sexta-feira, março 01, 2024

Esquerda descobre que militares fazem operações psicológicas... mas confunde com propaganda


Somente assim a esquerda iria descobrir. A investigação da PF sobre os atos anti-democrátios acabou resvalando na existência do Batalhão de Operações Psicológicas do Exército. Freak out! Para quê serve? Qual a utilidade de uma unidade desse tipo de operação em tempo de paz? Para usar o próprio povo como alvo? O que poderia ser um vislumbre de esperança de a esquerda entender a radicalidade de uma operação psicológica por trás de um golpe militar híbrido, resultou em apenas mais do mesmo: achar que a Op. Psic. é apenas mais uma mera forma de propaganda. Só que mais “ameaçadora” ou “subliminar”. Se não entendermos a natureza completamente oposta da Propaganda e de uma Operação Psicológica militar continuaremos limitados a um estreito horizonte teórico. Prisioneiros de uma agenda de blefes como não-acontecimentos, pseudo-eventos, eventos-encenação etc. que agendam a política brasileira com fantasmas e chantagens.

UAUUU!!! A mídia progressista descobriu na semana passada a existência do Batalhão de Operações Psicológicas do Exército, sediado em Goiânia (GO). Vinculado ao Comando de Operações Terrestres, as investigações da Operação Lesa-Pátria acabaram resvalando na existência dessa unidade militar. 

Era comandado pelo tenente-coronel Guilherme Marques Almeida, nomeado dois meses antes da deflagração da operação da PF – Almeida teria trocado mensagens com o auxiliar de Bolsonaro, o também tenente-coronel Mauro Cid, afirmando “acabou para Lula” e comemorando a criação de um site com material fraudulento: “nosso time é bom demais!”.

A reportagem de Rubens Valente, da Agência Pública, repercutida pelo canal ICL Notícias numa entrevista com Rodrigo Vianna, demonstrou preocupação sobre a ausência de transparência sobre as operações do Batalhão de Operações Psicológicas: “Tudo é recoberto convenientemente pelo segredo. A falta de transparência levanta muitas dúvidas”, escreve Valente:

Não vamos perder de vista as expressões usadas pelos militares: operações reais, objetivos políticos, comportamentos desejáveis, ambiente interno, diretrizes políticas. É um vocabulário perturbador. Quem define o que é um comportamento desejável? As diretrizes políticas podem incluir, por exemplo, levantar dúvidas sobre o processo eleitoral, se isso é perseguido como um objetivo político?

Este Cinegnose viu até com esperança a descoberta por parte da mídia progressista da existência de Op. Psic. Pelas Forças Armadas – este humilde blogueiro vem desde 2020 discutindo a existência desse batalhão especial e sua conexão com a Atlantic Council e o golpe militar híbrido culminado com a vitória eleitoral de Bolsonaro em 2018. 

Uma vesga de esperança de que finalmente caísse a ficha na esquerda, ou pelo menos um início de ssuspeita, de que todos os quatro anos de governo Bolsonaro (sempre ameaçando  com o fantasma do golpe, criando o medo da “corda que está esticando”, insuflando uma “intervenção militar constitucional” nas domingueiras de motociatas e trios elétricos cujo ápice foi o blefe de todos blefes: o 08/01) nada mais foram do que uma Op. Psic. – incutir a pedagogia do medo para criar uma paralisia estratégica no inimigo. Através do blefe e da ilusão. O processo pelo qual é operada a dissuasão psicológica.

Porém, esse abstrato conceito militar de “operação psicológica” (um campo de batalha peculiar que os papers das escolas militares definem como “terreno humano”) parece que está muito além do horizonte teórico da práxis política da “constelação de progressismos” (Safatle).



Rubens Valente, assim como o debate em torno do tema no ICL Notícias, apontaram para o “vocabulário assustador” das monografias militares em torno do tema. Principalmente quando Valente descreve o objetivo de uma Op. Psic.: “motivar públicos-alvo amigos, neutros e hostis a atingir comportamentos desejáveis”.

O debate apontou que é até compreensível as operações psicológicas em um contexto de guerra. Mas, e em tempos de paz? Pode se voltar contra o próprio povo? Como, por exemplo, levantar dúvidas sobre o processo eleitoral?

Horizonte teórico limitado

É nesse momento do debate que fica claro o horizonte teórico limitado da esquerda no campo da comunicação: entende a operação psicológica como uma, por assim dizer, estratégia mais sofisticada e sinistra de propaganda. Op. Psic. e Propaganda são campos completamente distintos.

Ou talvez, faça parte da própria operação psicológica militar se disfarçar como propaganda. Como na foto em que militares do batalhão posa para o suposto lema da unidade estampado na parede “Conquista corações e mentes que almas te seguirão”, sugerindo a compreensão mais vulgar da propaganda.

Se não, vamos aprofundar a natureza distinta destas duas estratégias.

Sun Tzu dizia que toda guerra se baseia no engano. Poderíamos reforçar: a guerra é a arte da ilusão.


Poderíamos dizer que a compreensão moderna dessa máxima na produção teórica dos textos militares está no case “Ghost Army” na Segunda Guerra Mundial.

Algumas semanas após o “Dia D”, uma unidade do exército norte-americano com pouco mais de mil homens desembarcou na França para pôr em movimento um verdadeiro road show em plena Segunda Guerra mundial usando tanques e caminhões infláveis, amplificadores com sons pré-gravados de movimentação de tropas e caminhões e diversas ações cênico-teatrais, incluindo efeitos especiais cenográficos. Munidos de compressores de ar e alguns soldados-atores eram capazes de criar em uma hora falsos comboios militares que aparentavam ter 30 mil homens. O objetivo era criar impacto psicológico e paralisia estratégica nas tropas nazistas. Que depois, assustadas, batiam em retirada.

Se os nazistas apresentaram a novidade da chamada “guerra total” (moderno conceito de conflito de alcance ilimitado com mobilização total tanto de civis como de militares), os norte-americanos impuseram a novidade da estratégia da simulação – Hollywood e as “pops” do cinema foram para a guerra.

Propaganda versus Operação Psicológica

O case “Ghost Army” é o parâmetro seminal de todas as modernas operações psicológicas. Cujo paradigma pode ser sintetizado no quadro comparativo abaixo que vamos detalhar.



(a) A Propaganda está no campo da Retórica; enquanto a Operação Psicológica atua na própria Ontologia, isto é, na produção artificial de acontecimentos nas suas diversas modalidades: pseudo-eventos, não-acontecimentos, eventos-encenação, não-notícias etc.

(b) Através da retórica (figuras de linguagem, tropos, sofismos, fraseologia etc.) busca-se persuadir, seduzir o receptor; enquanto as operações psicológicas visam a dissuasão – criar um acontecimento ou manipular a percepção de que algo acontecerá, para criar no oponente as sensações de medo, ansiedade, incerteza, insegurança. Dentro do terreno humano, criar uma situação de paralisia estratégica no inimigo, neutralizando-o. Ou tornar as ações do inimigo reativas à agenda de acontecimentos criadas pela Op. Psic. 

(c) isso implica que a propaganda busca uma reposta comportamental: conquistar corações e mentes através da repetição de slogans e estímulos. Portanto, estamos no campo da teoria hipodérmica da comunicação ou no âmbito da psicologia behaviorista. Bem diferente, as Op.Psic. lidam com a cognição, criando acontecimentos atuais ou a perspectiva de acontecimentos futuros que moldem a percepção – isto é, faça o inimigo acreditar que os acontecimentos são “reais” e não “virtuais”. Em síntese, a operação psicológica impõe uma agenda de eventos ao inimigo que, prisioneiro à agenda, sempre responderá reativamente. Está mais próxima, portanto, da teoria da Agenda Setting.

(d) Propaganda opera no contexto de uma esfera pública clássica de uma sociedade influenciada por meios de comunicações de massa – a “sociedade do espetáculo” (Debord). A Propaganda busca criar falsos consensos. Enquanto as operações psicológicas operam na mutação da esfera pública pelas tecnologias de convergência: o contínuo midiático atmosférico - entidade que substitui a velha esfera pública de opiniões para criar um contínuo sensível à repercussão e reações pavlovianas aos impactos.

Nesse contínuo midiático flutuam as bolhas de opinião criadas pelos algoritmos das redes sociais e mecanismos de busca. No entorno, esse contínuo atmosférico impactado pelas bombas semióticas detonadas pela grande mídia tradicional. Criam ondas concêntricas que “irritam” as bolhas que reagirão reativamente – isto é, cada bolha interpretará de forma tautista o “input”, sempre respondendo de forma reativa.

(e) Trocando em miúdos, a natureza da propaganda é a dissimulação: esconder, mentir; dizer que você NÃO tem quando na verdade tem algo a esconder. Completamente oposto é a operação psicológica: ela simula, blefa o tempo inteiro – quer provar que TEM algo, quando na verdade não tem nada. 

A Op. Psic. vende virtualidades, simulações de acontecimentos. 



Desde que foi criado o candidato manchuriano Bolsonaro em 2014, no pátio da AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras) diante de oficiam recém-formados gritando “Mito!”, as Forças Armadas criaram uma Operação Psicológica sem precedentes, articulada em conjunto com a guerra híbrida norte-americana e o jornalismo de guerra da mídia corporativa.

Enquanto o golpe militar híbrido estava em andamento, a Op. Psic. Militar simulava o fantasma do golpe militar old fashion pela truculência de tanques, armas e soldados fechando o STF e Congresso – enquanto o STF participava da simulação negando o habeas corpus de Lula em 2018 sob a suposta ameaça no Twitter do general Eduardo Villas Bôas – e depois “confirmado” em entrevista à Folha de que “pretendia intervir” caso o STF concedesse o HC – clique aqui.

Os atos anti-democráticos do 08/01 foram o ápice desse blefe que torna a chantagem da questão militar sempre presente, constante. Por exemplo, através da simulação de uma suposta organização criminosa liderada por Bolsonaro e que corrompeu alguns generais com o sonho de uma aventura golpista. 

A resposta reativa da esquerda em querer convocar uma manifestação pública em reposta aos arroubos de Bolsonaro na Avenida Paulista clamando por “anistia” é uma evidência de como a “constelação de progressismos” é prisioneira da agenda de não-acontecimentos e não-notícias.

O que fazer?

Enquanto a esquerda ainda achar que operação psicológica é propaganda, não entenderá a natureza e extensão de uma Op. Psic.

De início, podemos vislumbrar duas formas para enfrentar uma operação psicológica militar na escala da brasileira:

(1) Dobrar a aposta. Por exemplo, no episódio das fake news das urnas eletrônicas e das suspeitas do processo eleitoral pelo bolsonarismo, como sempre, a esquerda reagiu reativamente. Não consideraram que tudo era apenas um blefe. Por isso, deveriam dobrar a aposta: querem auditoria das urnas? Então nós também queremos! Auditoria pública em tempo real!... Suspeito que o bolsonarismo ficaria sem reação diante da resposta imprevisível. 



(2) Sempre responda de forma inversa. Uma estratégia que lembra o velho Brizola: “Quando vocês tiverem dúvidas quanto a que posição tomar diante de qualquer situação, atentem: se a Rede Globo for a favor somos contra. Se for contra, somos a favor”. 

Observe como a grande mídia contesta e apoia inciativas ou posicionamentos da esquerda. Quando a Frente Povo Sem Medo e Frente Brasil Popular cogitou uma manifestação em reposta a Bolsonaro no dia 24/03, de forma inédita ansiosamente o jornalismo corporativo noticiou. Como se torcesse a favor. 

Por isso, faça o contrário.

(3) Pular fora da agenda. Na Avenida Paulista, Bolsonaro praticamente pediu para ser preso, aliás como ele fez desde que assumiu a presidência: foi aquele que criou mais provas contra si mesmo, ao vivo, toda semana, na TV. Bolsonaro deve ser esquecido, como argumentamos em postagem anterior: tal como o pet virtual Tamagotchi, a Op. Psic. Bolsonaro vive da atenção de todos e das manchetes midiáticas. Mesmo inelegível e sem cargo – clique aqui.

Toda operação psicológica subsiste do comportamento reativo do inimigo. Sem isso, ela fica imprevisível e se desfaz.

 

 

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