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quinta-feira, fevereiro 04, 2016
Curta da Semana: "O Sanduíche" - e no final do abismo tinha um sanduíche
quinta-feira, fevereiro 04, 2016
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Brilhante jogo de “narrativa em abismo” (um filme
dentro de outro filme e dentro de outro filme e assim por diante), o curta “O
Sanduíche” (2000) do brasileiro Jorge Furtado quer trazer o espectador dos
simulacros da tela para a realidade de um set cinematográfico – o que um
espectador acostumado a ver os filmes prontos na sala do cinema acharia de ver
ao vivo o filme sendo produzido no próprio set de filmagem? É o que Furtado
propõe: cair em um abismo narrativo até encontrar no final um prosaico sanduíche. Curta sugerido pelo leitor Rafael Mori.
Jorge Furtado é sem dúvida o cineasta brasileiro que mais profundamente
explorou a linguagem do formato curta-metragem. Ilha da Flores (1989) é o curta mais lembrado do cineasta e o mais
visto na história do cinema brasileiro – considerado pela crítica europeia um
dos 100 curtas mais importantes do século passado.
terça-feira, dezembro 22, 2015
Pôsteres de "Central do Brasil" e "Que Horas Ela Volta?": coincidência ou sincronicidade?
terça-feira, dezembro 22, 2015
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Uma incrível semelhança entre os pôsteres promocionais dos filmes
brasileiros “Central do Brasil” (1998) de Walter Salles e “Que Horas Ela Volta?”
(2015) de Anna Muylaert. O “Cinegnose” não acredita em coincidências, mas em
sincronicidades: os dois filmes são apontados como obras-símbolos de duas eras:
o primeiro filme, a era FHC; o segundo, a era Lula. Por que os dois pôsteres
recorrem à mesma composição imagética? Há algo que os une, mesmo com um
intervalo de 17 anos: como filmes-símbolos de cada época, representam
iconicamente passado versus futuro; novo versus velho. Além de cada um desses
filmes expressarem as condições pelas quais foram produzidos: em 1998 uma
co-produção Brasil/França e em 2015 uma produção Globo Filmes.
Podemos considerar
o filme um documento primário de uma época. Através de imagens e movimento
expressam o imaginário e sensibilidade de cada época. E também as condições de
produção através das quais foi realizado.
domingo, novembro 08, 2015
Curta da Semana: "Os Filmes Que Não Fiz" - o fascínio pelos perdedores
domingo, novembro 08, 2015
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O Curta da Semana dessa vez vai para uma produção brasileira: “Os Filmes
Que Não Fiz” (2008). A irônica filmografia de um diretor sem filmes. Se a
História é contada somente pelos vitoriosos para pisar na cara daqueles que
perderam, esse curta propõe o avesso: onde estão aqueles que apesar da
persistência, esperança e empenho acabaram perdendo e caindo no anonimato?
Cegos que somos pelos “cases” de sucesso, jamais conheceremos as histórias
humanas dos “losers”. Um curta ao mesmo tempo cômico e ácido sobre a realidade
do cinema nacional que não consegue transformar-se em indústria.
terça-feira, setembro 29, 2015
"Que Horas Ela Volta?" exibe luta de classes padrão exportação da Globo Filmes
terça-feira, setembro 29, 2015
Wilson Roberto Vieira Ferreira
No Brasil, a crítica especializada sobre o filme “Que Horas Ela Volta?” fala
em “crítica social contundente” e “olhar crítico à sociedade”. No Exterior as
análises são mais matizadas:
“contradição entre novela e crítica social” e “mix de drama como elementos para
agradar um grande público”. Um filme como “Que Horas Ela Volta?” é impossível
de ser pensado dentro de uma tradicional análise de conteúdo. Ao contrário,
deve ser analisado pelos seus aspectos de produção: de como um conteúdo
potencialmente transgressor ou crítico pode ser diluído por meio do chamado
“padrão globo de qualidade”- a maneira como joga com elementos cênicos,
interpretativos e recursos técnicos como enquadramentos de câmera, timing, cor
etc. E principalmente a contradição entre a sutileza que a diretora Anna Muylaert quis dar à narrativa e o “novelismo” imposto pela Globo Filmes para criar uma espécie de filme sobre
luta de classes padrão exportação.
“Não tenho
empregada porque não quero levar a luta de classes para dentro da minha casa”,
disse certa vez a filósofa da USP Marilena Chauí. A permanência das relações
escravista entre a Casa Grande e a Senzala na sociedade urbana com seus
quartinhos de empregada e elevadores de serviço sempre foi um tema das
esquerdas – a sociedade brasileira que, sob a fachada da cordialidade e
miscigenações raciais, esconderia a realidade da luta de classes.
Poderíamos considerar a co-produção da Globo Filmes em Que Horas Ela Volta? (com a global Regina Casé encarnando uma empregada doméstica dominada por relações invisíveis de segregação) uma
surpreendente adesão da Globo a uma pauta politicamente de esquerda ou, no
mínimo, progressista?
sábado, setembro 26, 2015
Muito além da exploração da fé no documentário "O Capital da Fé"
sábado, setembro 26, 2015
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Pastores retirando sacos de dinheiro dos templos ou maquininhas de
cartão de crédito passando pelos fiéis nos cultos tornaram-se imagens habituais
nas críticas às novas igrejas neopentecostais. Mas o documentário “O Capital da
Fé” (Gabriel Santos e Renan Silbar, 2013) vai muito além disso, ao mostrar que,
paradoxalmente, essas críticas alimentam um mito que apenas dá força a um
gigantesco negócio que está sendo montado:
capital e fé unidos não apenas pela exploração da fé de pessoas simples,
mas pela financeirização e liquidez que lava tão branco quanto paraísos fiscais
e que constrói lentamente uma forte sustentação política parlamentar que quer
chegar ao Poder. As novas igrejas há muito tempo abandonaram o clichê do Tio
Patinhas. Hoje estão confortáveis no mundo pós-moderno da liquidez.
Ao som da ópera
Carmina Burana, e com cortes ao ritmo da música, assistimos a um verdadeiro
vídeo clipe de socos, chutes, sangue e fraturas dos combates do MMA de Jesus –
um evento chamado Reborn Strike Fight 5 promovido pela Igreja Renascer.
Lutadores clamam em nome de Cristo pela vitória.
Essas são as cenas
iniciais de O Capital da Fé,
documentário de curta metragem que aborda a nova Igreja Evangélica brasileira,
suas contradições, a espetacularização da fé com inusitadas cristianizações de
coisas como micaretas e esportes de luta, assim como as ambições políticas de
seus dirigentes - assista ao documentário abaixo.
sexta-feira, maio 01, 2015
"Tropa de Elite" e "Guerra ao Terror": o São Jorge do BOPE e um Dragão que nunca existiu, por Claudio Siqueira
sexta-feira, maio 01, 2015
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O
que há em comum entre os EUA, com seu exército que massacra o Oriente Médio sob
o pretexto de “Guerra ao Terror” e o BOPE ocupando as favelas cariocas? Além de
serem endossados pela mídia em reportagens tendenciosas e filmes como “Tropa de
Elite” e “Guerra ao Terror”, ao mesmo tempo está presente, nas formas mais sutis, o arquétipo de São Jorge e o Dragão.
Desde o “Livro dos Mortos” egípcio, passando pela propaganda do império Romano
até chegar na indústria do entretenimento atual dos filmes e HQs (Superman,
Ultraman, Batman etc.), todos têm no ícone do “São Jorge, O Santo Guerreiro” a
reedição por séculos de um poderoso arquétipo. Todos caçando monstros que só
existem em sonhos.
* Claudio Siqueira é Estudante de Jornalismo, escritor, poeta, pesquisador de Etimologia, Astrologia e Religião Comparada. Considera os personagens de quadrinhos, games e cartoons como os panteões atuais; ou ao menos arquétipos repaginados.
* Claudio Siqueira é Estudante de Jornalismo, escritor, poeta, pesquisador de Etimologia, Astrologia e Religião Comparada. Considera os personagens de quadrinhos, games e cartoons como os panteões atuais; ou ao menos arquétipos repaginados.
Em Guerra ao Terror, filme
vencedor de seis prêmios, Kathryn Bigelow fez o caminho inverso ao de James
Cameron com seu Avatar, que mostra a
vitória do oprimido; da favela, do Oriente Médio, do povo nativo contra o
invasor. Não por acaso, ganhou apenas três.
Mas nada se compara ao filme Tropa
de Elite. Por mais irônico que pareça, foi um sucesso por parte dos
guerrilheiros urbanos citados no início deste ensaio. A continuação, Tropa de Elite 2, foi a maior bilheteria
da história do cinema nacional, tendo sido o único a superar a marca de dez
milhões de espectadores desde 1976, feito atingido por Dona Flor e Seus Dois Maridos.
quarta-feira, dezembro 10, 2014
Série "Além da Imaginação" e a sensibilidade gnóstica atual
quarta-feira, dezembro 10, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A comparação do episódio “Special Service”
da terceira temporada da série de TV “Além da Imaginação” (1988-89) com o filme “Show
de Truman” (1998) revela didaticamente com a sensibilidade gnóstica atual está por trás de adaptações dos clássicos da TV e do
cinema. O episódio de 1988 inspirou
Andrew Niccol a escrever o roteiro de “Show de Truman”: enquanto no
episódio original vemos uma típica ficção científica orwelliana onde a paranoia
e conspirações dominam o protagonista, na adaptação de Niccol vemos esses
mesmos elementos transmutados em drama e sátira social. Mas Niccol colocou algo
mais: a suspeita de que o reality show não seja apenas televisivo, mas cósmico.
A
postagem anterior sobre o filme brasileiro O
Efeito Ilha (1994) e a possibilidade sugerida pelo diretor Luís Alberto
Pereira de que Peter Weir teria “chupado” a ideia do filme para construir o
roteiro de Show de Truman (Truman Show, 1998), provocou polêmica
aqui no blog – clique
aqui.
Como vimos, essa suspeita não procede, já que
o tema do controle da privacidade que é transformado em show pela mídia são
tratados de forma invertida: em O Efeito
Ilha, a transmissão televisiva involuntária da vida do protagonista é
tratada como “dissonância cognitiva, isto é, elemento dissonante que faz os
espectadores tomarem consciência da TV como instrumento de alienação; enquanto
em Show de Truman, a vida do
protagonista é transformada em um autêntico reality show, como instrumento de
alienação para as massas.
domingo, dezembro 07, 2014
Filme "O Efeito Ilha": "Show de Truman" plagiou filme brasileiro?
domingo, dezembro 07, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Em um tom quase profético, o filme brasileiro “O Efeito Ilha”
(1994) de Luís Alberto Pereira antecipou toda a onda posterior dos reality
shows na TV. Quatro anos depois o filme “Show de Truman” retomaria o tema da
invasão de privacidade como show, levando Pereira a declarar que Peter Weil
teria “chupado” sua ideia. Posteriormente o filme “O Efeito Ilha” seria lançado
em VHS como “The Man In The Box” – um técnico de TV é vítima de um estranho
fenômeno eletromagnético através do qual sua vida passa a ser transmitida ao vivo em todos os
canais de TV. “O Efeito Ilha” captou o espírito do seu tempo (naquele momento o Projeto científico Biosfera 2 e o “Real World” da MTV eram os embriões de um novo gênero televisivo). Por que, ao contrário dos EUA, o cinema
brasileiro não continuou explorando esse tema, relegando o filme “O Efeito
Ilha” ao esquecimento?
sábado, novembro 22, 2014
Da caridade ao cinismo do marketing social em "Quanto Vale ou é por Quilo?"
sábado, novembro 22, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Desde a ideia do amor ao próximo transmitida por Jesus, a
tragédia transformou-se em farsa: a caridade transformou-se em filantropia
para, nos tempos cínicos atuais, finalmente se converter em marketing social.
Esse é o tema do filme de Sérgio Bianchi “Quanto Vale ou é por Quilo?” (2005).
Inspirando-se num conto de Machado de Assis e em processos judiciais do século
XVIII disponíveis no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Bianchi faz de uma
narrativa que mistura sarcasmo e drama um flagrante de como a “escravidão
moderna” perpetua as formas coloniais de dominação através do chamado Terceiro
Setor com suas ONGs. Partindo do mito da exclusão e marginalidade, o marketing
social esquece de que a miséria já está há muito tempo integrada: como oportunidade
de lucro, lavagem de dinheiro e formas irregulares de captação de dinheiro público.
Misericórdia,
compaixão, amor ao próximo e o perdão foram os valores civilizatórios trazidos
pela ética e moralidade cristã. As epístolas do Novo Testamento descrevem como
Jesus queria que o ódio e a indiferença fossem substituídos pelos “amar o
próximo como a si mesmo”, forma de Deus permanecer em nós.
Depois disso, a caridade
passou a ser considerada obra piedosa onde o autor abdicaria de toda a sua
vaidade. O anonimato é o valor máximo por ser o ato da caridade uma descoberta
íntima de Deus. As hospedarias para peregrinos de Santo Agostinho e o hospital
para vítimas da fome e epidemia em Constantinopla de São João Crisóstomo na
Idade Média foram exemplos do ascetismo como impulso voltado para o interior de
si mesmo.
Tudo muda em meados do
século XVIII quando a caridade se transforma em filantropia, entendida como a
caridade cristã laicizada: “fazer o bem” deixa de ser uma virtude cristã para
ser uma virtude social.
terça-feira, novembro 11, 2014
"Quando Eu Era Vivo" mergulha na matriz edipiana do terror
terça-feira, novembro 11, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O gênero
terror é um ótimo objeto para as análises de psicanálise no cinema.
Principalmente porque a sua matriz é essencialmente edipiana: dramas envolvendo
culpa, incesto, a sedução da inocência, sexo culpado (sadomasoquista), a
percepção corpo fragmentada do corpo pelo infante pré-formação do ego (daí o porquê
do fascínio pelos corpos despedaçados, vísceras e sangue no cinema de terror)
etc.
E,
principalmente, o Mal e o Estranho como os nossos próprios impulsos aos quais
deveremos renunciar na resolução do Édipo e na entrada ao mundo da Cultura. Os
filmes de terror dramatizariam a nossa própria luta interna em ter que
renunciar a Natureza (prazer, impulso, gratificação imediata) em nome da
Cultura (renúncia e sublimação).
sábado, outubro 11, 2014
"Jogo de Cena" embaralha cartas da ficção e do real
sábado, outubro 11, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Câmeras
de vigilância, celulares através dos quais performamos constantes selfies,
telas de computador, de TVs e de cinema, imagens dos indivíduos captas pelas
câmeras de vitrines nos shoppings e exibidas para os próprios consumidores etc.
Estamos cercados de dispositivos visuais que acabaram criando uma espécie de
saber inconsciente audiovisual: criamos nossas próprias auto-mis-en-scènes.
Sabemos criar personas através do cinema e fotografia, de tal maneira que
ficção e História, ilusão e realismo acabaram se fundindo na modernidade. Esse é o tema latente no
documentário “Jogo de Cena”(2007) de Eduardo Coutinho: anônimos contam suas
histórias, enquanto atores tentam reencenar essas narrativas anônimas. Quem é
ator e quem é anônimo, quem é profissional e quem é amador diante da câmera?
Esse é o vertiginoso jogo proposto por Eduardo Coutinho.
Na banalidade do cotidiano
estão os rastros da verdade. Esta parece que foi a grande revolução estética
trazida pela modernidade, desde que Vitor Hugo escreveu que uma sociedade se
conhece através do seu esgoto, ou quando Marcel Proust descobre as memórias
involuntárias em cheiros, flagrâncias e sons do dia-a-dia na sua obra-prima Em Busca do Tempo Perdido.
Graças a essa revolução na
sensibilidade moderna, desviamos nossa atenção artística das grandes narrativas
dos gêneros tradicionais (tragédia, comédia, drama etc.) com seus temas
elevados sobre heróis, nobres ou pícaros, para a vida dos esquecidos nas
multidões. A fórmula foi invertida: o anônimo tornou-se o objeto artístico e o
seu registro através da fotografia e o cinema como as novas obras de arte.
Por isso, o documentário Jogo de Cena de Eduardo Coutinho se
inscreve nessa tradição modernista da linha de Dziga Vertov e seu filme O Homem da Câmera de 1929 ou Berlin –
Sinfonia de uma Metrópole (1927) de Walther Huttmann: trazer para a cena
artísticas as massas e os anônimos.
terça-feira, outubro 07, 2014
Sociedade de Consumo e o ovo da serpente do PT
terça-feira, outubro 07, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Qual o significado de uma comédia brasileira chamada “O Candidato Honesto” (sobre um candidato à
presidência popular, corrupto e mentiroso) ser lançada nos cinemas em plena
reta final das eleições? Mais do que senso de oportunismo mercadológico, a
produção surfa na onda da aversão popular à Política e o fenômeno da
despolitização. A inclusão de grande parte dos brasileiros na sociedade de
consumo implementada pelo neodesenvolvimentismo dos governos do PT parece
mandar a conta: chocou o ovo da serpente que agora arma o bote. Sem educação
política, a sociedade de consumo brasileira produz os efeitos ideológicos do
próprio consumismo verificados desde o pós-guerra – ideologia meritocrática,
ilusão de mobilidade social por meio do consumo de gadgets e aparatos
tecnológicos, a competitividade e o
ressentimento. Combustíveis para o discurso midiático da corrupção que ironicamente só
cola no PT.
O cinema tem uma longa
tradição de representar os políticos (assim como os jornalistas) como
personagens corruptos, que abusam da autoridade e sempre metidos em narrativas
conspiratórias de negociações obscuras ou figurados como fantoches de
interesses inconfessáveis.
A comédia brasileira O Candidato Honesto, de Roberto
Santucci, é o último exemplo desse clichê cinematográfico. Pelo oportunismo de
ser lançado em plena reta final da campanha eleitoral, o filme se reveste de
significado político inegável – o reforço de um sentimento anti-política alimentado pela oposição ao Governo Federal como arma de
impedir a reeleição de Dilma Rouseff.
quinta-feira, março 20, 2014
Documentário "O Abraço Corporativo": o jornalismo está nu
quinta-feira, março 20, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Uma das maiores
barrigas da grande mídia passou despercebida para o grande público e na época
sua repercussão acabou restrita a veículos especializados em jornalismo e
revistas acadêmicas. O documentário “O Abraço Corporativo” (2009) do jornalista
Ricardo Kauffman descreve o passo a passo da criação de uma “pegadinha” sobre
um suposto executivo de Recursos Humanos que estaria introduzindo no Brasil uma
revolucionária terapia motivacional baseada nos poderes curativos de um simples
abraço. Explorando os vícios de uma imprensa baseada no jornalismo declaratório
que está sempre em busca de bons personagens, o suposto representante da
chamada “Confraria Britânica do Abraço Corporativo” expôs as mazelas de um
jornalismo onde a ambição de ascensão na carreira de jornalistas está na
relação direta com a sua precarização profissional.
O filósofo Louis
Althusser dizia que ideologia é quando as respostas precedem as questões. Se
isso for verdade, então a prática jornalística se tornou a maior indústria de
produção ideológica, mais perigosa que o entretenimento porque opera sob a
chancela da informação e da realidade. Raramente o jornalista “descobre”. Na
maioria dos casos ele sempre encontra o que procura: tenta confirmar uma ideia,
uma hipótese ou, então, encaixar acontecimentos a um certo script que já tem em mente.
E para mostrar que
não está enganado, a melhor forma é produzindo um personagem por meio de uma
calculada busca de “desconhecidos”. Seus rostos na tela podem ser
desconhecidos, mas seus personagens são familiares. Um atentado? Procure um
bombeiro heroico e uma pessoa que por um lapso do destino não estava no local
da explosão porque acordou naquela manhã cinco minutos mais tarde. Uma manifestação?
Procure o líder (mesmo que ele não exista) ou aquele manifestante que saiu às
ruas pela primeira vez. Greve de ônibus? Procure uma mulher simples e ofegante,
desesperada porque seu patrão pode despedi-la caso não chegue ao trabalho.
sexta-feira, março 14, 2014
Videocassete, controle remoto e as oportunidades perdidas
sexta-feira, março 14, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O DVD passou e já
estamos na geração do Blu-Ray. Mas parece que no Brasil ninguém entendeu as
potencialidades de antigos dispositivos tecnológicos como o controle remoto e o
finado videocassete. As promessas do controle remoto de “se livrar de
comerciais chatos” graças à “magia negra da eletrônica”, como era divulgado o
novo dispositivo na década de 1950, se equivalem às perspectivas de que o
videocassete era a “libertação do vídeo” e que transformaria o espectador no “senhor
da TV” na década de 1980. Muitas teorias conspiratórias sustentam que foi muito
conveniente para o monopólio televisivo da Rede Globo que tais inventos não
fossem compreendidos na sua plenitude pelo telespectador. Com a possibilidade de gravações programadas que o videocassete oferecia, certamente
a grade de programação da Globo (introjetada tão profundamente no psiquismo do
brasileiro que foi capaz de diminuir a taxa de natalidade) certamente sofreria
grande impacto. Mas essa oportunidade foi perdida.
O ano era 1972.
Após o sucesso editorial do Manual do
Escoteiro Mirim (publicação infantil inspirada na atividade do escotismo dos
sobrinhos do pato Donald, Huguinho, Zezinho e Luizinho), a editora lançava o Manual do Professor Pardal no qual eram
contadas as histórias de muitas invenções, sempre ilustradas pela presença do
simpático personagem da galeria Disney.
Folheando as coloridas páginas com várias
curiosidades do mundo dos inventores e invenções, a certa altura deparamo-nos com
um pequeno texto sobre o videocassete, até então uma invenção recente da Sony e
introduzida no mercado norte-americano um ano antes. O texto sobre o novo
dispositivo tecnológico tinha um tom futurista e revolucionário que prometia
mudar a televisão tal como até então se conhecia:
sábado, fevereiro 22, 2014
A miséria da estética e da linguagem do trabalhador precarizado
sábado, fevereiro 22, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
No passado era o
proletariado, os explorados e os excluídos. Hoje temos os precarizados:
trabalhadores terceirizados, estagiários, temporários e todo um conjunto de
profissionais treinados espontaneamente para suas funções através da
manipulação de ícones em telas de celulares e mensageiros instantâneos usados no dia-a-dia, desde o velho ICQ até o atual Skype. Participantes incautos de uma ordem que foi secretamente gestada no interior de gigantescos prédios espelhados, com o apoio de uma estética e linguagem igualmente
precarizadas criadas por planilhas eletrônicas e elegantes gráficos e tabelas
projetadas em reuniões onde orgulhosos gestores professam discursos que
misturam efeitos de ciência, religião, misticismo e fenômenos da natureza.
“Aquele que é duro consigo mesmo também é com os demais” (Theodor
Adorno)
No início foi o gerundismo dos telemarketings e SACs de empresas que
invadiu a fala cotidiana. Ao mesmo tempo, imensos prédios corporativos em concreto
e vidros espelhados tomavam a paisagem urbana como fossem bunkers isolados do
contato com o mundo exterior por meio de seguranças privados e sistemas
centrais de climatização.
E no interior desses prédios foi secretamente gestada uma nova ordem
estética e linguística para dar sentido imaginário a um novo tipo de organização
de trabalho: a precarização – trabalhadores terceirizados, temporários, por
tempo parcial, estagiários, trabalhadores da “economia subterrânea” etc.
domingo, fevereiro 02, 2014
Filme "Trabalhar Cansa" disseca as superstições da classe média
domingo, fevereiro 02, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O filme brasileiro “Trabalhar Cansa”
(2011) a princípio confunde o espectador: É terror? Drama social? Realismo
fantástico? A sensação de estranhamento a que são submetidos tanto espectadores
quanto os protagonistas Otávio e Helena ajuda formar um tragicômico quadro dos
pesadelos das classes médias. Ele, um homem de meia idade desempregado enquanto ela se
apega ao ideário do empreendedorismo abrindo um pequeno mercado de bairro.
De um lado Otávio se submete ao irracionalismo da religião autoajuda para
suportar a realidade da precarização do trabalho; e do outro, Helena tenta
compreender fenômenos supostamente sobrenaturais no seu mercadinho onde ao mesmo tempo crescem
tensões trabalhistas. Dois instantâneos de uma classe social ao mesmo tempo
agarrada no racionalismo da meritocracia e na irracionalidade da autoajuda,
magia e astrologia. Na verdade, os dois lados de uma mesma moeda.
Na
sua pesquisa sobre a coluna de astrologia do jornal Los Angeles Times em 1952, o pensador Theodor Adorno (principal
membro da chamada Escola de Frankfurt) chegou à conclusão de que as previsões
que as estrelas faziam para cada signo do zodíaco nada tinham a ver com o
Oculto. Para Adorno, a astrologia de massas se tratava de uma “superstição
secundária”: o oculto deixa de ser “o estranho” para se tornar
institucionalizado, objetivado e amplamente socializado – Leia ADORNO, Theodor. As Estrelas Descem à Terra, São Paulo:
Editora Unesp, 2007.
Mais
ainda: a busca da felicidade por meio da “supertição secundária” não seria uma
irracionalidade que operaria numa esfera exterior à Razão – ilusão,
viciosidade, dependência emocional etc. Pelo contrário, ela resultaria dos
próprios processos racionais do cotidiano das pessoas: o trabalho, competição,
ascensão social, busca pelo mérito, sobrevivência material e sucesso financeiro.
quinta-feira, novembro 28, 2013
Portal Inovação aponta editor do blog como referência nacional em Cinema e Gnosticismo
quinta-feira, novembro 28, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Aos poucos as discussões sobre Gnosticismo e Cinema vão ocupando seu
espaço e relevância no campo acadêmico, revistas científicas e de divulgação cultural. Uma evidência disso é a
notícia de que esse humilde blogueiro foi apontado como a primeira referência nacional
no tema Cinema e Gnosticismo na lista por competências elaborada pelo Portal Inovação do Ministério
de Ciência e Tecnologia do Brasil. Está de parabéns o blog e a contribuição dos
leitores com sugestões e críticas.
Às vésperas da comemoração do
quarto ano de existência do Cinema Secreto: Cinegnose, esse blog acabou de
receber uma ótima notícia: o Portal
Inovação do Ministério de Ciência e Tecnologia aponta o editor desse blog
como a primeira referência nacional na competência Gnosticismo e Cinema. A
lista é estabelecida por ordem de relevância por palavras-chave e registros
referentes a trabalhos relativos a área de competência.
Somado à publicação no mês
passado do artigo intitulado “Dos Simulacros às Simulações: o ceticismo
gnóstico no pensamento de Jean Baudrillard” (artigo resultante de postagens
desse blog) na revista Dispositiva do
Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC-MG,
percebemos que o tema Gnosticismo e Cinema vai aos poucos ocupando o seu espaço
na área acadêmica e nos periódicos de publicações científicas.
domingo, dezembro 16, 2012
No Terceiro Aniversário uma questão: o "Cinegnose" é um blog "sobre Gnosticismo" ou "Gnóstico"?
domingo, dezembro 16, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O blog “Cinema Secreto: Cinegnose” chega ao terceiro aniversário com a
notícia de que chegamos ao Top 3 dos finalistas do prêmio Top Blog 2012 na
categoria “Arte e Cultura”. Projeto iniciado com as análises dos filmes gnósticos
na dissertação de mestrado, o “Cinegnose” começou com uma linha editorial “sobre
Gnosticismo”: especializado na análise de filmes gnósticos como ponto de
partida para aprofundar temas filosóficos do Gnosticismo. Chegamos ao terceiro
ano expandindo a discussão, dessa vez optando pelo “olhar gnóstico”, resultando numa abordagem mais abrangente
para o Cinema, Audiovisual e Cultura Pop.
Esse mês o “Cinema Secreto: Cinegnose” faz aniversário. Pela
terceira vez! Esse foi o terceiro ano de um projeto iniciado com a dissertação
de mestrado “Cinegnose: a recorrência de elementos gnósticos na produção
cinematográfica norte-americana – 1995 a 2005”, defendida na Universidade
Anhembi Morumbi. Como sempre, ao final da edição de qualquer produto cultural
(seja um CD, filme, livro ou dissertação) muito material acaba ficando de fora
por absoluta falta de tempo e espaço físico.
Ao final da análise sobre a recorrência de elementos
gnósticos (narrativas, mitologias, símbolos, iconografia etc.) até 2005,
percebi que, na verdade, o objeto da análise estava em constante desdobramento
e evolução: filmes posteriores como “Ilha do Medo” (2010), “A Origem” (2010) e até o brasileiro
“Os Famosos e os Duendes da Morte” (2009) demonstravam que o Gnosticismo era uma
influência cada vez mais presente (explícita ou implícita) em temas e roteiros
fílmicos.
Foi então que ao final de uma das aulas no doutorado da
ECA-USP, a professora Gloria Kreinz sugeriu-me: por que não faz um blog? Seria
uma forma de dar vazão a todo esse material que ficou de fora do inevitável
corte metodológico que todo trabalho científico impõe.
sexta-feira, dezembro 07, 2012
Niemeyer e Brubeck: a morte da utopia da "arte total"
sexta-feira, dezembro 07, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Em meio à influência
do cartesianismo de Le Corbusier e Bauhaus no Palácio do Itamarati, Oscar
Niemeyer inseriu a sensualidade e força ascendente de uma escadaria interior
que reinventou a vanguarda. O riff de piano sincopado, quase sinistro, de “Take
a Five” acompanhado por uma misteriosa linha de saxofone que flutuava sobre o
ritmo 5/4 igualmente foi outra reinvenção, dessa vez de Dave Brubeck no Jazz. A
morte desses dois artistas no mesmo dia tem um significado altamente simbólico,
sincromístico: não foi apenas a morte de dois grandes expoentes nas suas
respectivas áreas de atividade – arquitetura e música – mas o desfecho ao mesmo
tempo de uma era e da utopia que sustentou todo o movimento modernista do
século XX: a “obra de arte total”, a utopia romântica de que a arte abandonasse
o estéril esteticismo e fosse capaz de fazer uma síntese entre o artístico e o
social.
Leveza e elegância. Assim pode
ser definida a arte tanto de Niemeyer quanto de Brubeck, menos por uma suposta
“poesia do concreto” ou pelo “jazz branco” como alardeiam os obituários
midiáticos e muito mais pelo excelente paradoxo que eles representaram: diferente
das vanguardas artísticas tradicionalmente agressivas e arrogantes, eles
conseguiram conciliar a invenção dentro da tradição. Niemeyer inseriu a curva,
sensualidade e imaginação no cartesianismo das linhas retas e angulosas de Le
Corbusier e Mies Van Der Rohe, enquanto Brubeck inseriu métricas inspiradas em
músicos de rua da Turquia (quando da excrusão com o seu Quarteto naquele país na década de 1950) no jazz tradicional do tempo 3/4 ou 4/4, métricas características da valsa.
Como típicos artistas
representantes do ideário modernista, viam nas suas artes muito mais do que um
diletante esteticismo, mas buscavam a obra de arte total capaz de integrar arte
e vida, estética e sociedade.
quarta-feira, outubro 24, 2012
A sedução pelas imagens em "Saneamento Básico, O Filme"
quarta-feira, outubro 24, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A burocracia da
administração das verbas públicas municipais coloca moradores de uma pequena
cidade em uma situação inusitada: a única solução para obter dinheiro para construir uma fossa séptica e resolver o problema do esgoto a céu aberto é a
produção de um vídeo ficcional sobre esse próprio problema real. A questão é que os moradores não têm a menor
noção sobre produção de um vídeo e nem o significado da palavra “ficcional”. “Saneamento
Básico, O Filme” (2007) de Jorge Furtado não só faz uma didática e divertida metalinguagem
sobre os princípios da linguagem audiovisual, mas nos oferece uma oportunidade
de reflexão sobre como a imagem tornou-se o centro da sociedade atual, como
fetiche, sedução e contaminação do real ao produzir “não-acontecimentos”.
Que vivemos na sociedade das imagens, isso é um consenso
desde Guy Debord com o seu livro “Sociedade do Espetáculo” que descreve o
espetáculo difuso como um modo capitalista de organização social que resulta em
alienação e a transformação dos homens em simples coisas por meio das
mercadorias. Desde Debord, a imagem é sempre vista através do viés do
parasitismo, isto é, como uma imensa fantasmagoria que não nos deixaria
compreender as verdadeiras necessidades humanas e espirituais.
Imagem seria ideologia, falsa-consciência, fetiche, mentira
ou manipulação.
Mas, e se distinção que subjaz neste enfoque tradicional
(imagem/referente, verdade/mentira, real/ilusório) desaparecesse na sociedade
do espetáculo contemporânea? Explicando melhor: e se graças à onipresença das
linguagens midiáticas e da criação de um “contínuo midiático atmosférico” a
imagem se confundir com a própria realidade a tal ponto que o primado das
imagens deixasse de ser apenas uma fantasmagoria, mas a própria estrutura
constitutiva da realidade? Ou seja, para o indivíduo as antigas distinções
entre ilusão e realidade pouco importariam, já que a imagem produz efeitos tão
reais quanto as demandas ontológicas do mundo real.
Complicado? Pois o filme brasileiro “Saneamento Básico, O Filme”
apresenta uma narrativa ao mesmo tempo hilária e didática sobre essa perversa
evolução da sociedade do espetáculo.
Produção da Casa de Cinema de Porto Alegre e dirigido por
Jorge Furtado, o filme nos apresenta uma narrativa que se passa numa simplória
e bucólica comunidade de imigrantes italianos no interior do Rio Grande do Sul.
Marina (Fernanda Torres) e Joaquim (Wagner Moura) lideram uma mobilização de
moradores em defesa da construção de uma fossa para abrigar o esgoto local que
corre a céu aberto.
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