sábado, maio 07, 2022

Agenda setting e a profecia autorrealizável do "golpe" ou... como fazer Paulo Guedes sumir


Sobe a temperatura de um país em transe, aterrorizado pela iminência de um golpe militar contra as eleições Enquanto isso, nas telas da grande mídia os “colonistas”, agora com sangue nos olhos depois que Lula virou capa da revista Time, gritam que ele só “erra”, está “fora de forma” e sua campanha está “em crise”. Aproveitando a bagunça, o ministro Paulo Guedes sai de fininho, aliviado por não lhe cobrarem a conta da fome, desemprego e inflação. Mais uma vez, jornalismo corporativo e PMiG põem em ação as estratégias de comunicação de “agenda setting” e “profecia autorrealizável”. Deu certo no golpe contra o segundo governo Dilma ao criarem a crise econômica autorrealizável. E agora repetem num ano eleitoral para aloprar o cenário político com um telecatch que oculta duas coisas: desde 2018 as eleições já estão tuteladas pelo PMiG (o golpe militar já ocorreu e as instituições não funcionam mais) e a crise econômica neoliberal – transformada em catástrofe natural pela grande mídia. 

quinta-feira, maio 05, 2022

Pigmaleão e o mito gnóstico do Divino Feminino no filme 'Ruby Sparks - A Namorada Perfeita'


O mito de Pigmaleão (o escultor que se apaixonou pela própria obra em busca da mulher ideal) tem atraído diversos artistas, produzindo diversas releituras. Uma delas é o filme “Ruby Sparks - A Namorada Perfeita” (2012), escrito, dirigido e estrelado por Zoe Kazan – um jovem escritor com um sucesso comercial aos 19 anos sofre bloqueio criativo para manter a imagem mercadológica de gênio. Sua musa ideal aparece em sonhos e finalmente o inspira para começar um novo livro. Até ela misteriosamente se materializar, controlada pelas palavras que o escritor datilografa em sua velha máquina de escrever. O jovem escritor é prisioneiro daquilo que a psicologia já definiu como “Efeito Pigmaleão” e “Profecia Autorrealizável”. Porém, “Ruby Sparks” vai além: conecta a mitologia de Pigmaleão com o mito gnóstico do Divino Feminino (Sophia) e com o arquétipo contemporâneo do “Viajante”. 

quarta-feira, maio 04, 2022

A mitologia de Cronos e um buraco na ilusão do Tempo na série 'Outer Range'


Deus existe? E se existe, por que deixa coisas ruins acontecerem? Por que nos sentimos abandonados por Deus? Por que o Universo é eterno é nós somos finitos? Qual a natureza de um misterioso buraco sem fundo que surge em pleno pasto de uma fazenda no Wyoming? Inspirado na antiga mitologia grega de Cronos (um Titã que se tornou o “Deus do Tempo”), a série da Prime Video “Outer Range” (2022- ) é povoado por personagens angustiados com essas questões, entre a Metafísica, a ficção científica e os tropos clássicos do gênero Western. Um misterioso buraco que parece ligar ao Tempo Eterno (anterior a Cronos) e a feroz disputa territorial entre duas famílias de fazendeiros faz da série uma aposta sobre questões filosóficas e gnósticas: o Tempo como um acidente na Criação, da qual só podemos escapar se conseguirmos perceber aquilo que os gregos antigos chamavam de “Kairós”: o “acontecimento único”.

sábado, abril 30, 2022

Live de aniversário nesse domingo! Peter Gabriel: Jung no rock; Riso e Política; Lula e as armadilhas semióticas


ANIVERSÁRIO DO CINEGNOSE 360!!! Nesse domingo, 01/05, às 18h, no Youtube, é o primeiro aniversário. E vamos comemorar a longevidade do Cinegnose 360 com mais vinis, comentários aleatórios, filmes estranhos e o xadrez semiótico da guerra híbrida brasileira. Vamos começar com vinis de Peter Gabriel: o leitor do gnosticismo alquímico de Jung no rock. Depois, vamos discutir os filmes “We’re Going to the World’s Fair” (tecnognosticismo nos games e creepypasta) e “Fresh” (elite, antropofagia e capitalismo). Depois, a antropologia e política do riso e da morte em Massimo Canevacci. Conselhos do humilde blogueiro para Lula: como fugir das armadilhas semióticas da “comunicação indireta” e “dilema midiático”. E a crítica midiática da semana. Venha ajudar a soprar a velinha... por enquanto é só uma. 

'We're Going to the World's Fair": creepypasta, games e o sonho tecnognóstico da imortalidade


“We’re All Going to the World’s Fair” (2022), da cineasta trans Jane Schoenbrun, é um filme com aquela estranheza que é cada vez mais valorizada e desejada em diferentes gêneros: um filme experimental com um mix de estética de videoarte, creepypasta, game de computador RPG on line e videochamadas no Zoom. Um filme estranho que tem muito a nos dizer sobre as origens místicas que motivam o atual desenvolvimento das ciberutopias por trás de games, aplicativos e o desejo pela imersão nos mundos virtuais. E que vai muito além das velhas fantasias escapistas do cinema e TV: têm a ver com o milenar sonho da imortalidade, para escapar da gnóstica relação de alienação e estranhamento com o mundo. Principalmente no adolescente, perdido entre a infância e a vida adulta. Para ele, o sonho tecnognóstico passa a ser cada vez mais sedutor.

quinta-feira, abril 28, 2022

Lula deve fugir de dois ardis semióticos do xadrez eleitoral: comunicação indireta e dilema midiático


As últimas pesquisas mostram diminuição da diferença entre Lula e Bolsonaro. Não por acaso, o PMiG (Partido Militar Golpista) intensifica a PsyOp “telecatch” do script da “crise entre poderes”, com a colaboração da grande mídia que simula fazer oposição a Bolsonaro: há uma semana só se fala em Daniel Silveira que, desinibido, desfila para as lentes das câmeras com o “indulto” em uma moldura verde-amarela. Na entrevista com youtubers e veículos alternativos, Lula mostrou-se consciente desse jogo. Porém, o panorama geral é frio: ruas vazias, sem manifestações ou protestos. Diferente do Chile, sem uma onda a partir das bases sociais, o PT conta unicamente com as armas semióticas de Lula: Carisma, Retórica, Memória e Rejeição. Como amplificar essa munição semiótica do líder político? Evitar as duas armadilhas das estratégias de comunicação alt-right de Bolsonaro e sua trupe calculadamente aloprada: a “comunicação indireta” e o “dilema midiático”.

terça-feira, abril 26, 2022

Alien's Day: das raízes bíblicas às ocultistas do universo Alien, por Claudio Siqueira


Dia 26 de abril se comemora o Alien’s Day (o Dia do Alien, numa tradução livre, já que ainda não há tradução para a língua portuguesa, pelo menos no Brasil), o famigerado xenomorfo da franquia Alien. O monstro mais famoso e amado do cinema  e dos quadrinhos – não o é por acaso; ele foi concebido pelo pintor e escultor surrealista Hans Ruedi Giger, ou simplesmente H.R. Giger como é conhecido. O Cinegnose vem dissecar a criatura, suas fontes de inspiração e o porquê de Prometheus e sua sequência não serem tão ruins como dizem as más línguas.

sábado, abril 23, 2022

Live de domingo: vinis, guia prático de destruição do Capitalismo e País em pânico com 'indulto' do Bozo


Na véspera do Cinegnose 360 completar um ano, o humilde blogueiro continua com a verve conspiratória... Nesse domingo, 24/04, 18h, no YouTube, venha conspirar na edição #52. Como os cinegnósticos sabem, o programa abre com os velhos vinis: Paralamas do Sucesso e o LP “Os Grãos”: será que o rock brasileiro dos anos 80 foi uma PsyOp militar? Depois, os filmes “Night’s End” (a Razão pode criar monstros) e a série Maniac (a psicanálise da computação). Antártida 30 graus: a mitologia das mudanças climáticas. Depois, vamos conspirar: o saque emergencial do FGTS e o Guia Prático de Destruição do Capitalismo. Campanha do Cinegnose: Anitta para marqueteira de Lula! O país em pânico: a precessão dos simulacros no “indulto” de Bolsonaro. E a crítica midiática da semana. Venha conspirar contra a civilização ocidental na Live Cinegnose 360! 

sexta-feira, abril 22, 2022

Presunção da catástrofe da mídia cria arma geopolítica da mitologia da mudança climática


Fez 30 graus na Antártida! Por incrível que pareça foi isso que alguns telejornais (desses que transformam notícias em infotenimento) acabaram induzindo o distinto público a acreditar a respeito de “onda calor inédita” reportada por uma base francesa no continente gelado. É a presunção da catástrofe, construção semiótica operada pela mitologia das “mudanças climáticas” – depois da urgência biológica da pandemia, agora a grande mídia volta para a urgência climática. Uma operação semiótica de despolitização ao reduzir a questão ecológica ao “meio ambiente”, deixando de lado o fator socioeconômico. A mitologia das mudanças climáticas se transforma em chantagem ambiental na grande mídia: a substituição da matriz do combustível fóssil pela “energia limpa” (eólica, solar) além de igualmente destruir o meio ambiente, atende principalmente objetivos geopolíticos: transformar os países outrora chamados de “emergentes” em novas neocolônias high tech.

quinta-feira, abril 21, 2022

O Pentagrama, o Diabo e o Oculto no game eletrônico 'Pilgrims', por Claudio Siqueira


Eu já falei da Amanita Design aqui, mas falar deles nunca é demais. A equipe de jogos independentes da república tcheca ressuscitou muito bem o estilo de games adventure point-and-click, criando incríveis narrativas mudas, contando às vezes belas histórias ainda que numa atmosfera lúgubre. Neste artigo o Cinegnose vem mostrar o interessante jogo Pilgrims, cujo gameplay se dá todo na mecânica de um único puzzle de Samorost 3 – Pilgrims é um jogo sobre um humilde peregrino em sua jornada esotérica, com elementos do Oculto implícitos. Desde o Pentagrama, que abre o jogo, até o Diabo... que reclama a alma de um padre que teria pecado.

quarta-feira, abril 20, 2022

Em 'Night's End' o sonho da Razão produz monstros


A cineasta Jenifer Reeder (considerada pelo diretor duas vezes vencedor do Oscar, Bong Joon Ho – Parasita – uma cineasta na lista dos imperdíveis) revisita o tema da casa mal-assombrada que, de tão recorrente no gênero terror, parece não restar nada mais relevante a ser dito. Porém, “Night’s End” (2022) prova o contrário ao trazer a clássica estória de fantasmas no zeitgeist da pandemia e as videochamadas e lives na Internet. Um homem recluso transforma a sua investigação sobre fantasmas em seu apartamento em lives num canal sobre fenômenos paranormais no Youtube, procurando engajamento e monetização. “Night’s End” mostra de forma criativa (superando limitações do baixo orçamento) como o pintor Goya tinha razão ao falar que “o sonho da Razão produz monstros” – o célebre pintor do romantismo espanhol antecipou a crítica que mais tarde a filosofia e a psicanálise fariam: paradoxalmente os mecanismos da Razão e das luzes da Ciência geram os monstros da irracionalidade e do obscurantismo que tanto queriam combater.  

sábado, abril 16, 2022

Live domingo: Primus e o trash 90's, Nietzsche e atiradores em massa, viagra e voto jovem: PsyOps do PMiG


Esqueça o bacalhau e ovos de Páscoa! Tem a Live Cinegnose 360 #51, nesse domingo (17/04), às 18h, no YouTube. Para quê? Para começar com os vinis do humilde blogueiro: banda Primus, álbum “Pork Soda” e a subcultura trash dos anos 90: será que foi a incubadora da alt-right do século XXI? Filmes “Jimmy Savile: A British Horror Story” (como a câmera mente mostrando o que quer ocultar) e “Nitram” (Nietzsche e Schopenhauer se encontram com os atiradores em massa). O estranho ataque no metrô no Brooklin. False Flag? Para quê? Depois, vamos revisitar o documentário de Adam Curtis “O Século do Ego” (2002): o sujeito fractal do século XXI. Do viagra à campanha do TSE “Bora Votar”: novas PsyOps do PMiG (Partido Militar Golpista). E a crítica midiática da semana. Venha se despedir da Páscoa participando da Live Cinegnose 360. 

Filme 'Nitram': Nietzsche, Schopenhauer e atiradores em massa


Schopenhauer acreditava que num mundo sem sentido, a vontade seria a fonte de todo sofrimento. Nietzsche não concordava: “não há vida fora da vontade”, acreditava o filósofo. Nem que seja para ter vontade do nada quando não há nada mais para querer. O filme australiano “Nitram” (2021), do cineasta Justin Kurzel, confirma essa tese de Nietzsche ao fazer uma perturbadora radiografia do atirador em massa do trágico episódio conhecido como “massacre de Port Arthur”, na Austrália, em 1996. Kurzel revisita todas as teses mais batidas em filmes e documentários sobre atiradores em massa (bullying, a “criança diabólica”, pais insensíveis etc.) para se concentrar na responsabilidade das instituições, legislações e nos “efeitos copycat” desencadeados pela cobertura midiática sensacionalista. As formas como a sociedade pode desencadear mecanismos que canalizem a “vontade do nada” presente na doença humana.  

“O homem preferirá ainda a vontade do nada ao nada de vontade” 
(Friedrich Nietzsche, “Genealogia da Moral”)

 

Nietzsche considerava o homem um animal doente. E a sua doença é perceber que o mundo não tem sentido. E o ascetismo é uma tentativa de cura. O ideal ascético (humildade, pobreza e castidade) é uma tentativa de o sofredor manter-se vivo, criando um sentido para a existência através do próprio sofrimento. 

Com isso, Nietzsche queria dar uma resposta a Schopenhauer em seu “Mundo como Vontade e Representação:” para o filósofo, o ascetismo seria uma forma de tentar anular a vontade que, ao final, seria a fonte de todo o sofrimento numa existência sem sentido.

Porém Nietzsche discordava: a vontade pelo nada pode ser o último lugar para onde se queira apontar, a última salvação. Para Nietzsche, não há vida fora da vontade: é possível querer o nada, mas é impossível deixar de querer.

O ascetismo pode ser uma faca de dois gumes: a solidão pode dar o poder de se concentrar, “onde os espíritos fortes, os homens cultos, precisam se isolar”. Mas também a vida ascética pode ser dominada pelo ressentimento – o desejo de dominar a própria vontade pode se revoltar na repressão fisiológica, autoflagelo e autossacrifício, pode resultar na destruição da própria existência como o último objeto da vontade.

O filme australiano Nitram (2021), do cineasta Justin Kurzel (Snowtown), faz lembrar essas reflexões nietzschianas sobre a vontade e o nada. Kurzel retorna ao subgênero dos filmes sobre atiradores em massa com uma inquietante dissecação dos motivos que levaram Martin Bryant a cometer uma onde de assassinatos, conhecidos como o Massacre de Port Arthur, Austrália, 1996.

O massacre, no qual morreram 35 pessoas e mais 23 feridas, ocorreu principalmente na antiga colônia penal de Port Arthur, que foi recuperado e se tornou uma local turístico popular no sudoeste da Tasmânia – o único caso de atirador na história do país.



Em quase duas horas de duração, Kurzel revisita todos os tropos dos filmes e documentários sobre atiradores em massa como Elephant (Guz Van Sant) e Precisamos Falar Sobre Kevin (Lynne Ramsay), tornando o roteiro de Shaun Grant uma narrativa autoconsciente. 

Para começar, o nome do atirador nunca é mencionado no filme, apenas o seu apelido, refletindo a abordagem atual que visa evitar a notoriedade aos agressores. Ao longo do filme vai revisitando todas as teses clássicas: Nitram queria comprar uma prancha de surf e a mãe o desencorajou de forma ambígua: “eu te amo, mas surfar não é para você”. Será que isso teria um significado especial? Assim como, se Hitler fosse admitido na escola de arte, não ocorreria a Segunda Guerra Mundial? 

Há a questão dos problemas psiquiátricos: Nitram tomava antidepressivos – a doença mental poderia ser uma justificativa? Uma pária menosprezado vítima de bullying? Ou a ideia de que, desde tenra idade, era uma “criança demoníaca” – a ideia do Mal sugerida pelo filme do diretor Lynne Ramsay. 

Kurzel atravessa todas essas possibilidades, de forma cerebral e autoconsciente, sem tomar partido. Porém, o diretor destaca a questão da violência em si, como o único objetivo ou sentido que restou ao protagonista. Como fica claro na sequência em que seu pai está deitado no sofá em um estupor depressivo, após um negócio malsucedido. Nitram ataca violentamente seu pai com tapas e socos. Quando a mãe lhe pergunta por que fez isso, ele responde de forma enigmática: “Isso é o que você deveria fazer... Então, é isso que você faz”.




Nitram é um estudo arrepiante desse tipo de mentalidade simplista que vê a violência como uma maneira de desencadear algum tipo de resposta. Por isso, o estudo de Kurzel lembra o diagnóstico nietzschiano: de repente a vontade do nada através da violência pode conceder sentido a uma existência sem sentido.

O Filme

Na primeira sequência vemos o menino Bryant, na ala de queimado de um hospital, sendo indagado se aprendeu a lição sobre brincar com fogos de artifício. “Sim... mas ainda continuo brincando com eles”, responde o menino. É um toque inteligente, porque, desde o início, o filme estabelece que o protagonista entende as repercussões de suas ações, colocando-se a questão da amoralidade.

O personagem principal é chamado "Nitram" (o primeiro nome do criminoso real soletrado ao inverso) é interpretado por Caleb Landry Jones. Nitram mora com seus pais (Judy Davis e Anthony LaPaglia), ambos cansados ​​do esforço de manter um olho vigilante em seu filho crescido perigosamente errático. Incapaz de manter um emprego convencional, Nitram conhece Helen (Essie Davis) quando está rondando o bairro, oferecendo cortar grama em troca de dinheiro. Ao contrário da maioria das pessoas que ele encontra, Helen - uma excêntrica ex-atriz, embora menos ameaçadora - o convida a morar na sua casa, e os dois embarcam em um romance incomum. Por um tempo, os dois desajustados alcançam um equilíbrio frágil.




Então a tragédia se abate, deixando Nitram sozinho em um grande casarão na companhia de vários cães. Ele herda de Helen mais de meio milhão de dólares. Mas isso torna o protagonista ainda mais errático – ele decide conhecer Los Angeles e Hollywood. E na volta, após o traumático suicídio do pai depressivo, começa a alimentar a ideia de que a violência é a única maneira de conseguir uma resposta em uma existência vazia. 

A partir de então, Nitram marcha inflexivelmente em direção ao final que sabemos que está chegando.

Nitram de Justin Kurzel caracteriza-se pela neutralidade e isenção emocional. Preocupações da crítica de que o filme teria pena do assassino, que ele se tornaria algum tipo de herói incompreendido que não teria escolhido um caminho tão terrível se não tivesse sofrido bullying na escola ou fosse mais amado por seus pais, rapidamente se provam infundadas. 

Nitram também não trata o seu protagonista como alguém perturbado ou caricaturalmente maligno. Nunca temos a sensação de que Kurzel está tentando nos impor como deveríamos sentir em relação a Nitram. Somos apenas solicitados a observar, não a julgar. Em um filme centrado em um evento tão traumático, a manutenção de uma perspectiva não ofuscada pela intensidade da emoção é uma característica notável da narrativa.




Outra armadilha potencial evitada está no retrato dos pais de Nitram, a quem o filme trata com muito mais simpatia do que culpa. Desde o instante em que os conhecemos, a pura exaustão de cuidar constantemente de seu filho aterrorizante está estampada em seus rostos. Embora a mãe de Nitram seja severa e seu pai permissivo (pais exaustos e incompatíveis), ambos claramente amam seu filho.  Eles tentam fazee o melhor para ele, enquanto lutam com a crescente percepção de que seu melhor nunca será bom o suficiente.

Efeito Copycat

Na verdade, o foco de Nitram está num sistema que permitiu que um jovem claramente desequilibrado com uma mochila contendo meio milhão de dólares saísse de uma loja de armas com armamento suficiente para um pequeno exército. A sequência central da loja de armas se destaca por sua banalidade repugnante; a amabilidade descontraída dos vendedores é quase tão desconcertante quanto as poucas cenas de violência aberta.




Aqui e ali no filme, Kurzel sugere o fator midiático na influência comportamental do atirador em massa. De início, o desejo do protagonista querer conhecer Hollywood, após a morte de sua companheira e de ter herdado sua fortuna. Em outra passagem, percebemos que a TV da casa dos pais de Nitram está transmitindo um telejornal que dá notícias de um massacre famoso naquele momento: o massacre da escola de Dunblane, na Escócia, em que um atirador matou 16 crianças e uma professora. Muitos acreditam num “efeito copycat” (efeito de imitação), teoria de que o efeito de saturação da cobertura sensacionalista da mídia dá o incentivo a que indivíduos disfuncionais repitam o crime – clique aqui.

E no final do filme, antes do protagonista iniciar o massacre, ele coloca uma filmadora na mesa do restaurante e liga. Dando início ao atentado.

A descrição de vida de Nitram como uma espécie de monotonia claustrofóbica é a chave de compreensão do filme: seu isolamento e ascetismo (reforçado ainda pelo antagonista mundano, um surfista bem-sucedido cuja namorada o esnobou em uma importante cena que sugere o ressentimento) são cuidadosamente cultivados até se transformar na vontade nietzschiana pelo nada final.

A mensagem de Kurzel está nos créditos finais do filme mostrando as consequências: como o massacre estimulou na Austrália a “Lei de Implementação do Programa Nacional de Armas de Fogo de 1996, restringindo a propriedade privada de espingardas semiautomáticas de alta capacidade, espingardas de caça semiautomáticas e espingardas de pressão, assim como introduziu a licença padronizada para compra de armas de fogo. 


 

 

Ficha Técnica

 

Título: Nitram

Diretor: Justin Kurzel

Roteiro: Shaun Grant

Elenco:  Caleb Landry Jones, Judy Davis, Anthony LaPaglia, Essie Davis

Produção: GoodThings Productions, Melbourne International Film Festival

Distribuição: IFC Films

Ano: 2021

País: Austrália

 

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quinta-feira, abril 14, 2022

PsyOps do PMiG: do viagra ao súbito interesse cívico no primeiro voto do jovem


Desde o primeiro dia, toda semana, incansavelmente, o governo Bolsonaro e o PMiG (Partido Militar Golpista) inventam uma crise. Uma operação psicológica chamada “guerra criptografada de Informações” com um objetivo geral de “aloprar” o cenário político do momento, aproveitando-se da perigosa ingenuidade dos jornalistas e do fígado sempre reativo da esquerda. Apagar as digitais do PMiG e ocultar os fundamentos neoliberais do governo são algumas das metas dessa psyOp. Depois que a guerra na Ucrânia perdeu a audiência na grande mídia, o PMiG voltou com tudo: crise na Petrobrás e no ministério da Educação. E, nessa semana, a compra milionária de viagra e próteses penianas para a caserna. Em todo esse embaralhamento de informações, está passando despercebido o porquê do súbito interesse “cívico” do TSE no primeiro título de eleitor do jovem – a natureza do voto dessa faixa etária será um prato cheio para o ardil semiótico alt-right. 

quarta-feira, abril 13, 2022

'Jimmy Savile: A British Horror Story': esconder mostrando aquilo que se pretende ocultar


A câmera é capaz de mentir mesmo mostrando aquilo que pretende esconder? Essa é a questão central do documentário Netflix “Jimmy Savile: A British Horror Story” (2022) sobre o escândalo que explodiu após a morte do icônico DJ, apresentador de TV e filantropo inglês – um rastro de mais de 500 vítimas de abusos e estupros, principalmente de menores de reformatórios, hospitais e instituições psiquiátricas. Jimmy Savile foi por 60 anos uma celebridade do showbiz, admirado por Margaret Thatcher, amigo da família real e com uma multidão de fãs. Boatos de assédios e abusos o acompanharam, mas Savile espertamente os alimentava na mídia, diante das câmeras, para depois ser tudo abafado pela sua credibilidade que os milhões que arrecadava para a caridade construíram. Será que Savile hipnotizou toda uma nação com seu jeito excêntrico e lunático? Assim como Dr. Caligari, no clássico do cinema alemão? O caso Savile revela esse ardil do vilão do filme que teria prenunciado o zeitgeist do nazifascismo.

sábado, abril 09, 2022

Nesse domingo, Jethro Tull, soviéticos na Lua, 'Massacre de Bucha' leva o Oscar e crítica midiático da semana


Quase completando um ano, a Live Cinegnose 360 chega à edição #50, nesse domingo (10/04) às 18h, no YouTube. Como todos já sabem, começamos com os vinis do humilde blogueiro. Vamos conversar sobre o rock progressivo “acidental” da banda Jethro Tull: álbum “Thick as a Brick”, uma piada que se tornou séria. Depois, um filme estranho para cinéfilos corajosos: “Ham on Rye”, a adolescência e os ritos de passagem; e a série “For All Mankind”: e se os soviéticos tivessem sido os primeiros a chegar na Lua? E o Oscar vai para... o “Massacre de Bucha”, o remake do “Os Ossários de Timisoara” de 1989. O que os “alt-right” Daniel Silveira, Arthur do Val e Gabriel Monteiro tem a ver com o pensador francês Paul Virilio? – o tempo real e a crise da democracia representativa. Crítica midiática da semana: os “telecatchs” da Petrobrás e do ministério da Educação. Venha participar dessa histórica edição #50! 

sexta-feira, abril 08, 2022

Série 'For All Mankind': e se os soviéticos tivessem chegado primeiro na Lua?


Ao lado da série “O Homem do Castelo Alto”, “For All Mankind” (2019- ) é uma série que se alinha ao subgênero das realidades alternativas – se a série baseada em Philip K. Dick mostrava uma realidade alternativa na qual Alemanha e Japão ganhavam a Segunda Guerra Mundial, nessa da Apple TV + acompanhamos o efeito em cascata, seja geopolítico, seja na cultura e costumes, dos soviéticos terem sido não só os primeiros a pisar na Lua, mas de também colocar a primeira mulher cosmonauta pisando o solo lunar. A questão é que, mesmo em um mundo alternativo, a série repete as mesmas mitologias do nosso mundo real: a NASA como como uma agência “científica” e astronautas como os playboys do “american dream”. 

quinta-feira, abril 07, 2022

Filme "Ham on Rye": a impermanência da juventude entre o sonho e o conformismo


“Ham on Rye” (2019), do diretor Tyler Taormina, é um daqueles filmes para cinéfilos aventureiros: é um filme marcado pela estranheza porque, aparentemente, nada acontece. A única âncora narrativa é uma espécie de ritual de passagem tradicional de uma cidadezinha suburbana sem graça: grupos de adolescentes do final do ensino médio rumam para a lanchonete Monty’s no qual, de alguma maneira, será decidido o futuro adulto de cada um. “Ham on Rye” é um filme sobre a impermanência da juventude e a forma como ela parece desaparecer. É um filme vago, mas, estranhamente prazeroso. Há um subtexto sobre o dilema adolescente do “duplo vínculo”: o medo paralisante da rejeição criado pelo dilema de ficar entre o sonho e o conformismo; entre as aspirações e a resignação.

quarta-feira, abril 06, 2022

Massacre de Bucha repete não-acontecimento dos 'Ossários de Timisoara' de 1989


Todo o hype atual em torno das fake news parece ocultar algo mais pernicioso: os não-acontecimentos – eventos em que a informação se confunde com a fonte, tornando sem sentido a diferença entre verdade e mentira. Os “Ossários de Timisoara”, 1989, escândalo das imagens de centenas de mortos, montadas para a necrofilia televisiva e que levou ao desfecho da Revolução Romena, foi a mãe de todos os modernos não-acontecimentos, das guerras às revoluções híbridas. O “Massacre de Bucha” é mais uma não-acontecimento, com o seu timing, inconsistências, canastrice ficcional e, como sempre, um evento cuja verossimilhança não resiste a uma simples pergunta: quem ganha?

domingo, abril 03, 2022

Live de domingo: Charlie Parker, porque zumbis não morrem, Batman na guerra híbrida e o 'hype' das fake news


Onde tem um velho blogueiro analisando velhos vinis, discutindo filmes e séries novas e, também, analisando notícias e fatos não tão novos assim? É na Live Cinegnose 360, neste domingo (03/04) na edição #49, às 18h, no YouTube. Na sessão dos velhos vinis do humilde blogueiro, vamos ouvir e analisar o jazz de Charlie Parker: o jazz Bebop, o segundo cometa que bateu em Nova York (qual foi o primeiro?). Em seguida, vamos discutir o simbolismo político e social dos zumbis com o filme “Os Mortos não Morrem”, de Jim Jarmusch. Filme “Batman” e o papel das franquias Marvel e DC Comics na formação do “mind set” da guerra híbrida global. Por que as “Fake News” e “Fact-Checking” viraram o “hype” do jornalismo e do TSE? Guerra na Ucrânia: quando a realidade alcança a ficção. O sincronismo do “31 de Março”: sincromisticismo e Parapolítica. A crítica midiática da semana: como dar uma má notícia com palavras positivas?

sexta-feira, abril 01, 2022

O 'mind set' da guerra híbrida no filme 'Batman'


Pouco depois dos atentados de 2001 nos EUA, o Governo Bush reuniu-se com os chefões da indústria do entretenimento, em um hotel de Beverly Hills, definindo uma Agenda Hollywood para os próximos 20 anos com as linhas gerais para produção de conteúdos. Entre elas, a intensificação das franquias de super-heróis das franquias Marvel e DC Comics. Mais do que impor valores americanos, a estratégia era de criar o “neurocinema”: através do universo expandido das franquias, criar um “mind set” necessário para as “revoluções híbridas” planetárias da geopolítica dos EUA. “Batman” (The Batman, 2022) de Matt Reeves é a produção mais acabada dessa Agenda – como o senso particular de justiça de Batman criou um monstro: uma versão Incel do Charada numa Gotham doente e decadente, no qual ressentimento e o senso de antipolítica pavimentam a ingovernabilidade necessária para todas as “revoluções coloridas” globais.

quarta-feira, março 30, 2022

Os zumbis são espelhos dos vivos em 'Os Mortos Não Morrem'


O planeta sai do eixo devido a uma exploração geológica predatória no Polo Norte. O dia e noite começam a mudar instantaneamente. Os animais fogem ou enlouquecem. Mas na pequena cidade de Centerville todos ignoram, imersos em que estão na sua pacata rotina. Até que os mortos ressuscitam, transformados em zumbis. Mas eles não querem apenas comer os vivos: querem voltar a consumir produtos e objetos de que gostavam quando eram vivos. Essa é a comédia de humor negro de Jim Jarmusch “Os Mortos Não Morrem” (The Dead Don’t Die, 2019), um filme político e espiritualmente amargo: retoma o simbolismo político original de George Romero em “A Noite dos Mortos-Vivos” (1968) para dar uma complementação existencial gnóstica: e se nos formos como os mortos-vivos, vagando pela Terra sonolentos e arrastados?

domingo, março 27, 2022

Live de domingo com Wagner, Nietzsche, Philip K. Dick, Gnosticismo e guerra semiótica na Ucrânia e no Brasil


Quer fazer o final de domingo valer à pena? Então participe da Live Cinegnose 360 #48, nesse domingo (27/03), às 18h, no YouTube. Na sessão dos vinis desse humilde blogueiro, vamos falar de música clássica: por que Nietzsche cancelou Richard Wagner? – e o que isso tem a ver com o Top 10 das músicas mais executadas nas rádios brasileiras. Depois, Gnosticismo e o escritor Philip K. Dick em duas séries: “Feria: Segredos Obscuros” e “Philip K. Dick’s Eletric Dreams”. E um balanço sobre um mês de cobertura midiática na guerra da Ucrânia: recorrências, clichês e contradições. Pesquisas eleitorais apontam que a grande mídia vai de Bolsonaro mesmo! PMiG e a guerra semiótica criptografada: o “escândalo” do Ministério da Educação e Val do Açaí. Junte-se aos cinegnósticos nesse domingo!

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