quarta-feira, dezembro 17, 2014

Pequeno manual de guerrilha semiótica antimídia

É inacreditável que depois de quase um século de legado em instrumentos, estratégias e pesquisas na Ciência da Comunicação, a única reposta possível do PT à agenda imposta pela grande mídia seja a articulação de um “gabinete de crise”. Administrar os estragos provocados pelas explosões das bombas semióticas apenas legitima e dá pertinência à pauta diuturnamente elaborada pelas redações dos grandes veículos. O PT repete o mesmo erro estratégico das esquerdas em todos os tempos: pensar a comunicação ainda de forma tradicional (iluminista) como uma questão de Fonte de transmissão dentro da cadeia de comunicação. As bombas semióticas demonstraram que a grande mídia já está à frente com o chamado “softpower” – não mais tentar convencer ou persuadir, mas agora criar pânico e moldar percepções.   Guerrilhas semióticas são a única estratégia possível frente ao cerco das grande mídias: criar uma contra-agenda atuando na recepção e nos códigos. Nessa postagem, um esboço inicial de uma guerrilha no interior dos processos de comunicação. 

A notícia de que o ex-presidente Lula articula a criação de um “gabinete de crise” para enfrentar o impacto das denúncias da Operação Lava Jato é tudo aquilo que a grande mídia esperava ouvir: um “gabinete de crise” apenas vai retroalimentar a agenda criada diariamente pelos colunistas e editoriais, legitimando a pauta pré-estabelecida, como se o PT fosse um bom adversário que aceita as regras do jogo.

Foi também noticiado que o gabinete será formado por um “grupo de notáveis” (sempre os “notáveis”... Marina Silva também pretendia montar um ministério com “notáveis”...).

segunda-feira, dezembro 15, 2014

"Som do Ruído" dispara bombas musicais contra indústria do entretenimento

Apesar de ter nascido em uma família de longa tradição de músicos famosos, Amadeus é um investigador de polícia que odeia música. Mas ironicamente destinam a ele o caso mais difícil da sua vida: seis bateristas excêntricos, liderados por um gênio musical anarquista, decidem lançar uma ataque em escala sonora transformando torres de alta tensão, salas de cirurgia e agências bancarias em inesperados instrumentos de música e ritmos. Bandidos de uma nova geração: terroristas que explodem bombas musicais. Esse é a produção sueca “O Som do Ruído” (Sound of Noise, 2010), claramente inspirado no manifesto musical futurista de 1913 “Arte dos Ruídos”. O filme é uma comédia e, ao mesmo tempo, um manifesto estético-político que mostra como a música pode produzir conformismo. Mas também no diz como é possível reagir através de guerrilhas sonoras-musicais que nos libertem da música produzida pela indústria do entretenimento.

Quando falamos em filmes gnósticos imaginamos dramas ou thrillers de ficção científica cheios de ação como Matrix ou A Origem, ironia social como em Show de Truman ou intrincadas narrativas que confundem a ilusão com a realidade como em Ilha do Medo. Os simbolismos gnósticos são pesados e épicos ao denunciarem que a realidade é ao mesmo tempo ilusão e prisão.

Um filme que combina comédia, música e romance pode também lidar com temas gnósticos profundos? Assistindo ao filme sueco O Som do Ruído (Sound of Noise, 2010) podemos chegar a uma surpreendente conclusão positiva.  Sim, a música e o som que nos rodeiam podem também modelar a nossa experiência, criar o senso comum e nos faz aderir a valores sociais, produzindo conformismo ao status quo.

sábado, dezembro 13, 2014

Rio de Janeiro leva crianças para o Capitalismo Cognitivo

Prefeitos, governadores e presidentes vivem a pressão política  e mercadológica de tornar visíveis para a mídia e opinião pública suas obras e realizações. Mas às vezes essa corrida contra o tempo cria verdadeiros atos falhos onde a peça publicitária se trai e a verdade sobe à tona em meio a camadas de discursos e eufemismos. O exemplo mais recente é a da inacreditável publicidade veiculada no jornal “O Globo” do programa “Fábrica de Escolas do Amanhã” da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro: crianças em carteiras sobre uma esteira de linha de produção ao melhor estilo do vídeo clip “Another Brick in The Wall” do Pink Floyd. Qual concepção de educação pública é passada pelo ato falho visual? Para onde aquela esteira está levando as crianças da foto? Uma análise iconográfica e semiótica da peça publicitária pode revelar: a esteira leva para o futuro, para o Capitalismo Cognitivo.

Como diz aquele provérbio, uma imagem vale mil palavras. Publicidade veiculada no último domingo no jornal O Globo do programa “Fábrica de Escolas do Amanhã”, da Secretaria Municipal da Educação do Rio de Janeiro, mostra uma fotografia onde explicitamente faz uma aproximação de uma escola com uma linha de produção industrial.

Acima da foto em que vemos crianças nas carteiras escolares sobre uma esteira de linha de produção há um texto que diz: “Nossa linha de produção é simples. Construímos escolas, formamos cidadãos e criamos futuros”. A peça publicitária divulga o programa da prefeitura que constrói estruturas pré-moldadas para a construção e escolas, além de armazenar e distribuir material para as unidades da rede de ensino.

quarta-feira, dezembro 10, 2014

Efeito Pinball potencializa bombas semióticas na mídia

Quem não conhece o jogo de arcade chamado Pinball? Um lançador dispara uma bolinha de metal que bate e rebate em pinos somando pontos a cada tilintar barulhento. Numa tragicômica analogia, a grande mídia parece ter transformado o País numa gigantesca arcade ao chegar no estado da arte de impor sucessivas agendas que se assemelham a bolinhas metálicas disparadas em um Pinball: “mensalão”, “caos aéreo”, “o gigante acordou”, “petrolão” etc. O Governo responde aqui e ali com notas, criando um círculo infernal de bate-rebate que só legitima a agenda anteriormente criada. O Efeito Pinball se transforma no meio condutor das bombas semióticas que são detonadas diariamente nas mídias. Por si só elas não têm força: necessitam do meio condutor da agenda, assim como as ondas de choque produzidas por uma bomba química necessitam do ar.

Nas últimas edições do telejornal SPTV da Globo, o apresentador Cesar Tralli tem se mostrado particularmente indignado, não se sabe porque orientado pelo ponto para que ele eleve o tom das críticas ou se está contaminado pelo clima do chamado “terceiro turno” que se seguiu após as eleições.

Em sucessivas matérias Tralli tem demonstrado uma indignação tão cívica quanto seletiva. Na inauguração de mais uma ciclo-faixa, na Zona Norte da cidade de São Paulo, dispara inconformado: “assim é fácil fazer 400 quilômetros de ciclo-faixas, passar a tinta sobre buracos”, diz mostrando um close up de um buraco no meio da faixa recém-inaugurada. Pelo tipo de lente e esmero da teleobjetiva parecia mais uma cratera lunar!

Série "Além da Imaginação" e a sensibilidade gnóstica atual

A comparação do episódio “Special Service” da terceira temporada da série de TV “Além da Imaginação” (1988-89) com o filme “Show de Truman” (1998) revela didaticamente com a sensibilidade gnóstica atual está por trás de adaptações dos clássicos da TV e do cinema. O episódio de 1988 inspirou  Andrew Niccol a escrever o roteiro de “Show de Truman”: enquanto no episódio original vemos uma típica ficção científica orwelliana onde a paranoia e conspirações dominam o protagonista, na adaptação de Niccol vemos esses mesmos elementos transmutados em drama e sátira social. Mas Niccol colocou algo mais: a suspeita de que o reality show não seja apenas televisivo, mas cósmico.

A postagem anterior sobre o filme brasileiro O Efeito Ilha (1994) e a possibilidade sugerida pelo diretor Luís Alberto Pereira de que Peter Weir teria “chupado” a ideia do filme para construir o roteiro de Show de Truman (Truman Show, 1998), provocou polêmica aqui no blog – clique aqui.

Como vimos, essa suspeita não procede, já que o tema do controle da privacidade que é transformado em show pela mídia são tratados de forma invertida: em O Efeito Ilha, a transmissão televisiva involuntária da vida do protagonista é tratada como “dissonância cognitiva, isto é, elemento dissonante que faz os espectadores tomarem consciência da TV como instrumento de alienação; enquanto em Show de Truman, a vida do protagonista é transformada em um autêntico reality show, como instrumento de alienação para as massas.

domingo, dezembro 07, 2014

Filme "O Efeito Ilha": "Show de Truman" plagiou filme brasileiro?

Em um tom quase profético, o filme brasileiro “O Efeito Ilha” (1994) de Luís Alberto Pereira antecipou toda a onda posterior dos reality shows na TV. Quatro anos depois o filme “Show de Truman” retomaria o tema da invasão de privacidade como show, levando Pereira a declarar que Peter Weil teria “chupado” sua ideia. Posteriormente o filme “O Efeito Ilha” seria lançado em VHS como “The Man In The Box” – um técnico de TV é vítima de um estranho fenômeno eletromagnético através do qual sua vida passa a ser transmitida ao vivo em todos os canais de TV. “O Efeito Ilha” captou o espírito do seu tempo (naquele momento o Projeto científico Biosfera 2 e o “Real World” da MTV eram os embriões de um novo gênero televisivo). Por que, ao contrário dos EUA, o cinema brasileiro não continuou explorando esse tema, relegando o filme “O Efeito Ilha” ao esquecimento?

quarta-feira, dezembro 03, 2014

O Inferno alquímico de Dante no filme "O Reflexo do Medo"


Conhecida como "Cidade Luz", Paris também é escura e misteriosa: sob a cidade se estende uma vastíssima rede de mais de 300 quilômetros de túneis e labirintos. São as chamadas “catacumbas de Paris” ou “cidade dos mortos” onde jaz os restos de seis milhões de pessoas, além de vestígios de cultos celtas, franco-maçons, gravuras e sinais ritualísticos sagrados. Nessa atmosfera claustrofóbica e sombria se movem os arqueólogos urbanos do filme “O Reflexo do Medo” (As Above, So Below, 2014), misturando terror com thriller psicológico no estilo falso documentário ou “found footage”. Como informa o título original, a narrativa explora o princípio alquímico da Correspondência, repleto de referencias ao chamado esoterismo cristão presente na obra de Dante Alighieri “A Divina Comédia”, na qual o diretor John Erick Dowdle se inspirou para escrever o roteiro.

sábado, novembro 29, 2014

"Veja São Paulo" detona bomba semiótica na Cracolândia

Feios, sujos, malvados e viciados retornam à Cracolândia, levantando uma mini favela em plena rua do Centro. A grande mídia esfrega as mãos para denunciar uma suposto fracasso do programa da Prefeitura de São Paulo “De Braços Abertos”. Assim como os black blocs (úteis na oportuna criação de imagens midiáticas de caos no País em ano eleitoral) foram glamurizados através de Dani Pantera e Emma, agora o “fracasso” na Cracolândia é midiatizado pela personagem da “Cinderela às avessas”, a ex-modelo Loemy que se tornou viciada em crack e vaga pelas ruas do Centro. Matéria da "Veja São Paulo" a transforma em mais uma bomba semiótica, assim como foi a “musa” black bloc Dani Pantera: a bomba da “good-bad girl”.  A matéria se mostra menos uma reportagem e muito mais um sintoma do DNA dos cursos internos de jornalismo da Editora Abril: a frenética busca por personagens que confirmem narrativas que o próprio Jornalismo já tem de si mesmo.

- Olá, querida - gritou Joe Louis a sua mulher ao vê-la o esperando no aeroporto de Los Angeles. Ela sorriu enquanto aproximava-se e quando estava a ponto de ficar na ponta dos pés para lhe dar um beijo, deteve-se de pronto.
- Joe, onde está sua gravata? - perguntou.
- Ai, querida - ele desculpou-se encolhendo os ombros - estive fora toda a noite em Nova York e não tive tempo... (...)

Houve uma época em que jornalistas buscavam personagens (como o protagonista desse diálogo, o boxeador Joe Louis) para mostrar o lado humano de figuras que o tradicional texto jornalístico não permitia. Nesse texto da revista Esquire em 1962, Gay Talese (um dos precursores do chamado Novo Jornalismo – gênero jornalístico do início dos anos 60 nos EUA que misturava narrativa jornalística com estilo literário) procurava mostrar o lado humano de um campeão de boxe capaz de expressar fragilidade ao encolher os ombros em uma pequena discussão com sua mulher no aeroporto.

domingo, novembro 23, 2014

Amor e entrelaçamento quântico no filme "Interestelar"

Depois de desafiar os espectadores com desconstruções narrativas como “Amnésia” e articular sucessivas camadas de mundos oníricos em “A Origem”, agora Christopher Nolan em “Interestelar” (Interstellar, 2014) nos desafia com os paradoxos da mecânica quântica e relatividade.  Aqui não há mais heróis tentando salvar a Terra, mas pessoas que se sacrificam na procura de um caminho para a humanidade abandonar um planeta agonizante. E a única saída será através de buracos negros e “buracos de minhoca” cósmicos. Porém, as equações falham em tentar conciliar a dimensão quântica e a relatividade. Qual a solução proposta por Nolan? Amor e Comunicação, os únicos elementos que atravessam os diferentes espaços-tempos e que resolveriam o enigma do chamado “entrelaçamento quântico”. Tudo com muitas alusões gnósticas e religiosas, criando uma poderosa atmosfera mística.

John Smith trabalha como projetista em um cinema nos EUA. John fez um curioso relato no início desse mês: ao receber a cópia do filme Interestelar percebeu que ela veio embrulhada e rotulada como “Flora’s Letter” – The Hollywood Reporter, 22/10/2014.

Já é bem conhecida essa estratégia onde os filmes são distribuídos ou mesmo produzidos com títulos falsos a fim de dificultar a pirataria ou roubo.

Mas também é conhecido que muitos produtores não resistem à tentação de deixar nesses falsos rótulos pistas inteligentes e sugestões. É o exemplo de filmes anteriores de Nolan que foram distribuídos dessa maneira, com intrigantes pistas: “Backbreaker” para o filme Batman - O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, 2008) e “Be Kind, Rewind” para Amnésia (Memento, 2000).

sábado, novembro 22, 2014

Da caridade ao cinismo do marketing social em "Quanto Vale ou é por Quilo?"

Desde a ideia do amor ao próximo transmitida por Jesus, a tragédia transformou-se em farsa: a caridade transformou-se em filantropia para, nos tempos cínicos atuais, finalmente se converter em marketing social. Esse é o tema do filme de Sérgio Bianchi “Quanto Vale ou é por Quilo?” (2005). Inspirando-se num conto de Machado de Assis e em processos judiciais do século XVIII disponíveis no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Bianchi faz de uma narrativa que mistura sarcasmo e drama um flagrante de como a “escravidão moderna” perpetua as formas coloniais de dominação através do chamado Terceiro Setor com suas ONGs. Partindo do mito da exclusão e marginalidade, o marketing social esquece de que a miséria já está há muito tempo integrada: como oportunidade de lucro, lavagem de dinheiro e formas irregulares de captação de dinheiro público.

Misericórdia, compaixão, amor ao próximo e o perdão foram os valores civilizatórios trazidos pela ética e moralidade cristã. As epístolas do Novo Testamento descrevem como Jesus queria que o ódio e a indiferença fossem substituídos pelos “amar o próximo como a si mesmo”, forma de Deus permanecer em nós.

Depois disso, a caridade passou a ser considerada obra piedosa onde o autor abdicaria de toda a sua vaidade. O anonimato é o valor máximo por ser o ato da caridade uma descoberta íntima de Deus. As hospedarias para peregrinos de Santo Agostinho e o hospital para vítimas da fome e epidemia em Constantinopla de São João Crisóstomo na Idade Média foram exemplos do ascetismo como impulso voltado para o interior de si mesmo.

Tudo muda em meados do século XVIII quando a caridade se transforma em filantropia, entendida como a caridade cristã laicizada: “fazer o bem” deixa de ser uma virtude cristã para ser uma virtude social.

quinta-feira, novembro 20, 2014

A fotografia pode roubar nossa alma no filme "Skew"


Aclamado em diversos festivais de filme de terror, o filme independente “Skew” (2011) parte de uma curiosa teoria da fotografia formulada pelo escritor francês Balzac no século XIX: toda fotografia é um “crime espectral” – cada exposição à câmera nos rouba uma das camadas espectrais que compõem o nosso ser. A cada fotografia morremos um pouco. Com essa premissa, o diretor Sevé Schelenz constrói uma narrativa com câmera na mão que no início parece se filiar a estilo de filmes como “Bruxa de Blair” ou “Rec”. Apenas parece. Ao se inspirar  no temor de Balzac, Schelenz não só leva a premissa às últimas consequências como também a atualiza: na verdade, as imagens estariam roubando não as nossas camadas espectrais, mas as camadas de memórias que compõem quem nós somos. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

segunda-feira, novembro 17, 2014

A escassez de água é uma bomba semiótica?

Enquanto a Grande São Paulo vive a contagem regressiva para o fim do volume morto na crise de abastecimento de água do sistema Cantareira, sincronicamente estreia nos cinemas “Interestelar” cujo plot se inicia com o planeta Terra devastado por tempestades de areia e escassez de recursos naturais. Hollywood e os telejornais da grande mídia se tornaram uma verdadeira caixa de ressonância: enquanto o jornalismo diariamente apresenta sua natural presunção pela catástrofe ao querer “globalizar” a crise de água da Grande São Paulo como exemplo de uma suposta crise climática mundial, nos últimos 20 anos Hollywood aumenta o número de produções cujo tema da escassez e luta pelo controle da água é a chave central do roteiro. Depois de catorze anos da chamada “Guerra da Água” na Bolívia, São Paulo seria o “Beta Test” de uma agenda mundial de mercantilização da água? Esse sincronismo faria parte de uma engenharia de opinião pública cujo mito da escassez de água seria a principal bomba semiótica?

Em meio à verdadeira contagem regressiva diária para o fim do chamado volume morto do sistema Cantareira de abastecimento de água da Grande São Paulo, o apresentador do SPTV da Globo, César Tralli, fala em tom dramático: “temos que economizar água, gente. Está acabando a água em todo o planeta!”.

Sincronicamente, estreia nos cinemas o filme Interestelar de Christopher Nolan, cuja narrativa se situa em um futuro próximo onde as fontes naturais do planeta Terra se tornam escassas e os ecossistemas são varridos por tempestades de areia, ameaçando a sobrevivência da espécie humana.

quinta-feira, novembro 13, 2014

Lenin inventou o Marketing?

“Lenin com o Comunismo prometeu felicidade. Isso é o Marketing!”. Essa linha de diálogo do filme “Branded” (2012), sobre um protagonista que se transforma em expert em Marketing na Rússia pós-comunismo, seria mais do que uma piada irônica? O líder da Revolução Bolchevique que abalou o mundo em 1917 teria sido o precursor da invasão da sociedade pelas marcas? Enquanto o capitalismo vivia a era da Publicidade como “a arte de vender a qualquer preço”, Lenin estaria na vanguarda da política como a “venda” da marca – o Marketing não trata mais de vender produtos ou serviços, mas da valorização do imaterial, do intangível. Da marca da foice e do martelo ao “M” do McDonald’s o Capitalismo levou algum tempo para entender isso. Se isso for verdade, teria existido uma linha de continuidade entre União Soviética e Sociedade de Consumo? A Guerra Fria teria sido na verdade um “Teaser” para aquecer o mercado de marcas?

Na coprodução Rússia/EUA chamada Branded (2012), filme sobre a trajetória do jovem russo Misha que se transforma em expert em Marketing e espião corporativo na Rússia pós-comunismo, a certa altura o protagonista formula uma polêmica tese: Lenin foi o inventor do marketing em 1918 ao criar uma forma absolutamente única de divulgar o Comunismo – ele teria feito o produto prometer algo: terra para os camponeses, fábricas para os trabalhadores e paz para os soldados.

“Lenin com o Comunismo prometeu felicidade. E isso é o Marketing! Os melhores designers... as marcas oficiais de cor... o vermelho, o logotipo com a estrela de cinco pontas. A super-marca. A KGB veio depois, como uma espécie de polícia da marca”, defende Misha ao contemplar os cartazes da estética realista socialista nas cores dominantes preto, branco e vermelho – sobre o filme Branded clique aqui.

terça-feira, novembro 11, 2014

"Quando Eu Era Vivo" mergulha na matriz edipiana do terror

Em um circuito dominado pelas comédias do Globo Filmes, é bem vinda a nova geração de cineastas brasileiros que se enveredam pelo gênero do terror. É o caso de Marco Dutra com produção recente “Quando Eu Era Vivo” (2014). Se no filme anterior “Trabalhar Cansa” (2011) a atmosfera de estranhamento e terror era construída dentro do drama social do trabalho precarizado da classe média, agora Dutra mergulha na matriz edipiana do gênero do terror: tensão e mal estar na relação pai, mãe e filho. Com ótima fotografia e design de áudio, um apartamento aos poucos se transforma em um casarão gótico mal assombrado por uma estranha energia que vem do passado e parece possuir aos poucos o protagonista. Novamente Marco Dutra traça um perfil psicológico da classe média: o apego a uma espécie de “superstição secundária” baseada no pastiche esotérico-religioso que tenta esconjurar a realidade de um fracasso conjugal. Filme sugerido pelo nosso leitor Mário.

O gênero terror é um ótimo objeto para as análises de psicanálise no cinema. Principalmente porque a sua matriz é essencialmente edipiana: dramas envolvendo culpa, incesto, a sedução da inocência, sexo culpado (sadomasoquista), a percepção corpo fragmentada do corpo pelo infante pré-formação do ego (daí o porquê do fascínio pelos corpos despedaçados, vísceras e sangue no cinema de terror) etc.

E, principalmente, o Mal e o Estranho como os nossos próprios impulsos aos quais deveremos renunciar na resolução do Édipo e na entrada ao mundo da Cultura. Os filmes de terror dramatizariam a nossa própria luta interna em ter que renunciar a Natureza (prazer, impulso, gratificação imediata) em nome da Cultura (renúncia e sublimação).

sábado, novembro 08, 2014

Física e Metafísica se encontram no filme "O Enigma do Horizonte"

“O Enigma do Horizonte” (Event Horizon, 1997) é uma ficção científica curiosa. Mal recebida pela crítica, a produção de Paul Anderson, que segue a linha de terror sci fi iniciada por “Alien” em 1979, junta alusões a clássicos como “Solaris” de Tarkovsky e “2001” de Kubrick. Mas por trás de camadas de explosões e clichês de terror espacial, há uma interessante combinação de física e metafísica, Cosmologia e Teosofia: um portal dimensional que curva o tempo-espaço não nos levará para novos mundos ou dimensões. Apenas revelará os nossos infernos íntimos, capazes de criar mundos etéricos que podem nos aprisionar. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

No livro Uma Breve História do Tempo, o físico Stephen Hawking define o “horizonte de eventos” como a região fronteiriça de um buraco negro, a fronteira da região do espaço-tempo a partir da qual não é possível escapar. E Hawking comenta: “Pode-se dizer sobre o horizonte de eventos a mesma coisa que o poeta Dante disse da entrada no Inferno: Vós que entrais aqui, abandone todas as esperanças”.

Esta frase foi o ponto de partida do roteiro do filme O Enigma do Horizonte do diretor Paul Anderson (Resident Evil, Alien versus Predador). Numa audaciosa combinação do filme Solaris (1972) de Andrei Tarkovsky com o terror de Clive Barker de Hellraiser (1987) e com muitas alusões visuais ao clássico 2001: Uma Odisséia no Espaço de Kubrick. Paul Anderson tentou se enveredar por um subgênero da ficção científica iniciado por Alien de Ridley Scott em 1979: o terror sci fi, típico subgênero pós-moderno que abandona o otimismo futurista da ficção científica para sugerir um destino sombrio do progresso tecnológico – lá no futuro o homem encontrará monstros, predadores e o horror.

quarta-feira, novembro 05, 2014

O ovo da serpente do PT e a concepção fascista de vida


A política econômica neodesenvolvimentista do PT resgatou o povo não das misérias do capitalismo moderno, mas das misérias herdadas do passado colonial-escravista da Casa Grande e Senzala. Por isso, a sociedade do consumo, a precarização do trabalho e a ideologia meritocrática chocaram o ovo da serpente cujos filhotes surgem agora, polarizando o cenário político. Esses filhotes vão reeditar a mesma psicogênese da chamada “personalidade autoritária” encontrada em pesquisas empíricas feitas pela Universidade de Bekerley, Califórnia, coordenadas pelo pesquisador alemão Theodor Adorno há 64 anos. Naquela oportunidade a pesquisa descobriu uma conexão entre o conservadorismo político e o “caráter neurótico” marcado por nove traços de personalidade como “convencionalismo”, “submissão acrítica”, “destruição” e “cinismo”. Em um contexto diferente, o Brasil estaria repetindo o mesmo cenário psicossocial daquela época, a concepção fascista de vida?

O que há em comum nessas três cenas abaixo?

(a) Um jovem profissional, imerso e confinado numa dessas baias dos modernos ambiente corporativos, alterna páginas do Facebook, pesquisas profissionais e consulta ao calendário buscando as datas dos próximos feriados e os dias que poderão ser “enforcados”. Um pequeno devaneio em meio à estressante ordem meritocrática em busca de desempenho, resultados e promoções;

(b) Manifestação pelo impeachment da presidenta Dilma na avenida Paulista em São Paulo na semana passada. “Não queremos o vermelho na nossa bandeira!”, bradam enfurecidos manifestantes trajando amarelo, muitos deles com a bandeira brasileira sobre os ombros. Pouco depois na mesma manifestação, agora gritam “São Paulo é o meu país!”… porem, há a cor vermelha na bandeira desse Estado…;

domingo, novembro 02, 2014

Em Observação: "Interstellar" (2014) - uma astrofísica gnóstica?

Com lançamento previsto para o dia 6 de novembro, em “Interstellar” o diretor Christopher Nolan retorna às complexidades narrativas que o tornaram famoso em filmes como “Amnésia” e “A Origem”. Viagem espacial se mistura com viagem no tempo e astrofísica com relatividade geral: astronautas viajam através de um “buraco de minhoca” (wormhole) para chegarem a um universo alternativo em busca de novos planetas habitáveis, conseguindo fugir da catástrofe climática terrestre. A construção da realidade como camadas de eventos que se influenciam mutuamente, apesar de ocorrerem em tempo-espaços diferentes, se conecta a princípios gnósticos da astronomia e alquimia da antiguidade – o Princípio da Correspondência.

sexta-feira, outubro 31, 2014

Em "Amantes Eternos" a melancolia dos vampiros denuncia a decadência dos vivos

Conhecido pelos seus protagonistas que vivem sempre à margem da sociedade, arrebatados pelo vazio existencial e, por isso, capazes de um olhar mais crítico e verdadeiro, o diretor Jim Jarmusch (“Estranhos no Paraíso”, “Down By Law”, “Dead Man”, “Flores Partidas”) agora acrescenta os vampiros a sua galeria de anti-heróis. Em “Amantes Eternos” (Only Lovers Left Alive, 2013) Jarmusch questiona como seria viver eternamente em um mundo de seres mortais. Como seres que atravessaram séculos por todas as cenas culturais, científicas e artísticas poderiam viver num mundo que parece ter esquecido de tudo que de mais importante a História ofereceu (como, por exemplo, o trágico destino das ideias do cientista Nikola Tesla), e vê no You Tube a sua única fonte de cultura e entretenimento. Ironicamente,  para os vampiros os mortais não passariam de “zumbis” – seres condenados pela morte a recomeçarem sempre do zero do esquecimento.

Parecia que o cinema já tinha mostrado tudo sobre os vampiros: seres da noite, mortos vivos, encarnação do próprio Mal, seres dotados de perigoso poder de sedução, amores platônicos entre vampiros e mortais, amaldiçoados com a imortalidade, doentes contagiosos etc. Mas faltava um diretor como Jim Jarmusch para trazer esse personagem para a sua galeria de anti-heróis underground, aqueles que vivem à margem da sociedade e que, por isso, são capazes de um olhar crítico para uma sociedade de resignados.

terça-feira, outubro 28, 2014

O humano, demasiado humano no filme "Relatos Selvagens"



O homem atual seria um Sísifo moderno? Assim como o personagem da mitologia grega, condenado a carregar eternamente uma enorme pedra ao topo da montanha, o homem estaria condenado a não encontrar Deus, sentido ou propósito na existência, a não ser encontrar a si próprio – o humano, demasiado humano. Esse é a desconcertante co-produção Argentina/Espanha “Relatos Selvagens”, seis curtos relatos de pessoas comuns diante de circunstância incomuns: situações extremas com muito humor negro (e bota negro nisso) onde acabam sendo despertados em cada um os instintos mais básicos de vingança e violência. Em falso tom de comédia, o diretor Damián Szifrón parece querer brincar com o espectador: afinal, estamos rindo do quê?

domingo, outubro 26, 2014

A grande mídia ameaça: meu ódio será a sua herança

Tal qual uma serpente, um muro cinza escuro serpenteia o Brasil dividindo o País do Acre ao litoral. É com essa sinistra animação que o infográfico do site da “Folha de São Paulo” chamado “Folhacóptero” explica o cenário eleitoral brasileiro, em um previsível silogismo cuja conclusão é a de que somente os pobres e ignorantes mantêm a candidata Dilma Rousseff na frente das pesquisas eleitorais. Divisão e Muro são as metáforas que a grande mídia sistematicamente vem utilizando para explicar o cenário político. Enquanto publicações estrangeiras como a “The Economist” usam infográficos mais neutros e elegantes para explicar as desigualdades históricas do Brasil, nossa grande mídia usa a imagem do muro, simbolicamente carregada de ódio e separatismo. A grande mídia sabe que vive o fim do seu poder político-financeiro e parece querer deixar para a História o ódio como a sua única herança.

Quem não se lembra do filme clássico do mestre da violência, Sam Peckimpah, Meu Ódio Será Sua Herança (The Wild Bunch, 1969)? Considerado o sexto melhor western de todos os tempos pela American Film Institute (AFI). O filme é um hino ao crepúsculo da era do Velho Oeste e da figura mítica do cowboy, com um general mexicano aparecendo em um carro vermelho no lugar do cavalo e metralhadoras e pistolas automáticas substituindo o tradicional revólver de seis tiros.

O mau presságio para os protagonistas do filme começa com a célebre cena quando entram em uma cidade e avistam um grupo de crianças que empurram dois escorpiões para um formigueiro para se divertirem com a imagem da violência no meio natural.

sábado, outubro 25, 2014

A "bala de prata" é sintoma do "tautismo" da revista Veja

Motivo de piadas e memes nas redes sociais, o verdadeiro remake do layout da capa de 2012 sobre a novela Avenida Brasil em mais uma “bala de prata” da revista “Veja” (matéria de capa sobre suposta denúncia de que Dilma e Lula sabiam de todos os esquemas na Petrobrás) é muito mais do que falta de criatividade ou preguiça de uma revista que definha financeiramente. É um sintoma do “tautismo” (tautologia + tautismo), fenômeno de fechamento da mídia em si mesma, a tal ponto que desaparecem as diferenças entre ficção e não-ficção, telenovela e notícia. A própria resposta dada pela “Veja” às críticas comfirma aquilo que pretende negar: através de um raciocínio tautológico diz que os acontecimentos são verdadeiros porque “teimosamente” têm relevância eleitoral... e por isso sempre acontecem na reta final das eleições!

O programa Redação Sport TV recebeu na semana passada o ex-presidente do Fluminense Francisco Horta. Famoso nos anos 1970 por ter montado a chamada “máquina tricolor” na base do “troca-troca” (intercâmbio ao invés de compra de jogadores), ele era entrevistado por André Rizek e Xico Sá. Para demonstrar a relevância do entrevistado, foram mostrados para os espectadores fac-símiles de edições do Jornal O Globo da época, com manchetes sobre o ex-dirigente.

Rizek, então, passou a fazer uma rápida contabilização do número de manchetes que o Fluminense gerava no jornal entre 1975-77. Para o jornalista, o sucesso da estratégia de Horta passou a ser discutido não pela sua contribuição para o futebol brasileiro, mas pela capacidade de Horta tinha em produzir manchetes para O Globo. Auto-referência: o jornal toma a si mesmo como medida para avaliação da realidade. O jornalista passou a confundir relevância midiática com relevância histórica.

sexta-feira, outubro 24, 2014

Em Observação: "Amantes Eternos" (2013) - por que os vampiros são melancólicos?

Profundos conhecedores de arte, literatura, música e cinema. Aristocráticos, vintages, sensíveis, e... melancólicos. Esses são os vampiros do diretor Jim Jarmusch em “Amantes Eternos” (Only Lovers Left Alive, 2013). Por que seres imortais e tão poderosos podem ser tão tristes e melancólicos? Esqueça os clichês de maldições, insaciabilidade por sangue e amores platônicos tão comuns nos vampiros para adolescentes da franquia “Crepúsculo”. Jarmusch recoloca o mito do vampiro na sua tradição romântica e literária. Mas tem algo mais: o toque gnóstico ao ver o vampiro como um ser privilegiado – ele jamais esquece, ao contrário dos mortais presos no ciclo vicioso morte-reencarnação-esquecimento.

quinta-feira, outubro 16, 2014

A simplicidade descolada, coxinhas 2.0 e o novo neoconservadorismo

Diga adeus a nomes de pratos requintados e ornamentais da culinária francesa, se despeça de bikes de alta performance, abandone esportes de elite. Agora prefira osso buco e rabada, bicicletas caloi 10 dos anos 1970 reformadas e peladas regadas a cervejas artesanais. O coxinha evoluiu para a sua versão “sustentável”: a simplicidade descolada. Eles são os novos tradicionalistas, uma simplicidade estudada e “descolada”, isto é, de grande valor agregado no mercado cultural. Sua psicografia é hoje explorada pelo marketing tanto político como de consumo – ele aspira à simplicidade, pureza e renovação, muito mais por atitudes do que por ações. Por isso, é campo fértil para crescer o neoconservadorismo: a aversão à Política como algo complicado e, por isso, suspeito e corrupto.

Assim como os Pokemons evoluem para se adaptar melhor às batalhas nos game cards, da mesma forma o chamado “coxinha” parece ter evoluído para fazer frente às críticas e rejeições que sempre marcaram a sua cena social: evoluiu para a “simplicidade descolada”, um novo tipo humano aparentemente mais “consciente”, antenado e sintonizado aos novos tempos mais politicamente corretos e sustentáveis.

Essa sua nova roupagem, esse verdadeiro coxinha 2.0 é o protagonista de uma série de programas da grande mídia e seguido por um séquito de fiéis jovens que se distribuem em inúmeras áreas onde exibem seus requintados gostos pela “simplicidade”: gastronomia, bebidas, futebol, bicicletas, moda etc.

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