domingo, dezembro 07, 2014

Filme "O Efeito Ilha": "Show de Truman" plagiou filme brasileiro?

Em um tom quase profético, o filme brasileiro “O Efeito Ilha” (1994) de Luís Alberto Pereira antecipou toda a onda posterior dos reality shows na TV. Quatro anos depois o filme “Show de Truman” retomaria o tema da invasão de privacidade como show, levando Pereira a declarar que Peter Weil teria “chupado” sua ideia. Posteriormente o filme “O Efeito Ilha” seria lançado em VHS como “The Man In The Box” – um técnico de TV é vítima de um estranho fenômeno eletromagnético através do qual sua vida passa a ser transmitida ao vivo em todos os canais de TV. “O Efeito Ilha” captou o espírito do seu tempo (naquele momento o Projeto científico Biosfera 2 e o “Real World” da MTV eram os embriões de um novo gênero televisivo). Por que, ao contrário dos EUA, o cinema brasileiro não continuou explorando esse tema, relegando o filme “O Efeito Ilha” ao esquecimento?
 

Luís Alberto Pereira foi quase profético. Egresso da primeira geração da Escola de Comunicação e Artes da USP, cineasta, ator e diretor, com o filme O Efeito Ilha (1994) Pereira antecipou em alguns anos no cinema o tema das consequências exposição midiática da vida privada, embora já estivesse naquele momento acontecendo o que seria o embrião de toda a onda posterior dos reality shows.

Em 1991 oito pesquisadores entraram numa gigantesca estrutura geodésica em Tucson, Arizona (EUA), para ficarem trancafiados por dois anos. Era o Projeto Biosfera 2, com o propósito de entender como a biosfera planetária funciona e como o ser humano interage com os ecossistemas. Foram monitorados por dois mil sensores eletrônicos e assistidos por 600 mil pagantes em todo mundo – sobre isso clique aqui.


               Em 1992 a MTV norte-americana lançava o The Real Word (Na Real) onde sete jovens tinham suas vidas acompanhadas por diversas câmeras em Nova York, o que para muitos foi o primeiro reality show da história da TV.

Só quatro anos depois, filmes como Show de Truman e EdTV seriam os pioneiros de uma leva de filmes sobre o tema, para um ano depois surgir na TV mundial o reality show Big Brother. Segundo seu criador, o holandês John de Mol, o programa fora inspirado no experimento científico Biosfera 2.

O Filme


O filme O Efeito Ilha é para ser redescoberto. Feito numa década marcada pelo fim da Embrafilme e do chamado cinema da Retomada, o filme de Luís Alberto Pereira combina humor com Fantástico para narrar as desventuras do protagonista João William (interpretado pelo próprio diretor) que sofre uma forte descarga elétrica ao fazer a manutenção da antena de uma grande rede de TV, juntamente com o engenheiro eletrônico Armando (Antonio Calloni).


Após a descarga elétrica provocada pela queda de um raio em noite de forte tempestade, João William perde os sentidos para, depois de acordar, se ver prisioneiro de um insólito fenômeno: sua vida passa a ser transmitida 24 horas por dia pela TV. Para o desespero dos telespectadores que, em plena Copa do Mundo de Futebol, não conseguirão acompanhar os jogos da seleção: simultaneamente todos canais passam a transmitir os detalhes indiscretos do dia-a-dia da vida do protagonista por meio de alguma câmera  oculta onisciente e onipresente.


Na época, o filme passou despercebido, até Rubens Ewald Filho avisar Pereira de que estava sendo produzido um filme com a mesma temática nos EUA: era Show de Truman, de Peter Weir. “A ideia [do filme Efeito Ilha] foi chupada pela produção norte-americana. Consultei advogados que me disseram que iria gastar muita grana. Acabei relançando o filme no mercado de vídeo, aproveitando o rastro de The Truman Show. Fez sucesso nas prateleiras com o nome ‘The Man in the Box’” - Folha de São Paulo, 17/03/2000.

O Efeito Ilha e Show de Truman


De fato, os dois filmes partem da mesma premissa de protagonistas que involuntariamente se tornam vítimas do olhar indiscreto de milhões de telespectadores: João William e o misterioso fenômeno motivado por “um buraco eletromagnético sobre o Atlântico Sul” e Truman que aos poucos desconfia de que toda a sua vida nada mais fora do que a produção de um gigantesco reality show. Os dois filmes exploram a solidão de protagonistas que se tornam o centro das atenções de milhões – daí o título do filme de Pereira, em referência ao isolamento e solidão. Mas as semelhanças param aí.


As motivações religiosas ou metafísicas são invertidas nos dois filmes: numa experiência pós-morte após o raio, João William recebe a mensagem de anjos de que ele seria incumbido de uma importante missão na Terra – denunciar a alienação provocada pela TV; e em Truman Show, o diretor do reality show acredita que Truman não é um prisioneiro, mas alguém que inspirará milhões de telespectadores em todo o planeta.


Diferente de Show de Truman onde Weir foca no tema gnóstico do homem prisioneiro em um mundo de simulações tecnológicas, em O Efeito Ilha, Pereira vai mais além: faz uma série de analogias e simbolismos das deformações provocadas culturais em um país como o Brasil dominado pela hegemonia da televisão.

As desventuras de João William começam quando milhões de telespectadores flagram ele beijando uma amante no estacionamento da rede de TV. Esposa e filha o abandonam, fazendo William seguir solitariamente sua jornada de assédios da imprensa, fãs, inimigos mortais e um inescrupuloso publicitário (dono da “Escória Publicidade Associados”) com pinta de chefão da máfia siciliana (Tom Amareto, interpretado por Perry Salles) e que quer para si o monopólio das verbas de publicidade nacional.

Pereira parece transformar o fenômeno misterioso de um involuntário reality show transmitido por todos os canais em uma referencia às décadas de monopólio midiático que marca a TV brasileira com a Rede Globo.

A certa altura, o filme faz uma explícita alusão às relações promíscuas entre agências de publicidade e o monopólio televisivo quando o fenômeno da estranha interferência em todos os canais coloca em risco a sobrevivência das próprias agências – “o que vamos fazer... dependemos da TV para sobrevivermos!”, alerta Tom Amareto. Não há como deixar de lembrarmos da figura do chamado BV (Bônus por Volume), famoso “incentivo” das comissões repassadas da TV Globo para agências de publicidade que variam de acordo com o volume de propaganda negociado.

Sob conselhos de Flávia Chip (Denise Fraga), Tom Amareto decide reverter o jogo a seu favor: faz João William assinar um contrato de exclusividade publicitária com a Escória Associados e transforma o reality show involuntário em uma sucessão infinita de merchandisings.

O Efeito Ilha e a Dissonância cognitiva



O “efeito ilha” que ocupa todos os canais acaba provocando um efeito interessante de dissonância cognitiva nos espectadores: em plena Copa do Mundo e irritadas com a impossibilidade de assistirem ao jogos na TV, as pessoas descobrem que existem outras mídias – o rádio, por exemplo. Mais do que isso, aos poucos vão retomando as relações pessoais e descobrem como a televisão na verdade produzia isolamento.

Assistindo ao filme O Efeito Ilha ficamos com uma questão em mente: por que, ao contrário do cinema norte-americano, no Brasil esse tema foi tão pouco explorado? É incrível como num país onde a televisão se tornou um veículo onipresente na vida cotidiana (ao ponto de, como apontam alguns estudos, as telenovelas terem se tornado um importante fator na queda da taxa de natalidade - leia MATTELART, Michélle e Armand. O Carnaval das Imagens, São Paulo: Brasiliense) esse tema não tenha tido desdobramentos em outras produções cinematográficas, como nos EUA onde Show de Truman e EdTV iniciaram um filão temático – Jogos Mortais (2012), Slashers (2001), My Little Eye (2002), The Contenders (2001), Wrong Turn 2: Dead End (2007), Showtime (2002), The Real Cancun (2003), Strange Wilderness (2008) etc.


Talvez a visão tão ácida sobre a televisão que a indústria cinematográfica norte-americana desenvolve seja explicada pela sua independência econômica. Ao contrário do Brasil, nos EUA a chamada Shermann Act (lei anti-truste) forçou a produção dos produtos culturais se dissociar da difusão. Assim como os grandes estúdios hollywoodianos tiveram que separar a produção, difusão e exibição, da mesma forma as redes de TV tiveram que economicamente ficarem restritas ao papel de difusão. Isso permitiu a sobrevivência da indústria cinematográfica ao impedir que as grandes redes televisivas concentrassem em si as funções de produção e difusão.


Ao contrário, no Brasil o monopólio da TV Globo se baseia na violenta concentração de produção/difusão, mantendo todas as outras mídias em segundo plano. Por exemplo, a cidade cenográfica nos moldes hollywoodianos que a Globo construiu em Jacarepaguá no Rio de Janeiro é o reflexo da concentração das verbas do mercado publicitário graças ao BV.

Nesse contexto, o cinema brasileiro pós Embrafilme subsiste sob a sombra da telinha global, com o monopólio da Globo Filmes e da estética televisiva que influência as produções fílmicas comerciais com atores e diretores egressos da TV Globo ou do mercado de vídeo publicitário.

Essas condições econômicas bem objetivas explicam porque filmes como O Efeito Ilha acabaram esquecidos ao longo da história do cinema brasileiro.





Ficha Técnica

Título: O Efeito Ilha
Diretor: Luís Alberto Pereira
Roteiro: Luís Alberto Pereira
Elenco: Elias Andreato, Antonio Calloni, Denise Fraga, Luís Alberto Pereira, Perry Salles, José Rubens Chachá, Lígia Cortez
Produção: Lapfilmes
Distribuição: Beta Entertainment (VHS)
Ano: 1994
País: Brasil

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