sábado, outubro 17, 2020

'Jodorowsky's Dune': o maior filme que nunca foi feito

Um filme que talvez fosse mais importante do que “2001” de Kubrick. Diante do portentoso volume do roteiro e storyboard da adaptação do livro “Dune” feito pelo diretor franco-chileno Jodorowsky em 1975, os grandes estúdios de Hollywood tiveram medo e recusaram um projeto no qual tinha presenças confirmadas de Salvador Dali, Mick Jagger, Orson Welles, Gloria Swanson, David Carradine. Além de trilha musical original de Pink Floyd e Magma. “Dune” de Alejandro Jodorowsky transformaria “Star Wars” (lançado dois anos depois) numa pálida imitação. A história do maior fracasso bem-sucedido da história do cinema é contada no documentário “Jodorowsky’s Dune” (2013). Se realizado, o projeto “Dune” mudaria toda a estrutura dos blockbusters como conhecemos. Mas o roteiro, imagens e conceitos de Jodorowsky foram recusados, para depois serem imitados em doses homeopáticas a partir de ‘Star Wars’: ‘Alien’, ‘Bladerunner’, ‘Indiana Jones’, até chegar em ‘Matrix’ e ‘Prometheus’.

Os anos 1970 foram marcados na indústria cinematográfica hollywoodiana como a década da busca de novas soluções para a profunda crise do sistema de negócios até então vigente: a crise do chamado “Studio System” – modelo de negócio fundamentado na centralização da produção, distribuição e promoção em um único estúdio. O filme de Tarantino Era Uma Vez em... Hollywood retratou bem o início do fim dessa era de ouro, personificado na decadência do personagem Rick Galton (DiCaprio).

Foi uma década de experimentos que deram a liberdade para filmes disruptivos, com protagonistas instáveis, alienados e revoltados como em Easy Rider, Perdidos na Noite, Um Estranho no Ninho, Taxi Driver, Rock Horror Picture Show – grandes estúdios apostando em novas fórmulas inspirados na contracultura que sacudiu os anos 1960, filmes que hoje tornaram-se cults.

Cenário perfeito para o diretor franco-chileno Alejandro Jodorowsky, que veio do teatro de vanguarda até o seu debut no cinema com o filme Fando and Lis (1968), que causou tumultos no Festival de Acapulco e acabou com exibição proibida no México.

Seus temas místicos, esotéricos e antropológicos impressionaram John Lennon que recomendou à gravadora Apple que comprasse os direitos de seus filmes El Topo (1970) e A Montanha Mágica (1973) que agitaram as Sessões da Meia Noite do circuito underground de Nova York.

Esses filmes foram sucesso na Europa, segunda bilheteria apenas atrás dos filmes de James Bond. Entusiasmado, o produtor de cinema francês Michel Seydoux ligou para Jodorowsky para fazer um novo filme: “Quero produzir que você quiser!”, disse... E Jodorowsky respondeu : “Quero fazer ‘Duna’, o melhor livro de ficção científica já feito”. 

“Duna” (1965), de Frank Hebert, é considerado a bíblia da ficção científica pelos fãs do gênero – uma “space ópera” épica situada no planeta desértico Arrakis que possui uma especiaria alucinógena chamada Melange, droga que expande a consciência e que é a mercadoria mais valiosa do universo. O que torna o planeta uma peça de enorme importância estratégica. Paul Artreides é um nobre exilado do seu planeta e, junto com os nativos de Arrakis, luta para tomar o planeta de volta dos colonialistas e devolver o controle da especiaria ao seu povo.


O documentário Jodorowsky’s Dune (2013), de Fank Pavich, conta a história do fracasso do “maior filme que nunca foi feito”. Para muitos críticos e historiadores, se Dune fosse realizado em 1975 (quando o diretor escreveu o roteiro e produziu um detalhado storyboard) teria transformado a estreia de George Lucas em Star Warsuma pálida imitação, dois anos depois. 

Mais do que isso, Dune de Jodorowsky transformaria a própria estrutura dos blockbusters (iniciada com Star Wars), a grande estratégia de negócios que finalmente salvou Hollywood da iminente falência.

Porém, o projeto Dune (que resultou num portentoso volume com minuciosos storyboard, script e o detalhamento visual de cada personagem, cenas e todos aspectos de produção e cast já definido – Salvador Dali, Mick Jagger, Gloria Swanson, Orson Welles, David Carradine e trilha especialmente composta pelas bandas de rock progressivo Pink Floyd e Magma) era demais para os produtores dos grandes estúdios – todos procuravam novas alternativas para saídas da crise, desde que dentro do modus operandi de Hollywood: filmes com os quais se pudesse identificar porque lembrariam de coisas que já tivessem sido feitas – por exemplo, Jurassic Park misturado com Crepúsculo ou Hobbits em campos de batalha.



Mas Dune de Jodorowsky era um projeto alienígena – uma imagerie jamais vista pelos produtores de Hollywood, embora nos anos posteriores fosse inspirar sequências não só em Star Wars, mas em outros filmes como Blade RunnerIndiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida e até mesmo Matrix.

O Documentário

“Para mim, o cinema é mais uma arte do que uma indústria”, diz ele, com um sorriso enigmático. “Para Dune, eu queria criar um profeta. Duna seria a vinda de Deus.” Abre o documentário um Jodorowsky incrivelmente ágil, alegre e bem-humorado. E assim será ao longo de todas as entrevistas. Nunca percebemos nele uma ponta de mágoa ou ressentimento, mas da alegria de realização de um volumoso roteiro que, para ele, foi sua realização máxima.

Em um jantar na casa de Jorodorowsky, o cineasta Nicolas Winding Rafn foi apresentado ao famoso volume do roteiro de Dune. “Jodo” explicou as imagens cena-a-cena para ele, numa conversa que se estendeu até a madrugada. No documentário, Nicolas afirma que, de certa maneira, ele foi a única pessoa a ver o filme.

Mas o documentário abre com a ideia seminal de “Jodo”: para ele, Dune seria o ápice da busca da abertura da consciência de toda uma geração. Mas dessa vez, sem a necessidade do suporte lisérgico de LSD ou outras drogas alucinógenas rituais como ayahuasca. Dune seria um filme que reproduziria os efeitos alucinógenos sem a necessidade de drogas. Jodorowsky queria abrir a consciência do público e expandir a mente e os limites da indústria cinematográfica.

 “Dune tinha muita loucura. Mas se foi loucura, então houve um método nisso, como Shakespeare colocou em Hamlet”, declara o então produtor do filme nos anos 1970, o francês Michel Seydoux.

Na verdade, com base nas evidências apresentadas pelo documentário de Pavich, a recusa dos produtores e, em última instância, dos homens do dinheiro de Hollywood em apoiar Jodorowsky é uma das vergonhas duradouras da história do cinema.

“Jodo”montou uma equipe do que chamou de "guerreiros espirituais" que incluía artistas soberbos e magos de efeitos especiais como Jean Giraud (também conhecido como Moebius), Dan O'Bannon, Chris Foss, HR Giger (emblemático designer italiano por capas de álbum de rock e a concepção gráfica do filme Alien de Ridley Scott) e Salvador Dali (que concordou personificar “o imperador louco da galáxia”). 



Jodorowsky também havia firmado compromissos de Mick Jagger (como ator, não cantor), David Carradine (na época uma grande estrela na série de TV Kung Fu , inspirado em El Topo), Gloria Swanson e Orson Welles, que concordou em retratar o Barão Harkonen se pudesse ter seu staff pessoal no local com ele – e fartas refeições dos melhores restaurantes de Paris. 

Para a trilha musical, contava com Pink Floyd e o grupo vanguardista Magma. Ele até "sacrificou" seu filho, Brontis, para se tornar Paul Atreides, o mártir messiânico cuja morte transforma todo o planeta Duna no "Messias do universo".

Todos os dias no set, “Jodo” dava a sua equipe um discurso inspirador, como um técnico treinando seu time antes de um jogo de campeonato. Dizia a eles: “Vocês estão em uma missão para salvar a humanidade”. E eles passaram a acreditar nele.

O documentário de Pavich é a história de uma obsessão no nível do personagem Capitão Ahab perseguindo a baleia branca Mob Dick. Estava no mesmo nível de loucura da necessidade de Werner Herzog em fazer Fitzcarraldo, seu épico sobre um louco que tentou escalar uma montanha na floresta tropical com um navio a vapor. 

Assim como Herzog dizia “Eu vivo minha vida ou termino minha vida com esse filme”, Jodorowsky ecoava esse mesmo sentimento: “Se eu tiver que cortar meus braços, farei isso para fazer este filme”, diz ele a Pavich.

Depois de assistirmos a Jodorowsky’s Dune e todo o trabalho de preparação que foi feito para a realização de Dune, todos os esboços, maquetes e roteiros de filmagem, tudo o que você pode fazer é suspirar e perguntar: Por que esse filme não foi feito em 1975? Tudo o que faltava eram alguns milhões de dólares em financiamento para começar a ser filmado na Argélia. 



E você pode se consolar com o fato de Hollywood ter permitida a produção de Duna com David Lynch, que perdeu milhões de dólares e desperdiçou o tempo de todos os envolvidos com ele. Mas não desperdiçou nenhum talento, porque nenhum ficou evidente no produto final.

‘Duna’ de David Lynch

O fato é que cada um dos grandes estúdios de Hollywood (Universal, Fox etc.) ficaram com uma cópia do volumoso projeto “Dune” de Jodorowsky. Até que a filha do famoso produtor Dino de Laurentiis conheceu o projeto e resolveu passar para David Lynch. Para “Jodo”, o único diretor, além dele mesmo, que tinha chance de fazer uma adaptação decente do livro.

O documentário destaca a reação de Jodorowsky ao ver no cinema a versão de Lynch em 1984. Ele admite ter ficado com medo ao entrar no cinema porque tinha certeza de que Lynch faria uma obra-prima e seu projeto de 1975 seria esquecido. Mas, cerca de cinco minutos depois de começar o filme, ele disse: “comecei a ficar feliz porque ... era HORRÍVEL!” Ele não culpa Lynch, mas homens do dinheiro de Hollywood que se intrometeram no trabalho de Lynch.

Jodorowsky’s Dune termina revelando que cópias de seu roteiro, storyboards e arte conceitual foram enviadas para todos os principais estúdios de cinema de Hollywood em 1975. Dessa forma, então, sua visão foi vista e admirada por incontáveis ​​cineastas e técnicos de cinema. Ecos de seu trabalho seriam visíveis mais tarde, encontrados em Star Wars, a série TerminatorBladerunner e, claro, Alien - dos “guerreiros espirituais” de Jodorowsky estiveram na produção desse filme O'Bannon, Foss, Giger e Giraud.

Olhando em perspectiva e com detalhes a arte, conceito e filosofia que animava o projeto de Jodorowsky, passamos entender o modus operandi do mainstream cinematográfico: Star Wars emulava (e plagiou) muitos dos conceitos de Dune de “Jodo”.

Porém, dentro de um conceito pastiche dos antigos seriados sci-fi como Flash Gordon e Buck Rogers. Mesmo Alien e Bladerunner foram mais pastiches pós-modernos – colcha de retalhos de estilos, imagens e design de diferentes épocas: um sci-fi, noir, thriller, art-deco em ruínas. Ou seja, filmes que permitiam identificação e reconhecimento da imagerie pop por parte do espectador.

Mas o que Jodorowsky propunha era algo tão radicalmente novo que amedrontou os grandes estúdios: não havia nada que pudesse traduzir em termos comerciais que satisfizesse a familiaridade de conhecimento do público. A única forma foi dissolver o conceito de Dune de Jodorowsky e distribui-lo em doses homeopáticas ao longo das décadas. 


         

Ficha Técnica 

Título: Jodorowsky’s Dune

Diretor: Frank Pavich

Roteiro: Frank Pavich

Elenco: Alejandro Jodorowsky, Michel Seydoux, HR Giger, Chris Foss, Amanda Lear, Brontis Jodorowsky

Produção: Highline Pictures, Camera One

Distribuição:  Sony Pictures Classics

Ano: 2013

País: França/EUA

 

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