exportações brasileiras, assanhando as hostes bolsonaristas, o governador de São Paulo também entrou no entusiasmo da extrema-direita e defendeu a medida do mandatário norte-americano, com boné da MAGA e tudo.

O problema é que desde a épica e midiaticamente incensada privatização da Sabesp, Tarcísio acenou para a Faria Lima que ele seria o “campeão branco”, a saída pela “terceira via” da polarização política Lula/Bolsonaro. Afinal, Tarcísio prometia e entregava! Ele estava cumprindo a promessa “Há espaço para avançar mais nas privatizações”, dada em uma entrevista no Em Ponto, da Globo News, no ano passado.

Ele é o protagonista necessário para implementar o Capitalismo de Choque imaginado pela Faria Lima. Alguém como o presidente Milei, na Argentina.

Por isso, desde então, o jornalismo corporativo colocou em ação o chamado, segundo a revista Veja, “Plano T”: iniciar um movimento reverso de despolarização (a polarização foi útil, e já tinha um prazo de validade estipulado desde a vitória eleitoral de Bolsonaro e do campo da extrema-direita em 2018), colocando o governador de São Paulo como a racionalidade – aquele que traria o País de volta ao trilho do consenso.

Mas é necessária a fórmula semiótica para convencer o distinto público: a operação lógica “Nem-Nem” (Roland Barthes) – nem Lula, nem Bolsonaro. Tentar recriar a lógica do pensamento pequeno-burguês do bom-senso: a Justiça como uma operação de pesagem. A balança que pesa o mesmo o mesmo. Foge-se da realidade intolerável contingencial e histórica do confronto, reduzindo os contrários ao denominador comum (o “extremismo”) para depois serem pesados e rejeitados.


Aliás, nos últimos meses vinham crescendo as manchetes e colunas nos veículos noticiosos corporativos tencionando demonstrar a equivalência dos “extremismos”. Sendo que a última, foi quando Donald Trump pediu a renúncia do presidente do FED (o Banco Central dos EUA), Jerome Powell, alegando que as taxas de juros eram muito altas.

Na mídia corporativa brasileira, logo os indefectíveis “colonistas” dispararam: assim como no extremismo de lá, também aqui o extremismo de esquerda lulopetista ameaça a autonomia da autoridade monetária do Banco Central, a ideologia que quer ficar acima da economia...

A Operação Nem-Nem

Desde a semana passada, com a crise do “Nós Contra Eles” com o impasse do IOF no Congresso e a bandeira da Justiça Tributária levantada pelo campo da esquerda nas redes sociais, a grande mídia intensificou essa operação semiótica do Nem-Nem. Até com a colaboração do STF: suspendeu os efeitos de decretos da Presidência da República e do Congresso Nacional que tratam do Imposto sobre o IOF. Inventou para si um poder moderador, como se a tensão política nacional necessitasse de algum tipo de saída mediadora.

Por exemplo, só naquela semana a Folha fez a chamada de primeira página de uma entrevista com, nada mais, nada menos, que Roberto Campos Neto com a seguinte manchete: “o discurso do nós contra eles é ruim para todo mundo e não faz o país crescer”. E O Globo observa em texto de chamada de primeira página sobre uma reportagem especial que Lula perde votos no celeiro eleitoral petista da Bahia. Mas alerta: “apesar do desalento com Lula, não pretendem votar em Bolsonaro” – os baianos estariam “cansados da polarização”.

No dia do anúncio do tarifaço de Trump contra produtos brasileiros, o jornalismo corporativo intensificou ainda mais o ardil. O tarifaço trumpista, a carta em estilo “recorta e cola” do mandatário dando a entender que s taxação em 50% era uma resposta POLÍTICA à “caça às bruxas” na qual Bolsonaro e as Big Techs estariam sendo vítimas no Brasil. O pretexto dos 50% era “corrigir os muitos anos de políticas tarifárias e não-tarifárias e barreiras comerciais do Brasil, causando esses déficits comerciais insustentáveis ​​contra os Estados Unidos”.

Dessa vez, a política tarifária de Trump estaria caindo como uma luva na operação semiótica Nem-Nem:  um extremista de direita (Trump) numa briga POLÍTICA com um extremista de esquerda: presidente Lula, após sediar uma reunião dos BRICS no Rio de Janeiro – dias antes tinha ameaçado os países dos BRICS por tentar “desafiá-lo”.



De imediato, os canais fechados noticiosos (e depois repercutidos nos jornalões do dia seguinte) criaram a narrativa de que o tarifaço virara “arma política para Governo e oposição”. Algumas horas depois, sofisticou retoricamente com as expressões “guerra de narrativas” ou “guerra de versões”. Expressões “isentonas” mas com um ardil bem ideológico: criar o efeito de dissonância cognitiva chamado “firehose” – se tudo são versões, na Política não existe a verdade. Logo, a Política não passa de uma variável irracional que só trava a Economia e o Progresso.

Para ocultar uma evidência fática: a carta de Trump parte de uma mentira. Não existe “déficits comerciais insustentáveis na balança comercial entre EUA e Brasil”. Pelo contrário, desde 2009 o déficit está do lado brasileiro. E no somatório da série histórica desde 1997, Brasil registra déficit comercial de US$ 49,9 bilhões. 

Portanto não há algo como uma “guerra de versões”. Há tão somente uma mentira contada por Trump – curioso o jornalismo corporativo, tão vigilante com as mentiras, não ter usado o termo “fake News” nesse episódio.

Claro, não usou porque Trump abriu uma espécie de Portal Semiótico, através do qual passaria supostamente uma terceira via focada tão somente na ECONOMIA, e não na POLÌTICA.

E, de mais a mais, os canais noticiosos começaram a escalar os velhos especialistas de sempre, desenhando um cenário apocalíptico de queda no PIB, subida do dólar e queda na Bolsa. Ótimo para manter o viés da política monetária dos juros altos para desgastar Lula eleitoralmente.

O problema é que a inteligência semiótica da grande mídia não contava com o imponderável:

a) Incensado pela mídia como “moderado”, Tarcísio de Freitas de imediato saiu em defesa do presidente Trump, de Bolsonaro e culpabilizando Lula, numa espécie de versão tupiniquim do Dr. Fantástico de Kubrick – reação reflexiva condizente com sua origem bolsonarista e militar. Cuja maquiagem midiática procura ocultar.

b) O tarifaço atinge em cheio dois Estados bolsonaristas: São Paulo, de Tarcísio, e Minas Gerais, de Romeu Zema. Suco de frutas, aeronaves e equipamentos florestais, produtos semiacabados de ferro e aço, café não-torrado, ferro gusa e máquinas de energia elétrica são os principais atingidos. Ou seja, Agronegócio e Indústria, setores que apoiam o bolsonarismo.



Tarcisão, o supostamente moderado, em poucas horas jogou por terra todo o investimento midiático operado pela grande mídia desde o ano passado. Ele sentiu os efeitos da sua incontrolável reação ideológica. Tentou voltar atrás. Começou a declarar que “precisamos deixar a política de lado”, a defender “um acordo de Lula com Trump” canhestramente falar dm “negociar” com diplomatas da Embaixada dos EUA para defender o Agro e a Indústria de São Paulo, o Estado que, parece ter esquecido, governa.

Mas já era tarde. Ao invés de Tarcísio, foi Lula que acabou atravessando o Portal Semiótico aberto pelo tarifaço de Trump – o bolsonarismo entrou em curto-circuito e empresários começaram a questionar a independência terceira via de Tarcisão, o outrora moderado.

E o jornalismo corporativo iniciou a semana puxando a orelha do governador de São Paulo e anunciando que Lula até aqui está vencendo na “comunicação” ao focar na soberania e na solução diplomática e técnica. Ou melhor, de que Alckmin teria o principal mérito ao direcionar o governo e ter penetração entre empresários do Agro e Indústria.

Isto é, Alckmin deveria ser o modelo pelo qual Tarcísio deveria se orientar, e não Bolsonaro. Por  isso a CNN tenta aproximar os dois em busca de salvar o dia: “Alckmin e Tarcísio articulam ofensiva com empresários para reverter tarifas” – clique aqui.

Quando supreendentemente editoriais dos jornalões começaram a lembrar o estilo dos textos de blogues de esquerda (“Tarcísio rasteja e se queima por todos os lados “, Folha; “Crise do tarifaço abala plano presidencial de Tarcísio”, Folha; “Submissão a Bolsonaro”, Estadão).

Mas, alguns “colonistas” do jornalismo corporativo tentam diminuir o baixo astral e ainda imaginam um happy end para Tarcísio. Por exemplo, nessa segunda-feira, no programa “Studio I”, Globo News, o jornalista Valdo Cruz especulou: ainda é muito cedo para as eleições... muita água ainda vai passar debaixo da ponte... ele ainda tem tempo para reagir... veja o caso de Lula...”.



O arcabouço comunicacional

Acompanhando a sábia sagacidade midiática de Brizola (Se a Globo é a favor, somos contra; se a Globo é contra, somos a favor), devemos desconfiar dos elogios sobre a vitória de Lula na crise do tarifaço: “Governo ganha com tarifaço”, “Lula está ganhando no campo da comunicação”, “Governo ganha fôlego com Trump” etc. foram a tônica do balanço semiótica que abriu a semana em O Globo e no canal Globo News.

Por que devemos desconfiar? Porque, além do arcabouço fiscal, o Governo Lula obedece a uma espécie de arcabouço comunicacional.

Certamente Lula ficou com a faca e queijo na mão, diante do bolsonarismo em curto-circuito e o comportamento e discurso errático de Tarcisão, outrora moderado. Mas ainda dentro de um pressuposto conteudístico comunicacional. Por que não dar entrevistas exclusivas para o Jornal Nacional e a TV Record? Afinal, são as maiores audiências. Logo, o conteúdo da fala de Lula chegaria para o maior número possível de pessoas.

Esse é o equívoco desse arcabouço conteudístico comunicacional: nada tem a ver com comunicação. Lula está informando, e não comunicando.

Comunicação trata-se de criar um acontecimento comunicacional, que comunique muito mais pela forma do que pelo conteúdo.

Ao invés da conceder entrevista à bolsonarista jornalista Délis Ortiz (sim, aquela que tentou dar uma Bíblia a Bolsonaro como boas-vindas de início de governo...), por que não causar com uma coletiva de imprensa? Criar um evento midiático com toda dramaticidade e circunstância. E ainda melhor do que isso, uma entrada ao vivo, em rede nacional, no horário nobre, exortando as massas à participar e refletir sobre a soberania nacional e defesa dos empregos!

Transformar a manifestação na Avenida Paulista com 15 mil pessoas contra o tarifaço imposto por Trump um evento recorrente, assim como as micaretas domingueiras bolsonaristas.                                      

O destino das entrevistas exclusivas é, no início, bombarem, ocupando as redes sociais com vídeos de cortes... até serem esquecidas na grade da programação.

Ao contrário, acontecimentos são épicos, históricos, geradores de pauta midiática. Por isso, COMUNICACIONAIS.

 

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