Um soco emocional. Assim pode ser definido o filme independente
“Disconnect” (2012): três histórias baseadas em fatos reais tendo como cenário
Facebook, Twitter, smartphones, tablets e laptops. Cyberbullyings, crimes
cibernéticos e sites eróticos que exploram menores encontram pessoas
fragilizadas emocionalmente cujas relações com parentes e amigos são
superficiais e vazias enquanto toda a atenção se volta aos gadgets tecnológicos.
O filme “Disconnect” representa a destruição do segundo mito
da Internet: depois do fim da utopia das empresas “ponto com” em 2000, agora a
diluição do mito do novo mundo trazido pela “inteligência coletiva” digital. A tecnologia apenas
ampliaria as velhas mazelas da condição humana. A Internet ainda continua
humana, demasiado humana.
Quando a televisão surgiu era
rotineiramente acusada por devorar a atenção das pessoas e destruir a
comunicação. Produtora de solidão, emburrecedora e responsável por distúrbios
oculares eram o mínimo de que se acusava a TV. Com a Internet alarmes
semelhantes retornam, porém com um outro viés: os caminhos dessa terra de
ninguém são potencialmente perigosos – alguns são predadores, outros são
viajantes ingênuos que se aventuram por territórios dominados por tribos e
cibercriminosos. O risco de ser emboscado, espoliado e humilhado é
considerável. Muitas vezes a aplicação da lei é incapaz de apanhar os
trapaceiros, que se mantêm sempre à frente do jogo.
Esse é o tema do filme “Disconnect”
do documentarista Henry Rubin (do documentário “Murderball”) em sua estreia em
um filme com narrativa ficcional. A partir de um roteiro escrito por Andrew
Stern, Rubin apresenta um verdadeiro soco emocional para aqueles que convivem
diariamente com Facebook, Twitter, Skype, webcams e smartphones: um retrato da
crueldade desencadeada por ladrões que alegremente se escondem por trás de
falsas identidades virtuais, desenterram informações pessoais e com algumas
teclas pode ser capaz de destruir a vida de uma pessoa.
Baseado em casos reais, o filme
“Disconnect” é elaborado em uma narrativa estilo crash-like, isto é, histórias paralelas que vão se conectando até se
colidirem de forma dramática em um clímax final. Nina (Andrea
Risenborough) é uma ambiciosa jornalista televisiva local que faz uma
reportagem investigativa sobre sites e chats pornôs que recrutam menores de
idade, muitos deles fugitivos. Ela estabelece uma conexão com Kyle (Max
Thieriot), eles se encontram e Nina o convence a participar de uma entrevista
sob a promessa de manter sua identidade oculta. Quando as imagens são exibidas
pela CNN (algo importante para a carreira da ambiciosa Nina), chama a atenção
do FBI que passa a pressioná-la a revelar sua fonte. Tudo juridicamente se
complica com o envolvimento afetivo da jornalista com a fonte.
O
advogado da rede televisiva, Rich Boyd (Jason Bateman), é acionado. Mas ele tem
problemas mais urgentes com o seu filho adolescente Ben (Jonah Bobo), um
aspirante a músico, solitário e sem amigos na escola. Ele é humilhado por
outros alunos que decidem preparar-lhe uma armadilha virtual: inventam um
perfil feminino na Internet que começa a mandar mensagens para Ben. No início
se diz admiradora da sua música, até lhe enviar uma suposta foto sua nua. Pede
para que Ben faça o mesmo. Logo a foto de Ben será espalhada pelas redes
sociais, devastando-o emocionalmente a ponto de tentativa de suicídio.
Mike é
pai de um desses meninos que planejam o cyberbullying.
Ele foi um policial que trabalhava no Departamento de Crimes Informáticos e hoje
é um detetive privado. Investigará fraudes com cartões de créditos de um casal (Derek
e Cindy) devastados emocionalmente pela perda do filho cujas identidades e
informações pessoais foram roubadas e suas contas bancárias limpas por meio de
“trojan horses” baixados acidentalmente em salas virtuais de bate papo de
grupos de apoio emocional. Embora identificado o autor do crime virtual, o
detetive nada pode fazer judicialmente sem provas concretas. Então, o casal
decidirá fazer justiça com as próprias mãos.
Incomunicabilidade e desconexão
O filme explora um paradoxo
fundamental: como em uma sociedade onde os indivíduos criam múltiplas e
simultâneas formas de conexão, pode reinar tanta incomunicabilidade e
desconexão? A exploração de uma narrativa em crash-like não foi por acaso: Rubin queria mostrar que socialmente
e tecnologicamente vivemos em uma sociedade onde cada vez mais as ações humanas
estão interligadas e repercutem de forma exponencial.
Munidos
de seus smartphones todos os personagens estão constantemente em “dupla tela” –
fenômeno de convergência tecnológica onde acessamos simultaneamente mídias
diferentes como, por exemplo, assistimos a um programa de TV enquanto twitamos
ou postamos em redes sociais comentários em tempo real sobre o que assistimos.
O problema é quando esse fenômeno invade as relações humanas: em várias cenas
do filme vemos pais e filhos ou casais trocando palavras rápidas enquanto estão
de cabeça baixa concentrados na tela de seus smartphones, tablets ou laptops.
As relações tornam-se superficiais, desatentas e cada vez mais vazias de
sentido.
A certa
altura a irmã de Ben olha para ele inconsciente e entubado na cama do hospital
após a tentativa de suicídio e desabafa: “não me deixe sozinho com meus pais!”.
É
emblemática também a afirmação do detetive especializado em crimes
informáticos: “como as pessoas podem ser tão ingênuas”, exclama enquanto
observa as linhas do tempo do facebook do casal vítima do roubo cibernético. Na
medida em que as relações sociais presenciais tornam-se cada vez mais frouxas e
vazias, mais e mais as pessoas expõem suas vidas pessoais, sonhos, intimidades
e realizações nas redes digitais.
Por que
essa transferência simbólica das relações presenciais para as virtuais? Diferente
da TV que era uma mídia eminentemente visual e passiva, as novas tecnologias
digitais criam um novo ambiente onde não mais o regime visual é dominante. Na
conceituação do pesquisador canadense Marshall McLuhan no seu livro Understanding Media, entraríamos em um
regime midiático eminentemente “tátil e sensorial ressonante”: interatividade,
sinestesia, integração, envolvimento e simultaneidade trazidas pela civilização
baseada na mediação elétrica. A TV já possuía essas características de forma
latente, mas é nas mídias digitais que essa mediação elétrica chega à plenitude
ao criar um “espaço ressonante”.
As
redes sociais (chats, fecebook, twitter etc.) emulam muitas características das
mídias orais ou presenciais, principalmente sua natureza performática, isto é,
a sensação de “tempo real”, de “aqui e agora”. Emoticons, memes, gírias e
onomatopéias dão um aspecto presencial às comunicações, fazendo os usuários
desenvolverem um sentimento de fazer parte de uma coletividade, mesmo isolados
em seus quartos ou em algum lugar remoto do planeta.
A emergência do sujeito fractal
Esse
aspecto performático parece dotar às relações virtuais um aspecto de veracidade
ou autenticidade que parece inexistente nas relações humanas “reais”. Talvez
por aí explique o baixo senso crítico ou a “ingenuidade” a que se refere o
detetive no filme “Disconnect”.
Isso
produziria o que o pensador francês Jean Baudrillard chamava de “sujeito fractal”: um indivíduo ansioso em representar ou
performar sua intimidade para os outros. Tal qual
o fracta da geometria (objeto geométrico que pode ser dividido em partes, cada
uma das quais semelhantes ao objeto original), é um sujeito que se torna um
nódulo que apenas ratifica o que lhe é externo. A aparência narcísica de um ego
grandioso (fotos de felicidade, relatos de grandes realizações, imagens com
seus bens de consumo etc.) encobre um esvaziamento da própria subjetividade
que, sitiado, adapta-se e reproduz mimeticamente o entorno para sobreviver. É o
sujeito fractal, como um fragmento que reproduz dentro de si, infinitamente, o
padrão do todo - veja BAUDRILLARD, Jean. "Videosfera y Sujeto Fractal" In: Videoculturas de Fin de Siglo, Madrid: Catedra, 1990.
Essa “reprodução mimética do entorno” nada mais seria
do que a ansiedade e angústia pela obtenção da aprovação ou a espera de que os
amigos cliquem no “curtir” da postagem.
Como fica evidente na dramáticas condições emocional
do garoto Bem, ele é a vítima ideal do cyberbullying: com um ego fragilizado e
vulnerável devido à superficialidade das suas relações no mundo real, não
possui nenhum mecanismo psíquico de defesa (racionalização, negação,
lutificação etc.) para enfrentar a “pegadinha” criada pela dupla de arruaceiros
da escola. Como, aliás, nenhuma das personagens vítimas do filme (o garoto do
chat erótico explorado pela ambição da jornalista, o casal vítima do crime
cibernético etc.) possui estrutura emocional ou consciência crítica,
tornando-os vulneráveis a qualquer ataque dos predadores do mundo real.
Se no final da década dos anos 1990 caiu a primeira
utopia da Internet (a terra prometida dos lucros fáceis das empresas “ponto
com”), com filmes como “Disconnect” talvez esteja caindo a segunda utopia: a de
que nos mundos virtuais da Internet estaria a utopia de um novo mundo
democrático e civilizado onde todos partilhariam conhecimento e experiências
inovadoras que enriqueceriam a cultura e a inteligência humana. A Internet com
suas redes e nódulos seria a própria materialização das redes neuronais e
sinapses da mente humana, a “inteligência coletiva”.
Mas a Internet nada mais é do que a ampliação e
ressonância tecnológica das velhas mazelas humanas. Ela ainda é humana,
demasiada humana.
Ficha Técnica
- Título: Disconnect
- Diretor: Henry Alex Rubin
- Roteiro: Andrew Stern
- Elenco: Jason Bateman, Jonah Bobo, Haley Ramm, Frank Grilo, Hope Davis, Alexander Skarsgard
- Produção: LD Entertainment, Wonderful Films
- Distribuição: LD Entertainment
- Ano: 2012
- País: EUA
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