domingo, agosto 06, 2017

Curta da Semana: "This Is Why Eating Healthy Is Hard (Time Travel Dietician)" - vivendo e não aprendendo


A lista dos alimentos saudáveis e não-saudáveis é mutante: muda ao sabor da última pesquisa científica de alguma universidade famosa ou artigo publicado em um revista médica. O que era cancerígeno no passado, pode ser a salvação na semana que vem. O curta “This Is Why Eating Healthy Is Hard - Time Travel Dietician” (2017), do site de vídeos de humor “Funny or Die” leva essa situação à ficção científica – em 1979, um casal vê o seu almoço interrompido por um nutricionista que veio do futuro. Para impedir que comam ovos: basta um para aumentar as chances de infarto! O nutricionista vai e volta do futuro várias vezes em questão de segundos, sempre com descobertas contraditórias – o ovo já não mata mais... agora é a carne vermelha. Ovos agora são saudáveis... e assim por diante. E o pobre casal não consegue almoçar. O humor “hipo-utópico” do curta levanta algumas questões: o problema da midiatização da Ciência e porque o Tempo e a História não são capazes de nos ensinar.

Não há semana que passe sem uma notícia sobre resultados de pesquisa de algum Instituto de tecnologia de alimentos, de alguma prestigiosa universidade ou repercussões de algum artigo científico publicado em revista médica condenando ou absolvendo determinado alimento – pode ser agente cancerígeno, provocar AVCs, entupir artérias, provocar coágulos no cérebro, irritar o estômago ou causar diabetes. 

Mas esses resultados nunca são definitivos. Pior, são contraditórios e parecem sempre ao sabor (desculpem o trocadilho!) da moda: décadas atrás, o ovo era a pior coisa para o colesterol. Depois o problema era só a gema. Depois descobriram o colesterol bom e ruim. Hoje, tanto faz.

O café? Poderia provocar câncer no estômago ou prejudicar coração e sistema nervoso. Hoje? O café é um amigo do coração.

Água? Quanto mais melhor durante o esporte. Mas recentemente pesquisas disseram que em excesso pode prejudicar o equilíbrio eletrolítico (pouco sódio e potássio no corpo) e levar a cãibras, fadiga muscular e até perda de consciência...

 Parece que a questão que envolve saúde e alimentos tem a ver com o tempo: mas não num sentido evolutivo, mas contraditório, randômico, caótico – depende da interpretação dos números, do método de amostragem estatística de uma população, da universidade, da revista científica, do país, da época.

O curta This Is Why Eating Healthy Is Hard - Time Travel Dietician (2017) do site norte-americano de vídeos de humor Funny or Die, combina esses elementos de forma hiperbólica: um nutricionista que viaja no tempo e a obsessão pela busca do alimento saudável. E a principal vítima: um sujeito comum que quer apenas fazer um almoço.


O curta


Estamos em 1979. Uma dona de casa prepara o prato do almoço do seu marido: ovos fritos, torrada e um belo steake. O marido sai do banheiro e senta-se à mesa. Vê-se um flash, e do banheiro sai também um estranho (Chuck Armstrong), gritando para não comerem aquela comida.

Ele veio do futuro, para avisar que o ovo é a maior fonte de colesterol: comer apenas um ovo poderá aumentar drasticamente as chances de um ataque cardíaco! A preocupada esposa agradece e o nutricionista volta para o futuro em algum tipo de portal no banheiro... para retornar em poucos segundos: “estava errado sobre ovos!”. 

Novas descobertas vindas do futuro:  há o colesterol bom e o ruim. E o ruim está apenas na gema...

E assim transcorre a missão inglória do estoico nutricionista do futuro: ele vai e volta, inclusive para a pré-história para tentar encontrar provas dos malefícios do pão. Depois a carne vermelha vira o vilão, para depois tudo se tornar inconclusivo... ou genético. Nada que uma boa atividade física não resolva. Ou será que não?

Parece que a única coisa que o intrépido protagonista consegue é atrapalhar o que deveria ser um tranquilo e saboroso almoço.

Para o nutricionista high tech, a viagem no tempo não permite nem ajudar os outros e nem a si mesmo. Para ele, passam-se 35 anos. E para o casal em 1979, apenas 5 minutos que atrapalham um almoço que prometia ser saboroso.


Hipo-utopia no humor

O curta é uma curiosa aplicação da hipo-utopia (presente nas recentes produções de ficção científica) em uma narrativa de humor. Diferente da distopia (um futuro negativo pelo desenvolvimento linear das tecnologias e autoritarismo), na hipo-utopia (“hipo” de “posição inferior”, “insuficiência”), o futuro nada mais é do que uma projeção hiperbólica das mazelas já existentes no presente – sobre esse conceito clique aqui.

Qual mazela? A midiatização das pesquisas científicas. Em si mesmas, as pesquisas empíricas podem ser questionadas metodologicamente – até que ponto as escolhas de amostragens e o recorte dos dados dentro da frequência contínua de uma população podem ser arbitrárias, para confirmar hipóteses pré-existentes. Dessa maneira, resultados e o próprio desenvolvimento científico fica ao sabor da luta por prestígio e distinção dentro do campo científico.

Mas quando essas pesquisas passam a ser financiadas por lobbies de setores econômicos e fazer parte de estratégias de agenda setting nas mídias, então estamos diante da total simulação da objetividade científica: cada repercussão na opinião pública de determinada “descoberta” científica pode fazer parte de uma elaborada engenharia de opinião pública.

O resultado são essas “verdades” científicas flutuantes, contraditórias, ao sabor da última moda ou do lobby mais forte financeira e politicamente para impor sua agenda para a sociedade.

Por isso, a “saia justa” do nutricionista viajante no tempo: como um iluminista, ele crê na Ciência, na Razão e no Tempo – na evolução progressiva do conhecimento. Porém, o coitado só encontra lacunas, contradições, sem conseguir encontrar a verdade. E o que é pior: sem conseguir ajudar aquele casal em um lugar qualquer em 1979.

O curta suscita interessantes questões relacionadas ao tempo e conhecimento: viver é aprender? Será a História uma seta do tempo apontada para o futuro na qual conhecimentos e experiências se acumulam continuamente? Ou tudo não passa de momentos descontínuos, um conjunto de eventos pontuais desconectados com quais nada aprendemos? Será que nunca houve evolução? Apenas recomeços e esquecimentos?

Funny or Die


Funny or Die é um site de vídeos de humor criado pelos comediantes Will Ferrell e Adam McKay, proprietários da Gary Sanchez Productions. Os usuários do site são orientados a votar nos vídeos que assistem, com as opções “Funny” ou “Die”. Se o vídeo receber 80% de votos ou tiver avaliações com mais “Funny”, após 100 mil visualizações, torna-se “Imortal” – clique aqui.

Se o vídeo receber menos “Funny”, após mil visualizações, é relegado para a seção “Cripta” do site.


Ficha Técnica

Título: This Is Why Eating Healthy Is Hard - Time Travel Dietician (curta)
Diretor: Elliot Dickerhoof
Roteiro:  Chuck Armstrong, Charlie Stockman, Elliot Dickerhoof
Elenco:  Chuck Armstrong, Charlie Stockman, Kelly Vrooman
Produção: Darren Miller
Distribuição: Funny or Die
Ano: 2017
País: EUA



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