quarta-feira, setembro 25, 2013

A condição humana entre a loucura e transcendência no filme "K-Pax"


Filme precursor de um subgênero chamado “psicodrama alt. Sci-fi” (filmes que usam argumentos sci-fi para, na verdade, discutir temas bem terrestres com baixos orçamentos e nenhum efeito especial), “K-Pax - O Caminho da Luz” (K-Pax, 2001) foi injustamente esquecido pela crítica e público. Um homem é internado em hospital psiquiátrico afirmando ser um visitante de um planeta distante. Astrônomos e psiquiatras tentam encaixá-lo em algum script racionalizante que tente explicar seus conhecimentos, mas os paradoxos colocados pelo seu comportamento colocam em xeque todos ao redor: será que uma vida inteira dedicada à ciência terá sido para nada?

Um filme que acabou esquecido pelos críticos e público, principalmente por ter sido lançado a pouco mais de um mês depois dos atentados de 11 de setembro em Nova York. Talvez poucas pessoas estivessem interessadas em discussões filosóficas em torno de um potencial visitante de outro planeta que nos visita sob a forma humana, chamado Prot (Kevin Spacey) e que se encontra preso em um hospital psiquiátrico em Manhattan. Se ele é de fato um visitante do planeta K-Pax ou apenas um louco “com a história mais convincente que eu já vi”, como confessa o psiquiatra que tenta “curá-lo”, é a dúvida que acompanhará o espectador até a última cena, cabendo a ele fazer uma contabilização das pistas deixadas ao longo da narrativa.

                Provavelmente o filme “K-Pax” pode ser considerado o precursor de uma espécie de subgênero que sob o pretexto de abordar temas caros da ficção científica (visitantes extraterrestres, viagem no tempo, eventos cósmicos etc.), através de filmes com baixo orçamento e praticamente sem nenhum efeito especial discute temas bem terrestres e familiares: dilemas dos relacionamentos, a alteridade, conhecimento, hierarquia e autoridade. O nosso leitor Ricardo Afonso percebeu a essência desse novo subgênero: “A cena em que ele [Prot] simula uma viagem no tempo simplesmente nos faz rir de nossa própria limitação, quando acreditamos que para tal empreitada seriam necessárias luzes, cenas e cenários dignos de ficção cientifica de Hollywood”.


                Filmes como “Another Earth” (2011), “Melancolia” (2011), “Sound of My Voice” (2011) ou “Prime” (2005) entrariam nesse subgênero que alguns críticos chamam de “psicodrama alt.sci-fi”.

                Kevin Spacey faz um irônico, sutil é inteligente Prot, um estranho homem encontrado pela polícia vagando em uma estação ferroviária que educadamente explica a quem quiser ouvir que veio de um planeta muito distante chamado K-Pax, da constelação de Lira.

                Jeff Bridges é o Dr. Powell, o psiquiatra que tem que convencer o paciente de que ele é delirante. Hipnoterapia regressiva parece descobrir um trauma e, portanto, uma explicação psicológica - mas Prot tem habilidades surpreendentes e um conhecimento extraordinário de sistemas solares que os especialistas não conseguem explicar. Além disso, o protagonista tem o alcance da sua visão fora dos padrões normais, uma versátil pressão sanguínea e uma descomunal tolerância à droga Torazine que se torna ineficaz no tratamento.

Terríveis pensamentos começam a passar pela cabeça do Dr. Powell: Prot é realmente de outro planeta? Será que uma vida inteira dedicada à racionalidade científica foi para nada?

Uma narrativa AstroGnóstica


“K-Pax” aproxima-se bastante do que chamávamos em postagem anterior (veja links abaixo) de narrativa AstroGnóstica: seres extraterrestres caem ou despertam a consciência nesse mundo onde se descobrem envolvidos em alguma conspiração corporativa (“O Homem Que Caiu na Terra”, 1974) ou simplesmente prisioneiros em uma roupagem humana, nostálgicos pelo seu planeta de origem – “Earthling”, 2010. No final, são filmes cuja narrativa é alegoria da própria gnóstica condição humana como seres cuja luz espiritual encontra-se encarcerada em um cosmos frio e indiferente.

Mas “K-Pax” tem uma característica essencial do gênero AstroGnóstico: o extraterrestre (ou o suspeito de ser, como no filme) não trás nenhuma mensagem filosófica de paz ou de conhecimento metafísico como em “O Dia em que a Terra Parou” onde o alien parece querer dizer a todo momento “levem-me ao seu líder!”. Aqui o protagonista Prot até ameaça em uma linha de diálogo falar sobre Buda e Cristo e como não entendemos suas mensagens, mas para por aí.

Todo o filme é centrado no duelo verbal entre Prot e o Dr. Powell (e no duelo artístico entre as fantásticas performances de Kevin Spacey e Jeff Bridges), isto é, entre a racionalidade científica que tenta encaixar o paciente alien em algum script previsto pela psicanálise (traumas, abuso na infância etc.) e o desafiador mix de pureza e inteligência de Prot que coloca o psiquiatra em diversas situações paradoxais e embaraçosas.

Como explicar o conhecimento de Prot sobre o sistema binário da constelação de Lira onde se encontra seu planeta, conhecido na Terra apenas por um seleto grupo de astrônomos? “Ora, apenas sei, assim como qualquer criança da Terra sabe que a Terra gira em torno do Sol”, responde Prot para os incrédulos astrônomos.

No hospital psiquiátrico, Prot começa a propor jogos para outros pacientes que os fazem aos poucos demonstrar sinais de cura ou melhora em seus estados catatônicos. O psiquiatra Powell sente-se desafiado na sua autoridade e hierarquia: “ouça, nesse planeta eu sou o médico e você é o paciente... É o meu trabalho, não o seu”, protesta enfurecido o doutor. “Então, por que não os curou ainda?”, responde calmamente Prot.

Prot é o típico personagem do “Estrangeiro”, tomado na cinematografia atual como alguém que veio de longe (terras, dimensões ou planetas) e que mantém uma relação de estranhamento ou mal estar onde vive, sentindo-se como um estrangeiro na sua própria família, trabalho ou sociedade. Em “K-Pax” temos uma curiosa variação desse arquétipo cinematográfico: embora estrangeiro, Prot não é exatamente um prisioneiro – ele tem data e hora para retornar. Tudo o que ele faz é escrever um “relatório” em uma pequena caderneta que levará de volta ao seu planeta. Mas a sua simples presença cria alteridade, estranhamento. O mal estar não está nele, mas nos outros pela sua simples existência. Por isso todos tentam encaixá-lo em algum plot, script, sentido, motivo, razão ou hierarquia.

A “nostalgia” de K-Pax (spoilers à frente)


                Quando o espectador está quase convencido de que Prot é, de fato, um ser extraterrestre, o Dr. Powell consegue através de hipnose regressiva chegar aparentemente ao ponto do trauma: na verdade ele teria sido Robert Porter, cuja esposa e filha foram estupradas e assassinadas por um fugitivo em sua casa, em algum lugar remoto no Novo México. Aparentemente Porter teria se matado, mas seu corpo jamais havia sido encontrado.
                Toda a história sobre o planeta K-Pax faria parte de uma estratégia de dissociação psíquica, como forma de fuga do Ego perante a insustentável situação de ver a destruição da sua família.

                Como o leitor irá perceber ao ver o filme, mesmo com essa aparente resolução do mistério de Prot, o roteiro de Charles Leavitt deixa diversas reticências deixando tudo em suspensão: como explicar o desaparecimento de um dos pacientes do hospital? – Prot havia prometido levar um deles para seu planeta. E o seu conhecimento técnico sobre a constelação de Lira, impossível somente com telescópios amadores, mesmo na sua casa sob o céu limpo do estado do Novo México?

                Seja como for, tanto a nostalgia traumática pelo sua família assassinada ou a nostalgia pelo planeta K-Pax têm um significado equivalente uma narrativa AstroGnóstica: a condição humana alienígena em um cosmos indiferente e ausente de sentido. K-Pax é o simbolismo da aspiração por transcendência para algum lugar longe do “mísero composto universal do qual fazemos parte”, como falava Tyler Durden no filme “Clube da Luta” (Fight Club, 1999).

                O estado de suspensão de sentido que a narrativa conduz o espectador (se Prot é terráqueo ou alienígena são hipóteses que parecem equivaler) está presente em vários paradoxos apresentados nas linhas de diálogo: “Admita a possibilidade de que você é Robert Porter”, inquiri o Dr Powell a Prot. “Admitirei a possibilidade de que sou Robert Porter se você admitir a possibilidade de que sou de K-Pax”, responde Prot calmamente com um sorriso sutil.

                Em outras palavras, se o protagonista tem problemas psíquicos ou é de K-Pax pouco importa: o filme se trata de uma metáfora sobre o visionário impulso das nossas almas por transcendência que a fria e indiferente ciência da psicologia institucionalizada em hospitais, custódias e tratamentos (táticas de encaixar nosso mal estar aos scripts dessa mundo) jamais vai entender.

Ficha Técnica

  • Título: K-Pax
  • Diretor: Iain Softley
  • Roteiro: Charles Leavitt baseado em romance de Gene Brewer
  • Elenco: Kevin Spacey, Jeff Bridges, Mary McCormack, Alfre Woodward
  • Distribuição: IMF Internationale Medien und Film GmbH & Co., Intermedia Films, Pathé Pictures International
  • Distribuição: Universal Pictures and Home Video
  • Ano: 2001
  • País: EUA/Alemanha

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