Começa como um épico sobre arquitetura sobre um arquiteto que chega na América fugido da guerra e do holocausto. Uma terra de oportunidades e sedenta por arte. Para depois descobrir a ética americana do “não existe almoço grátis”: tanto o capitalismo quanto a arte são capazes de gerar experiências lindas e significativas. Mas combinados resultam em formas vazias e sem paixão. Indicado ao Oscar em dez categorias (entre eles, Melhor Filme, Ator e Direção), “O Brutalista” (The Brutalist, 2024) é sobre a história de um milionário novo rico contrata um gênio vanguardista fugido da guerra e do holocausto, e como ambos serão consumidos pela obsessão. Para, particularmente o arquiteto húngaro Lászlo, descobrir que a América vive um outro tipo de guerra: a conquista de corações e mentes através das vendas, religião e propaganda.
(“Mind”, Talking Heads)
Brutalismo: estilo arquitetônico marcado pelo uso de concreto aparente, formas geométricas e estruturas maciças. Surgiu na Europa no início do século XX e o seu auge nas décadas de 1950 e 60. Características: estruturas maciças, Concreto aparente, Funcionalidade acima da ornamentação, Impacto visual poderoso, Formas geométricas gigantes e ousadas.
Muitas questõs emergem das mais de três horas do filme O Brutalista (The Brutalist, 2024), de Brad Colbert - é impossível perder o comentário sobre o capitalismo incorporado no roteiro de Corbet e Mona Fastvold.
Ainda assim, também é uma história sobre imigração, vício, sionismo, arquitetura, desigualdade, classe, violência e até mesmo cinema – o filme em si é autorreferencial, filmado em película 70mm numa reconstituição da antiga câmera e projeção em widscreen VistaVision, não usada desde 1961.
Um arquiteto húngaro judeu fugindo da Europa (Lászlo Tóth - Adrien Brody) na esteira da Segunda Guerra Mundial chega aos EUA, até a curta duração de Tóth na casa e loja de móveis de seu primo húngaro muito mais adaptado financeiramente (Alessandro Nivola), até seu relacionamento com um magnata sádico e mercurial Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce) que se torna o primeiro cliente americano de Tóth e o encarrega de um projeto de construção que logo se tornará uma obsessão que consumirá ambos os homens.
O Brutalista é uma narrativa episódica cuja primeira parte é um épico arquitetônico – a história de um prestigioso arquiteto egresso da escola de artes Bauhaus, mas com um problema: era judeu.
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E por que arquitetura? Por que o brutalismo? Lászlo responde a certa altura do filme:
Uma guerra está em andamento na Europa. E, no entanto, sei que... Muitos dos locais dos meus projetos sobreviveram... Ainda estão lá, na cidade... Quando as memórias terríveis do que aconteceu na Europa deixarem de nos humilhar, espero que sirvam mais como estímulo político... Já antecipo uma retórica comunitária de raiva e medo... Mas os meus edifícios foram concebidos para suportar tal erosão.
Lászlo pensa ainda a arquitetura no princípio da MONUMENTALIDADE: uma estrutura concebida dentro de uma ideologia política (no caso do Brutalismo, o Socialismo) e que resista à erosão da guerra. Como um monumento, comunique às próximas gerações as ideias socialistas e comunitárias.
Bem diferente da “estética do desaparecimento” pós-moderna na qual a Monumentalidade desaparece no vidro espelhado e na arquitetura convertida em efeitos especiais cenográficos.
Na primeira parte do filme, Lászlo ao passar pela ilha de Elis e ver a Estátua da Libeerdade, lembra quando Freud e Jung chegaram nos EUA e verem a mesma estátua: “Mal sabem eles que lhes trouxemos a peste...”.
Lázslo também acha que está trazendo ideais do socialismo de um Kibutz judeu. Como nos informa a música do Talking Heads, naquele momento muitas ideias estavam circulando no ar. Mas nada mudará a mentalidade do Destino Manifesto norte-americano: a “Religião Americana” – a fusão do mormismo com a autodivinização pela força do pensamento motivacional orientado para o sucesso.
O ineditismo de um país que conseguiu fundir a fé tecnológica, o espírito pioneiro dos puritanos e o triunfo do liberalismo comercial.
É quando O Brutalista chega à estranha e delirante segunda parte, lembrando a ética norte-americana do “Não existe almoço grátis” – o sonho americano que o acolhe braços aberto vai cobrar um alto preço, não físico, como na guerra do Velho Continente. Mas a brutalidade psíquica.
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A monumentalidade brutalista cheia de concessões na América para abrigar as idiossincrasias do seu milionário empregador novo rico – a arte ateia europeia usada como veículo propagandístico de evangelização da religião americana para aliviar a culpa de uma mal resolvida relação edipiana do milionário Harrison com sua própria mãe.
Lászlo descobrirá que a América vive um outro tipo de guerra: a conquista de corações e mentes através da religião e propaganda.
O Filme
As primeiras sequências são uma pequena síntese do que espectador se confrontará: No início, é difícil dizer onde Lászlo está, cercado por pessoas em um espaço superlotado com a cacofonia de conversas ao seu redor.
Enquanto ele se move pela multidão, ele se empurra através de portas e para a luz do sol, seu rosto explodindo de felicidade no local da Estátua da Liberdade, mas a fotografia deforma o momento apresentando icônica estátua de cabeça para baixo, no topo do quadro. A estátua muda para o lado, mas nunca está na vertical, um símbolo deformado do sonho americano, a abertura do tema principal do filme na forma de uma imagem inesquecível.
Este prólogo também inclui uma citação de Goethe: “Ninguém é mais irremediavelmente escravizado do que aqueles que falsamente se acreditam livres”.
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Tóth acredita que está livre, conseguindo um emprego na loja de móveis de seu primo Attila (Alessandro Nivola), notadamente chamada Miller & Sons, apesar de não haver Miller e nem filhos – empresas familiares atraem americanos, diz.
Como aquela estátua flutuante da abertura, o filme começa brincando com o artifício do capitalismo, uma estrutura que vende o conforto de uma empresa familiar sobre a arte real. Quando Tóth projeta uma cadeira para ser colocada na janela da frente, a esposa de Attila, Audrey (Emma Laird), diz a ele que parece um triciclo.
O Brutalista é um filme que experimenta a forma, ao mesmo tempo em que é narrativa sobre como as pessoas exploram a arte em função do lucro e ostentação sobre a expressão. História de como na América arte e arquitetura se tornam monumentos ocos.
A vida de László muda quando Harry Lee Van Buren vem à Miller & Sons para contratá-los para remodelar a biblioteca de seu pai Harrison enquanto ele está longe de casa. O projeto desmorona quando Harrison (Guy Pearce) volta para casa em fúria, com raiva porque sua casa está sendo destruída por pessoas que ele nunca conheceu, e se recusa a pagar.
O drama leva a uma decisão emocional de Attila, que expulsa László de sua casa, enviando-o para uma espiral de vício em heroína nas ruas com seu amigo Gordon (Isaach de Bankolé), até que Harrison retorne com um pedido de desculpas. Ele traz László para seu mundo de esnobes de classe alta, pessoas que exibem sua riqueza como se tivesse algum significado. Para eles, mesmo um sobrevivente do Holocausto é visto apenas como outro objeto a possuir.
Harrison se oferece para ajudar László a trazer sua esposa Erzsébet (Felicity Jones) e sua sobrinha Zsófia (Raffey Cassidy) da Europa, mas é um prelúdio para o que ele realmente quer: o projeto de um centro comunitário que servirá como uma homenagem à mãe recentemente falecida. É um lugar para se reunir, mas também um lugar que ele controla, e que ele afirma que vai olhar para frente, mas está ancorado no passado por ser um monumento à sua mãe.
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Filme também sucumbe ao “não existe almoço grátis”
Harrison procura controlar László desde o início. Ele usa raiva primeira cena, ele literalmente joga dinheiro nele em uma cena chave da segunda parte (e depois pede que ele o devolva), e o clímax da primeira metade pré-intervalo define o relacionamento deles perfeitamente.
Harrison acabará cruzando todas as linhas de justiça física e moral, um paralelo claro de como o capitalismo destrói a arte, tirando dela o que ela quer e precisa antes de se descartá-la.
Todas as idealizações e suposições que impulsionaram a narrativa de antes do intervalo, são desconstruídas e humilhadas, uma a uma.
É claro que até o próprio filme sucumbirá à ética do “não existe almoço grátis”.
No episódio final de 1980 (subtítulo "A Primeira Bienal de Arquitetura"), László é homenageado com uma retrospectiva de carreira em Veneza. Como o próprio arquiteto idoso parece ter habilidades verbais limitadas, sua sobrinha, Zsófia — anteriormente interpretada por Raffey Cassidy, mas agora retratada por Ariane Labed no epílogo — se dirige à multidão em seu nome.
Em suas observações, Zsófia — que imigrou para Israel no início do filme — afirma que o misterioso monumento de seu tio era uma réplica de uma estrutura que o aprisionava em um campo de concentração alemão durante a guerra. Exceto por um único detalhe: tetos estendidos, como um prisioneiro almejando a liberdade.
Essa leitura psicologizada contrasta com a do próprio Lászlo feita na primeira parte do filme, sobre a monumentalidade da arquitetura brutalista.
Uma leitura soft o suficiente para um evento de bienal de arte e arquitetura. No final, é a vitória da “religião americana” do marketing e da propagada: a arte torna-se vazia e sem paixão. Por isso torna-se leve. Leve para ser mercadologicamente ágil e conquistar novos mercados.
Lászlo perdeu para o holocausto e para o milionário Harrison Lee Van Buren.
Ficha Técnica |
Título: O Brutalista |
Diretor: Brad Cobert |
Roteiro: Brady Corbert e Mona Fastwold |
Elenco: Adrien Brody, Felicity Jones, Guy Pearce |
Produção: Brookstreet Pictures |
Distribuição: A24 Pictures |
Ano: 2024 |
País: EUA |