Crianças brincam com armas e games de computadores militares. Toda essa
fetichização das armas e poder impede crianças e adultos de pensarem numa
coisa: o que acontece depois da guerra, quando o nosso herói volta para casa? O
curta retro-trash “Action Man: Battlefield Casualties ” (2015) propõe um novo
brinquedo para as crianças. O herói Action Man convivendo com traumas
psíquicos, cadeiras de roda, amputações e paralisia – e eventualmente tentando se
matar com os acessórios que vem junto com o kit. A série de curtas, como fosse composta
de comerciais de TV do estilo anos 80 (quem não se lembra dos bonecos “Falcon”
e “Comandos Em Ação”?), é uma ação de veteranos da OTAN contra o alistamento de
menores de idade pelas Forças Armadas da Grã-Bretanha, único país da Europa a
alistar jovens de 16 anos. “Action Man” é mais uma deliciosa amostra do impagável
humor negro inglês.
De armas de brinquedos a games de computador de guerra, as crianças
reproduzem nos jogos o mundo violento dos adultos. Mas elas veem apenas um lado
da coisa: a excitação, a adrenalina do jogo, o poder que uma arma dá quando
você a tem em suas mãos. Mas os jogos de guerra não brincam no outro lado, nas
consequências: traumas psíquicos, ferimentos, incapacidade física, amputações,
paralisia etc.
Muito do fascínio dos jovens pelos por carreiras militares ou policiais
vem dessa promoção sobre o fetiche do poder e jogo nas guerras e armas.
Mas na Grã-Bretanha parece ser mais sério: é o único estado na Europa
onde o serviço militar alista jovens de 16 anos, política criticada pelo Comitê
da ONU sobre os Direitos da Criança.
Uma organização chamada Veteranos Pela Paz
(Veterans For Peace –VFP), formada por militares aposentados dos serviços pela
OTAN após atuar em cenários de conflito como Afeganistão e Irã, está exigindo
mudanças junto ao Ministério da Defesa.
Por isso a VFP está lançando uma série de curtas
metragens de humor negro (nada mais britânico) satirizando as consequências de
uma guerra em bonecos Action Man, um brinquedo real disponível no mercado para
as crianças.
A série chama-se Action Man: Battlefield Casualties (2015) dirigida por Price
James. Aqui vemos três episódios, cada
um em situações traumáticas pós-campo de batalha para Action Man.
PTSD Action Man onde o herói tenta bloquear seus
traumas psíquicos em sua vida cotidiana com substâncias ilícitas. Eventualmente
tenta se matar enforcado!
Paralysed Action Man onde “as pernas realmente não
funcionam, sua espinha foi quebrada por um inimigo. Action Man está aleijado e
com uma dor constante!”.
E o Dead
Action Man com seu corpo feito em pedaços por uma bomba onde a criança terá
que identificar quais os pedaços que pertencem ao corpo do herói. Depois de
recolhidos, serão colocados em um saco para ser enviado de volta para a pátria...
ou ser enterrado em qualquer lugar – uma pequena pá vem como acessório.
Aliás, Action Man vem acompanhado de diversos acessórios
como muletas, corda para a criança enforcar o Action Man, garrafinhas para o
herói se embebedar e cartões de crédito para o desesperado herói desfilar as
carreiras de cocaína, cadeira de rodas...
Ainda mais hilário é o seu estilo retro-trash dos
anúncios de TV dos anos 80, como se estivesse em um intervalo comercial de TV.
Lembra os velhos comerciais do Falcon, “o herói de verdade” ou do “Comandos Em
Ação”.
Action Man: Casulties Battlefield faz parte da
seleção de curtas do festival SXSW desse ano em Austin, Texas. O curta foi
exibido na Inglaterra em restrito circuito exatamente no Dia das Forças
Armadas, no ano passado.
O curta resultou numa franquia onde os bonecos
satíricos Action Man podem ser adquiridos por colecionadores amantes da
estética retro-trash – veja no site da VFP, clique aqui.
Walter Benjamin e os brinquedos
O Cinegnose
já abordou esse tema do brinquedo e violência em uma postagem sobre o “Roma
Tático Blindado”, praticamente uma réplica dos “caveirões” do BOPE do Rio de
Janeiro – sobre isso clique aqui.
Os produtores do curta Action Man parecem partilhar de uma visão “hipodérmica” da
violência no universo lúdico infantil, uma visão comportamental onde as
crianças se tornariam violentas por indução ao fetiche das armas e do poder por
meio de repetidos estímulos externos – games e brinquedos.
Ao fazer algumas reflexões sobre a criança e o
brinquedo, o filósofo Walter Benjamin que a principal característica espontânea
infantil é a imitação – ou capacidade mimética. O realismo do mundo adulto, com
suas mazelas e virtudes, são incorporadas no espaço lúdico do jogo através da
imitação e dos brinquedos. Porém, a capacidade mimética não está no brinquedo,
mas no jogo: fantasiar e subverter os pressupostos do mundo adulto.
Para Benjamin, o problema não está no conteúdo
temático dos brinquedos (a violência), mas na sua forma – de ser uma réplica
perfeita da realidade: armas parecidas com verdadeiras e games graficamente
realistas. A violência no jogo infantil é uma forma de sublimação da própria
violência real por meio da fantasia e subversão.
Porém, nos brinquedos-réplica essa capacidade
psíquica de desvio da violência real para a fantasia é prejudicada. A criança
não mais joga, apenas manipula réplicas perfeitas do mundo adulto; assim como
nos games a criança apenas navega em uma arquitetura da informação previamente
elaborada.
Action Man parece atuar no mesmo campo de
problemas dos brinquedos-réplica. Só que dessa vez a réplica está no dia
seguinte das batalhas.
Por outro lado, está claro que Action Man não é voltado propriamente para o público infantil, mas
para sensibilizar adultos para a causa da VFP. E fazer vibrar os amantes do
estilo retro-trash.