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quinta-feira, fevereiro 04, 2016

Curta da Semana: "O Sanduíche" - e no final do abismo tinha um sanduíche


Brilhante jogo de “narrativa em abismo” (um filme dentro de outro filme e dentro de outro filme e assim por diante), o curta “O Sanduíche” (2000) do brasileiro Jorge Furtado quer trazer o espectador dos simulacros da tela para a realidade de um set cinematográfico – o que um espectador acostumado a ver os filmes prontos na sala do cinema acharia de ver ao vivo o filme sendo produzido no próprio set de filmagem? É o que Furtado propõe: cair em um abismo narrativo até encontrar no final um prosaico sanduíche. Curta sugerido pelo leitor Rafael Mori.

Jorge Furtado é sem dúvida o cineasta brasileiro que mais profundamente explorou a linguagem do formato curta-metragem. Ilha da Flores (1989) é o curta mais lembrado do cineasta e o mais visto na história do cinema brasileiro – considerado pela crítica europeia um dos 100 curtas mais importantes do século passado.

terça-feira, dezembro 22, 2015

Pôsteres de "Central do Brasil" e "Que Horas Ela Volta?": coincidência ou sincronicidade?


Uma incrível semelhança entre os pôsteres promocionais dos filmes brasileiros “Central do Brasil” (1998) de Walter Salles e “Que Horas Ela Volta?” (2015) de Anna Muylaert. O “Cinegnose” não acredita em coincidências, mas em sincronicidades: os dois filmes são apontados como obras-símbolos de duas eras: o primeiro filme, a era FHC; o segundo, a era Lula. Por que os dois pôsteres recorrem à mesma composição imagética? Há algo que os une, mesmo com um intervalo de 17 anos: como filmes-símbolos de cada época, representam iconicamente passado versus futuro; novo versus velho. Além de cada um desses filmes expressarem as condições pelas quais foram produzidos: em 1998 uma co-produção Brasil/França e em 2015 uma produção Globo Filmes.

Podemos considerar o filme um documento primário de uma época. Através de imagens e movimento expressam o imaginário e sensibilidade de cada época. E também as condições de produção através das quais foi realizado.

domingo, novembro 08, 2015

Curta da Semana: "Os Filmes Que Não Fiz" - o fascínio pelos perdedores


O Curta da Semana dessa vez vai para uma produção brasileira: “Os Filmes Que Não Fiz” (2008). A irônica filmografia de um diretor sem filmes. Se a História é contada somente pelos vitoriosos para pisar na cara daqueles que perderam, esse curta propõe o avesso: onde estão aqueles que apesar da persistência, esperança e empenho acabaram perdendo e caindo no anonimato? Cegos que somos pelos “cases” de sucesso, jamais conheceremos as histórias humanas dos “losers”. Um curta ao mesmo tempo cômico e ácido sobre a realidade do cinema nacional que não consegue transformar-se em indústria.

terça-feira, setembro 29, 2015

"Que Horas Ela Volta?" exibe luta de classes padrão exportação da Globo Filmes

No Brasil, a crítica especializada sobre o filme “Que Horas Ela Volta?” fala em “crítica social contundente” e “olhar crítico à sociedade”. No Exterior as análises  são mais matizadas: “contradição entre novela e crítica social” e “mix de drama como elementos para agradar um grande público”. Um filme como “Que Horas Ela Volta?” é impossível de ser pensado dentro de uma tradicional análise de conteúdo. Ao contrário, deve ser analisado pelos seus aspectos de produção: de como um conteúdo potencialmente transgressor ou crítico pode ser diluído por meio do chamado “padrão globo de qualidade”- a maneira como joga com elementos cênicos, interpretativos e recursos técnicos como enquadramentos de câmera, timing, cor etc. E principalmente a contradição entre a sutileza que a diretora Anna Muylaert quis dar à narrativa e o “novelismo” imposto pela Globo Filmes para criar uma espécie de filme sobre luta de classes padrão exportação.

“Não tenho empregada porque não quero levar a luta de classes para dentro da minha casa”, disse certa vez a filósofa da USP Marilena Chauí. A permanência das relações escravista entre a Casa Grande e a Senzala na sociedade urbana com seus quartinhos de empregada e elevadores de serviço sempre foi um tema das esquerdas – a sociedade brasileira que, sob a fachada da cordialidade e miscigenações raciais, esconderia a realidade da luta de classes.

 Poderíamos considerar a co-produção da Globo Filmes em Que Horas Ela Volta? (com a global Regina Casé encarnando uma empregada doméstica dominada por relações invisíveis de segregação) uma surpreendente adesão da Globo a uma pauta politicamente de esquerda ou, no mínimo, progressista?

sábado, setembro 26, 2015

Muito além da exploração da fé no documentário "O Capital da Fé"

Pastores retirando sacos de dinheiro dos templos ou maquininhas de cartão de crédito passando pelos fiéis nos cultos tornaram-se imagens habituais nas críticas às novas igrejas neopentecostais. Mas o documentário “O Capital da Fé” (Gabriel Santos e Renan Silbar, 2013) vai muito além disso, ao mostrar que, paradoxalmente, essas críticas alimentam um mito que apenas dá força a um gigantesco negócio que está sendo montado:  capital e fé unidos não apenas pela exploração da fé de pessoas simples, mas pela financeirização e liquidez que lava tão branco quanto paraísos fiscais e que constrói lentamente uma forte sustentação política parlamentar que quer chegar ao Poder. As novas igrejas há muito tempo abandonaram o clichê do Tio Patinhas. Hoje estão confortáveis no mundo pós-moderno da liquidez.

Ao som da ópera Carmina Burana, e com cortes ao ritmo da música, assistimos a um verdadeiro vídeo clipe de socos, chutes, sangue e fraturas dos combates do MMA de Jesus – um evento chamado Reborn Strike Fight 5 promovido pela Igreja Renascer. Lutadores clamam em nome de Cristo pela vitória.

Essas são as cenas iniciais de O Capital da Fé, documentário de curta metragem que aborda a nova Igreja Evangélica brasileira, suas contradições, a espetacularização da fé com inusitadas cristianizações de coisas como micaretas e esportes de luta, assim como as ambições políticas de seus dirigentes - assista ao documentário abaixo.

sexta-feira, maio 01, 2015

"Tropa de Elite" e "Guerra ao Terror": o São Jorge do BOPE e um Dragão que nunca existiu, por Claudio Siqueira

O que há em comum entre os EUA, com seu exército que massacra o Oriente Médio sob o pretexto de “Guerra ao Terror” e o BOPE ocupando as favelas cariocas? Além de serem endossados pela mídia em reportagens tendenciosas e filmes como “Tropa de Elite” e “Guerra ao Terror”, ao mesmo tempo está presente, nas formas mais sutis, o arquétipo de São Jorge e o Dragão. Desde o “Livro dos Mortos” egípcio, passando pela propaganda do império Romano até chegar na indústria do entretenimento atual dos filmes e HQs (Superman, Ultraman, Batman etc.), todos têm no ícone do “São Jorge, O Santo Guerreiro” a reedição por séculos de um poderoso arquétipo. Todos caçando monstros que só existem em sonhos.

* Claudio Siqueira é Estudante de Jornalismo, escritor, poeta, pesquisador de Etimologia, Astrologia e Religião Comparada. Considera os personagens de quadrinhos, games e cartoons como os panteões atuais; ou ao menos arquétipos repaginados.

Em Guerra ao Terror, filme vencedor de seis prêmios, Kathryn Bigelow fez o caminho inverso ao de James Cameron com seu Avatar, que mostra a vitória do oprimido; da favela, do Oriente Médio, do povo nativo contra o invasor. Não por acaso, ganhou apenas três.

Mas nada se compara ao filme Tropa de Elite. Por mais irônico que pareça, foi um sucesso por parte dos guerrilheiros urbanos citados no início deste ensaio. A continuação, Tropa de Elite 2, foi a maior bilheteria da história do cinema nacional, tendo sido o único a superar a marca de dez milhões de espectadores desde 1976, feito atingido por Dona Flor e Seus Dois Maridos.

quarta-feira, dezembro 10, 2014

Série "Além da Imaginação" e a sensibilidade gnóstica atual

A comparação do episódio “Special Service” da terceira temporada da série de TV “Além da Imaginação” (1988-89) com o filme “Show de Truman” (1998) revela didaticamente com a sensibilidade gnóstica atual está por trás de adaptações dos clássicos da TV e do cinema. O episódio de 1988 inspirou  Andrew Niccol a escrever o roteiro de “Show de Truman”: enquanto no episódio original vemos uma típica ficção científica orwelliana onde a paranoia e conspirações dominam o protagonista, na adaptação de Niccol vemos esses mesmos elementos transmutados em drama e sátira social. Mas Niccol colocou algo mais: a suspeita de que o reality show não seja apenas televisivo, mas cósmico.

A postagem anterior sobre o filme brasileiro O Efeito Ilha (1994) e a possibilidade sugerida pelo diretor Luís Alberto Pereira de que Peter Weir teria “chupado” a ideia do filme para construir o roteiro de Show de Truman (Truman Show, 1998), provocou polêmica aqui no blog – clique aqui.

Como vimos, essa suspeita não procede, já que o tema do controle da privacidade que é transformado em show pela mídia são tratados de forma invertida: em O Efeito Ilha, a transmissão televisiva involuntária da vida do protagonista é tratada como “dissonância cognitiva, isto é, elemento dissonante que faz os espectadores tomarem consciência da TV como instrumento de alienação; enquanto em Show de Truman, a vida do protagonista é transformada em um autêntico reality show, como instrumento de alienação para as massas.

domingo, dezembro 07, 2014

Filme "O Efeito Ilha": "Show de Truman" plagiou filme brasileiro?

Em um tom quase profético, o filme brasileiro “O Efeito Ilha” (1994) de Luís Alberto Pereira antecipou toda a onda posterior dos reality shows na TV. Quatro anos depois o filme “Show de Truman” retomaria o tema da invasão de privacidade como show, levando Pereira a declarar que Peter Weil teria “chupado” sua ideia. Posteriormente o filme “O Efeito Ilha” seria lançado em VHS como “The Man In The Box” – um técnico de TV é vítima de um estranho fenômeno eletromagnético através do qual sua vida passa a ser transmitida ao vivo em todos os canais de TV. “O Efeito Ilha” captou o espírito do seu tempo (naquele momento o Projeto científico Biosfera 2 e o “Real World” da MTV eram os embriões de um novo gênero televisivo). Por que, ao contrário dos EUA, o cinema brasileiro não continuou explorando esse tema, relegando o filme “O Efeito Ilha” ao esquecimento?

sábado, novembro 22, 2014

Da caridade ao cinismo do marketing social em "Quanto Vale ou é por Quilo?"

Desde a ideia do amor ao próximo transmitida por Jesus, a tragédia transformou-se em farsa: a caridade transformou-se em filantropia para, nos tempos cínicos atuais, finalmente se converter em marketing social. Esse é o tema do filme de Sérgio Bianchi “Quanto Vale ou é por Quilo?” (2005). Inspirando-se num conto de Machado de Assis e em processos judiciais do século XVIII disponíveis no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Bianchi faz de uma narrativa que mistura sarcasmo e drama um flagrante de como a “escravidão moderna” perpetua as formas coloniais de dominação através do chamado Terceiro Setor com suas ONGs. Partindo do mito da exclusão e marginalidade, o marketing social esquece de que a miséria já está há muito tempo integrada: como oportunidade de lucro, lavagem de dinheiro e formas irregulares de captação de dinheiro público.

Misericórdia, compaixão, amor ao próximo e o perdão foram os valores civilizatórios trazidos pela ética e moralidade cristã. As epístolas do Novo Testamento descrevem como Jesus queria que o ódio e a indiferença fossem substituídos pelos “amar o próximo como a si mesmo”, forma de Deus permanecer em nós.

Depois disso, a caridade passou a ser considerada obra piedosa onde o autor abdicaria de toda a sua vaidade. O anonimato é o valor máximo por ser o ato da caridade uma descoberta íntima de Deus. As hospedarias para peregrinos de Santo Agostinho e o hospital para vítimas da fome e epidemia em Constantinopla de São João Crisóstomo na Idade Média foram exemplos do ascetismo como impulso voltado para o interior de si mesmo.

Tudo muda em meados do século XVIII quando a caridade se transforma em filantropia, entendida como a caridade cristã laicizada: “fazer o bem” deixa de ser uma virtude cristã para ser uma virtude social.

terça-feira, novembro 11, 2014

"Quando Eu Era Vivo" mergulha na matriz edipiana do terror

Em um circuito dominado pelas comédias do Globo Filmes, é bem vinda a nova geração de cineastas brasileiros que se enveredam pelo gênero do terror. É o caso de Marco Dutra com produção recente “Quando Eu Era Vivo” (2014). Se no filme anterior “Trabalhar Cansa” (2011) a atmosfera de estranhamento e terror era construída dentro do drama social do trabalho precarizado da classe média, agora Dutra mergulha na matriz edipiana do gênero do terror: tensão e mal estar na relação pai, mãe e filho. Com ótima fotografia e design de áudio, um apartamento aos poucos se transforma em um casarão gótico mal assombrado por uma estranha energia que vem do passado e parece possuir aos poucos o protagonista. Novamente Marco Dutra traça um perfil psicológico da classe média: o apego a uma espécie de “superstição secundária” baseada no pastiche esotérico-religioso que tenta esconjurar a realidade de um fracasso conjugal. Filme sugerido pelo nosso leitor Mário.

O gênero terror é um ótimo objeto para as análises de psicanálise no cinema. Principalmente porque a sua matriz é essencialmente edipiana: dramas envolvendo culpa, incesto, a sedução da inocência, sexo culpado (sadomasoquista), a percepção corpo fragmentada do corpo pelo infante pré-formação do ego (daí o porquê do fascínio pelos corpos despedaçados, vísceras e sangue no cinema de terror) etc.

E, principalmente, o Mal e o Estranho como os nossos próprios impulsos aos quais deveremos renunciar na resolução do Édipo e na entrada ao mundo da Cultura. Os filmes de terror dramatizariam a nossa própria luta interna em ter que renunciar a Natureza (prazer, impulso, gratificação imediata) em nome da Cultura (renúncia e sublimação).

sábado, outubro 11, 2014

"Jogo de Cena" embaralha cartas da ficção e do real

Câmeras de vigilância, celulares através dos quais performamos constantes selfies, telas de computador, de TVs e de cinema, imagens dos indivíduos captas pelas câmeras de vitrines nos shoppings e exibidas para os próprios consumidores etc. Estamos cercados de dispositivos visuais que acabaram criando uma espécie de saber inconsciente audiovisual: criamos nossas próprias auto-mis-en-scènes. Sabemos criar personas através do cinema e fotografia, de tal maneira que ficção e História, ilusão e realismo acabaram se fundindo na modernidade. Esse é o tema latente no documentário “Jogo de Cena”(2007) de Eduardo Coutinho: anônimos contam suas histórias, enquanto atores tentam reencenar essas narrativas anônimas. Quem é ator e quem é anônimo, quem é profissional e quem é amador diante da câmera? Esse é o vertiginoso jogo proposto por Eduardo Coutinho.

Na banalidade do cotidiano estão os rastros da verdade. Esta parece que foi a grande revolução estética trazida pela modernidade, desde que Vitor Hugo escreveu que uma sociedade se conhece através do seu esgoto, ou quando Marcel Proust descobre as memórias involuntárias em cheiros, flagrâncias e sons do dia-a-dia na sua obra-prima Em Busca do Tempo Perdido.

Graças a essa revolução na sensibilidade moderna, desviamos nossa atenção artística das grandes narrativas dos gêneros tradicionais (tragédia, comédia, drama etc.) com seus temas elevados sobre heróis, nobres ou pícaros, para a vida dos esquecidos nas multidões. A fórmula foi invertida: o anônimo tornou-se o objeto artístico e o seu registro através da fotografia e o cinema como as novas obras de arte.

Por isso, o documentário Jogo de Cena de Eduardo Coutinho se inscreve nessa tradição modernista da linha de Dziga Vertov e seu filme O Homem da Câmera de 1929 ou  Berlin – Sinfonia de uma Metrópole (1927) de Walther Huttmann: trazer para a cena artísticas as massas e os anônimos.

terça-feira, outubro 07, 2014

Sociedade de Consumo e o ovo da serpente do PT

Qual o significado de  uma comédia brasileira chamada “O Candidato Honesto” (sobre um candidato à presidência popular, corrupto e mentiroso) ser lançada nos cinemas em plena reta final das eleições? Mais do que senso de oportunismo mercadológico, a produção surfa na onda da aversão popular à Política e o fenômeno da despolitização. A inclusão de grande parte dos brasileiros na sociedade de consumo implementada pelo neodesenvolvimentismo dos governos do PT parece mandar a conta: chocou o ovo da serpente que agora arma o bote. Sem educação política, a sociedade de consumo brasileira produz os efeitos ideológicos do próprio consumismo verificados desde o pós-guerra – ideologia meritocrática, ilusão de mobilidade social por meio do consumo de gadgets e aparatos tecnológicos,  a competitividade e o ressentimento. Combustíveis para o discurso midiático da corrupção que ironicamente só cola no PT.

O cinema tem uma longa tradição de representar os políticos (assim como os jornalistas) como personagens corruptos, que abusam da autoridade e sempre metidos em narrativas conspiratórias de negociações obscuras ou figurados como fantoches de interesses inconfessáveis.

A comédia brasileira O Candidato Honesto, de Roberto Santucci, é o último exemplo desse clichê cinematográfico. Pelo oportunismo de ser lançado em plena reta final da campanha eleitoral, o filme se reveste de significado político inegável – o reforço de um sentimento anti-política alimentado pela oposição ao Governo Federal como arma de impedir a reeleição de Dilma Rouseff.

quinta-feira, março 20, 2014

Documentário "O Abraço Corporativo": o jornalismo está nu

Uma das maiores barrigas da grande mídia passou despercebida para o grande público e na época sua repercussão acabou restrita a veículos especializados em jornalismo e revistas acadêmicas. O documentário “O Abraço Corporativo” (2009) do jornalista Ricardo Kauffman descreve o passo a passo da criação de uma “pegadinha” sobre um suposto executivo de Recursos Humanos que estaria introduzindo no Brasil uma revolucionária terapia motivacional baseada nos poderes curativos de um simples abraço. Explorando os vícios de uma imprensa baseada no jornalismo declaratório que está sempre em busca de bons personagens, o suposto representante da chamada “Confraria Britânica do Abraço Corporativo” expôs as mazelas de um jornalismo onde a ambição de ascensão na carreira de jornalistas está na relação direta com a sua precarização profissional.

O filósofo Louis Althusser dizia que ideologia é quando as respostas precedem as questões. Se isso for verdade, então a prática jornalística se tornou a maior indústria de produção ideológica, mais perigosa que o entretenimento porque opera sob a chancela da informação e da realidade. Raramente o jornalista “descobre”. Na maioria dos casos ele sempre encontra o que procura: tenta confirmar uma ideia, uma hipótese ou, então, encaixar acontecimentos a um certo script que já tem em mente.

E para mostrar que não está enganado, a melhor forma é produzindo um personagem por meio de uma calculada busca de “desconhecidos”. Seus rostos na tela podem ser desconhecidos, mas seus personagens são familiares. Um atentado? Procure um bombeiro heroico e uma pessoa que por um lapso do destino não estava no local da explosão porque acordou naquela manhã cinco minutos mais tarde. Uma manifestação? Procure o líder (mesmo que ele não exista) ou aquele manifestante que saiu às ruas pela primeira vez. Greve de ônibus? Procure uma mulher simples e ofegante, desesperada porque seu patrão pode despedi-la caso não chegue ao trabalho.

sexta-feira, março 14, 2014

Videocassete, controle remoto e as oportunidades perdidas

O DVD passou e já estamos na geração do Blu-Ray. Mas parece que no Brasil ninguém entendeu as potencialidades de antigos dispositivos tecnológicos como o controle remoto e o finado videocassete. As promessas do controle remoto de “se livrar de comerciais chatos” graças à “magia negra da eletrônica”, como era divulgado o novo dispositivo na década de 1950, se equivalem às perspectivas de que o videocassete era a “libertação do vídeo” e que transformaria o espectador no “senhor da TV” na década de 1980. Muitas teorias conspiratórias sustentam que foi muito conveniente para o monopólio televisivo da Rede Globo que tais inventos não fossem compreendidos na sua plenitude pelo telespectador. Com a possibilidade de gravações programadas que o videocassete oferecia, certamente a grade de programação da Globo (introjetada tão profundamente no psiquismo do brasileiro que foi capaz de diminuir a taxa de natalidade) certamente sofreria grande impacto. Mas essa oportunidade foi perdida.

O ano era 1972. Após o sucesso editorial do Manual do Escoteiro Mirim (publicação infantil inspirada na atividade do escotismo dos sobrinhos do pato Donald, Huguinho, Zezinho e Luizinho), a editora lançava o Manual do Professor Pardal no qual eram contadas as histórias de muitas invenções, sempre ilustradas pela presença do simpático personagem da galeria Disney.

Folheando as coloridas páginas com várias curiosidades do mundo dos inventores e invenções, a certa altura deparamo-nos com um pequeno texto sobre o videocassete, até então uma invenção recente da Sony e introduzida no mercado norte-americano um ano antes. O texto sobre o novo dispositivo tecnológico tinha um tom futurista e revolucionário que prometia mudar a televisão tal como até então se conhecia:

sábado, fevereiro 22, 2014

A miséria da estética e da linguagem do trabalhador precarizado

No passado era o proletariado, os explorados e os excluídos. Hoje temos os precarizados: trabalhadores terceirizados, estagiários, temporários e todo um conjunto de profissionais treinados espontaneamente para suas funções através da manipulação de ícones em telas de celulares e mensageiros instantâneos usados no dia-a-dia, desde o velho ICQ até o atual Skype. Participantes incautos de uma ordem que foi secretamente gestada no interior de gigantescos prédios espelhados, com o apoio de uma estética e linguagem igualmente precarizadas criadas por planilhas eletrônicas e elegantes gráficos e tabelas projetadas em reuniões onde orgulhosos gestores professam discursos que misturam efeitos de ciência, religião, misticismo e fenômenos da natureza.

“Aquele que é duro consigo mesmo também é com os demais” (Theodor Adorno)

No início foi o gerundismo dos telemarketings e SACs de empresas que invadiu a fala cotidiana. Ao mesmo tempo, imensos prédios corporativos em concreto e vidros espelhados tomavam a paisagem urbana como fossem bunkers isolados do contato com o mundo exterior por meio de seguranças privados e sistemas centrais de climatização.

E no interior desses prédios foi secretamente gestada uma nova ordem estética e linguística para dar sentido imaginário a um novo tipo de organização de trabalho: a precarização – trabalhadores terceirizados, temporários, por tempo parcial, estagiários, trabalhadores da “economia subterrânea” etc.

domingo, fevereiro 02, 2014

Filme "Trabalhar Cansa" disseca as superstições da classe média

O filme brasileiro “Trabalhar Cansa” (2011) a princípio confunde o espectador: É terror? Drama social? Realismo fantástico? A sensação de estranhamento a que são submetidos tanto espectadores quanto os protagonistas Otávio e Helena ajuda formar um tragicômico quadro dos pesadelos das classes médias. Ele, um homem de meia idade desempregado enquanto ela se apega ao ideário do empreendedorismo abrindo um pequeno mercado de bairro. De um lado Otávio se submete ao irracionalismo da religião autoajuda para suportar a realidade da precarização do trabalho; e do outro, Helena tenta compreender fenômenos supostamente sobrenaturais no seu mercadinho onde ao mesmo tempo crescem tensões trabalhistas. Dois instantâneos de uma classe social ao mesmo tempo agarrada no racionalismo da meritocracia e na irracionalidade da autoajuda, magia e astrologia. Na verdade, os dois lados de uma mesma moeda.

Na sua pesquisa sobre a coluna de astrologia do jornal Los Angeles Times em 1952, o pensador Theodor Adorno (principal membro da chamada Escola de Frankfurt) chegou à conclusão de que as previsões que as estrelas faziam para cada signo do zodíaco nada tinham a ver com o Oculto. Para Adorno, a astrologia de massas se tratava de uma “superstição secundária”: o oculto deixa de ser “o estranho” para se tornar institucionalizado, objetivado e amplamente socializado – Leia ADORNO, Theodor. As Estrelas Descem à Terra, São Paulo: Editora Unesp, 2007.

Mais ainda: a busca da felicidade por meio da “supertição secundária” não seria uma irracionalidade que operaria numa esfera exterior à Razão – ilusão, viciosidade, dependência emocional etc. Pelo contrário, ela resultaria dos próprios processos racionais do cotidiano das pessoas: o trabalho, competição, ascensão social, busca pelo mérito, sobrevivência material e sucesso financeiro.

quinta-feira, novembro 28, 2013

Portal Inovação aponta editor do blog como referência nacional em Cinema e Gnosticismo

Aos poucos as discussões sobre Gnosticismo e Cinema vão ocupando seu espaço e relevância no campo acadêmico, revistas científicas e de divulgação cultural. Uma evidência disso é a notícia de que esse humilde blogueiro foi apontado como a primeira referência nacional no tema Cinema e Gnosticismo na lista por competências elaborada pelo Portal Inovação do Ministério de Ciência e Tecnologia do Brasil. Está de parabéns o blog e a contribuição dos leitores com sugestões e críticas.

Às vésperas da comemoração do quarto ano de existência do Cinema Secreto: Cinegnose, esse blog acabou de receber uma ótima notícia: o Portal Inovação do Ministério de Ciência e Tecnologia aponta o editor desse blog como a primeira referência nacional na competência Gnosticismo e Cinema. A lista é estabelecida por ordem de relevância por palavras-chave e registros referentes a trabalhos relativos a área de competência.

Somado à publicação no mês passado do artigo intitulado “Dos Simulacros às Simulações: o ceticismo gnóstico no pensamento de Jean Baudrillard” (artigo resultante de postagens desse blog) na revista Dispositiva do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC-MG, percebemos que o tema Gnosticismo e Cinema vai aos poucos ocupando o seu espaço na área acadêmica e nos periódicos de publicações científicas. 

domingo, dezembro 16, 2012

No Terceiro Aniversário uma questão: o "Cinegnose" é um blog "sobre Gnosticismo" ou "Gnóstico"?

O blog “Cinema Secreto: Cinegnose” chega ao terceiro aniversário com a notícia de que chegamos ao Top 3 dos finalistas do prêmio Top Blog 2012 na categoria “Arte e Cultura”. Projeto iniciado com as análises dos filmes gnósticos na dissertação de mestrado, o “Cinegnose” começou com uma linha editorial “sobre Gnosticismo”: especializado na análise de filmes gnósticos como ponto de partida para aprofundar temas filosóficos do Gnosticismo. Chegamos ao terceiro ano expandindo a discussão, dessa vez optando pelo “olhar gnóstico”, resultando numa abordagem mais abrangente para o Cinema, Audiovisual e Cultura Pop.

Esse mês o “Cinema Secreto: Cinegnose” faz aniversário. Pela terceira vez! Esse foi o terceiro ano de um projeto iniciado com a dissertação de mestrado “Cinegnose: a recorrência de elementos gnósticos na produção cinematográfica norte-americana – 1995 a 2005”, defendida na Universidade Anhembi Morumbi. Como sempre, ao final da edição de qualquer produto cultural (seja um CD, filme, livro ou dissertação) muito material acaba ficando de fora por absoluta falta de tempo e espaço físico.

Ao final da análise sobre a recorrência de elementos gnósticos (narrativas, mitologias, símbolos, iconografia etc.) até 2005, percebi que, na verdade, o objeto da análise estava em constante desdobramento e evolução: filmes posteriores como “Ilha do Medo” (2010), “A Origem” (2010) e até o brasileiro “Os Famosos e os Duendes da Morte” (2009) demonstravam que o Gnosticismo era uma influência cada vez mais presente (explícita ou implícita) em temas e roteiros fílmicos.

Foi então que ao final de uma das aulas no doutorado da ECA-USP, a professora Gloria Kreinz sugeriu-me: por que não faz um blog? Seria uma forma de dar vazão a todo esse material que ficou de fora do inevitável corte metodológico que todo trabalho científico impõe.

sexta-feira, dezembro 07, 2012

Niemeyer e Brubeck: a morte da utopia da "arte total"

Em meio à influência do cartesianismo de Le Corbusier e Bauhaus no Palácio do Itamarati, Oscar Niemeyer inseriu a sensualidade e força ascendente de uma escadaria interior que reinventou a vanguarda. O riff de piano sincopado, quase sinistro, de “Take a Five” acompanhado por uma misteriosa linha de saxofone que flutuava sobre o ritmo 5/4 igualmente foi outra reinvenção, dessa vez de Dave Brubeck no Jazz. A morte desses dois artistas no mesmo dia tem um significado altamente simbólico, sincromístico: não foi apenas a morte de dois grandes expoentes nas suas respectivas áreas de atividade – arquitetura e música – mas o desfecho ao mesmo tempo de uma era e da utopia que sustentou todo o movimento modernista do século XX: a “obra de arte total”, a utopia romântica de que a arte abandonasse o estéril esteticismo e fosse capaz de fazer uma síntese entre o artístico e o social.

Leveza e elegância. Assim pode ser definida a arte tanto de Niemeyer quanto de Brubeck, menos por uma suposta “poesia do concreto” ou pelo “jazz branco” como alardeiam os obituários midiáticos e muito mais pelo excelente paradoxo que eles representaram: diferente das vanguardas artísticas tradicionalmente agressivas e arrogantes, eles conseguiram conciliar a invenção dentro da tradição. Niemeyer inseriu a curva, sensualidade e imaginação no cartesianismo das linhas retas e angulosas de Le Corbusier e Mies Van Der Rohe, enquanto Brubeck inseriu métricas inspiradas em músicos de rua da Turquia (quando da excrusão com o seu Quarteto naquele país na década de 1950) no jazz tradicional do tempo 3/4 ou 4/4, métricas características da valsa.

Como típicos artistas representantes do ideário modernista, viam nas suas artes muito mais do que um diletante esteticismo, mas buscavam a obra de arte total capaz de integrar arte e vida, estética e sociedade.

quarta-feira, outubro 24, 2012

A sedução pelas imagens em "Saneamento Básico, O Filme"

A burocracia da administração das verbas públicas municipais coloca moradores de uma pequena cidade em uma situação inusitada: a única solução para obter dinheiro para construir uma fossa séptica e resolver o problema do esgoto a céu aberto é a produção de um vídeo ficcional sobre esse próprio problema real.  A questão é que os moradores não têm a menor noção sobre produção de um vídeo e nem o significado da palavra “ficcional”. “Saneamento Básico, O Filme” (2007) de Jorge Furtado não só faz uma didática e divertida metalinguagem sobre os princípios da linguagem audiovisual, mas nos oferece uma oportunidade de reflexão sobre como a imagem tornou-se o centro da sociedade atual, como fetiche, sedução e contaminação do real ao produzir “não-acontecimentos”.

Que vivemos na sociedade das imagens, isso é um consenso desde Guy Debord com o seu livro “Sociedade do Espetáculo” que descreve o espetáculo difuso como um modo capitalista de organização social que resulta em alienação e a transformação dos homens em simples coisas por meio das mercadorias. Desde Debord, a imagem é sempre vista através do viés do parasitismo, isto é, como uma imensa fantasmagoria que não nos deixaria compreender as verdadeiras necessidades humanas e espirituais.

Imagem seria ideologia, falsa-consciência, fetiche, mentira ou manipulação.

Mas, e se distinção que subjaz neste enfoque tradicional (imagem/referente, verdade/mentira, real/ilusório) desaparecesse na sociedade do espetáculo contemporânea? Explicando melhor: e se graças à onipresença das linguagens midiáticas e da criação de um “contínuo midiático atmosférico” a imagem se confundir com a própria realidade a tal ponto que o primado das imagens deixasse de ser apenas uma fantasmagoria, mas a própria estrutura constitutiva da realidade? Ou seja, para o indivíduo as antigas distinções entre ilusão e realidade pouco importariam, já que a imagem produz efeitos tão reais quanto as demandas ontológicas do mundo real.

Complicado? Pois o filme brasileiro “Saneamento Básico, O Filme” apresenta uma narrativa ao mesmo tempo hilária e didática sobre essa perversa evolução da sociedade do espetáculo.

Produção da Casa de Cinema de Porto Alegre e dirigido por Jorge Furtado, o filme nos apresenta uma narrativa que se passa numa simplória e bucólica comunidade de imigrantes italianos no interior do Rio Grande do Sul. Marina (Fernanda Torres) e Joaquim (Wagner Moura) lideram uma mobilização de moradores em defesa da construção de uma fossa para abrigar o esgoto local que corre a céu aberto. 

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