Um filme inspirado nas imagens recursivas e metalinguísticas do artista
plástico M.C.Escher. São três histórias interligadas onde o desenrolar de uma
determina o destino de outra como fossem narrativas dentro de outras
narrativas, produzindo uma circularidade infinita. É o filme “Zoom”, uma
co-produção Brasil/Canadá dirigida por Pedro Morelli. Recursividade e
metalinguagem são temas do filme gnóstico – são formas linguísticas de desvelar
a ilusão e mostrar o multifacetamento da realidade ao serem exploradas até as últimas consequências. Mas também são recursos
perigosos onde o filme pode se transformar em mero exercício vazio de estilo. É
o que o “Cinegnose” vai conferir.
Título: Zoom
Diretor: Pedro Morelli
Plot: Uma modelo sonha
em ser escritora e prepara um romance sobre uma garota insatisfeita com sua própria
imagem e, por isso, faz de tudo para conseguir suas próteses nos seios; por sua
vez essa garota está produzindo uma HQ sobre um aspirante a cineasta que usa o
sexo como forma de manipulação, cujo próximo filme é sobre uma modelo que tenta
ser escritora.
Por que está “Em Observação”? - o leitor deve conhecer as obras mais emblemáticas do artista M.C.
Escher tais como a mão que desenha uma outra mão e as suas famosas escadarias e
estruturas que parecem ser infinitas. Tal como nessas obras emblemáticas de
Escher, o filme Zoom explora três histórias interligadas onde o desenrolar de
uma determina o destino da outra, produzindo uma narrativa emaranhada ou
recursiva.
Cada segmento tem linguagem, ritmo e elenco próprios como, por exemplo,
a sequência da HQ toda feita em técnica de rotocospia (precursor da captura
digital do movimento, é uma técnica de animação a partir de uma referencia
filmada) lembrando filmes como Waking Life (2001) ou O Homem Duplo (A Scanner
Darkly, 2006).
A proposta de Zoom é levar ao extremo as ideias de metalinguagem e
recursividade na narrativa cinematográfica.
O filme é uma co-produção Brasil e Canadá, contando no elenco com a
brasileira Mariana Ximenes, o ator mexicano Gael Garcia Bernal e a canadense
Alisson Pill. O filme foi rodado em locações de Toronto, Rio de Janeiro e São
Paulo.
Dentro dessa estrutura metalinguística e recursiva, Zoom explora
diversos sub-temas como a crítica sobre a busca da perfeição e os padrões de
belezas, a maneira como nos tornamos prisioneiros de tendências visuais,
contestações sobre a submissão da arte ao mercado – a certa altura o filme
ironiza o próprio merchandising que a narrativa tinha acabado de fazer etc.
O Cinegnose tem um particular
interesse em filmes que exploram metalinguagens e recursividade. Essas ideias
de narrativas em abismo ou de filmes que explicitam para o espectador a própria
ilusão da sua mídia (a edição, a cenografia, a montagem etc.) têm grande
possibilidade de transcender de um mero exercício de estilo para um
questionamento sobre a natureza do real: multifacetamento da realidade,
desnudamento da ilusão da realidade assim como a ilusão do próprio filme etc.
A literatura romântica do sec. XVIII-XIX de William Blake ou Gerard de
Nerval já explorava essa “ironia transcendental” – a ironia como elemento
auto-reflexivo como tematização da lacuna ou distância entre a linguagem e a
realidade empírica. As palavras somente dão nomes às coisas, mas não conseguem
expressar a própria naturezas das coisas. Essa angústia fundamental dos
românticos (o vazio entre a representação da linguagem e a presença do mundo)
levou à desconstrução auto-reflexiva da linguagem e o apego ao misticismo em
fontes gnósticas, cabalistas e alquímicas.
O Cinegnose já possui um
histórico de filmes analisados que trazem para o cinema essa ironia
metalinguística romântica como Um Sonho Dentro De Um Sonho,
Mais Estranho Que a Ficção ou Sinédoque, Nova York.
Portanto, o blog vai conferir se o projeto experimental de Pedro Morelli
com o filme Zoom é um mero exercício
de estilo vazio ou possui um conteúdo com implicações gnósticas ou
existenciais, como nos filmes citados acima.
O Que Esperar? – A crítica parece que não vem poupando Zoom. Alguns apontam que o
filme não tem nada de experimental ou inovador, consistindo num “mero apanhado
da carreira do roteirista Charlie Kaufman – Brilho
Eterno de Uma Mente Sem Lembranças e Sinédoque,
Nova York. Outros apontam para um filme sem conteúdo e um mero exercício de
técnicas e linguagens que a tecnologia cinematográfica atual pode oferecer. O
argumento das três histórias seriam mero pretexto para o diretor Pedro Morelli
brincar de estilo. Será uma pena se isso for verdade, pois dentro da
cinematografia brasileira é um dos poucos filmes a levar o tema da recursão e
metalinguagem tão longe. O Cinegnose irá conferir.
O filme já está em cartaz nos cinemas brasileiros.