Muitos ainda devem lembrar do indefectível
som do dial-up fazendo a conexão com a Internet ou daquele protetor de tela no
qual apareciam canos em 3D. Eram os anos 1990 e a Internet começava a chegar
nos lugares mais recônditos do mundo. No interior da Noruega, um jovem começa
simultaneamente a descobrir a sexualidade e a Internet. E encontra na seminal rede
de computadores um mundo livre de censura que desperta ainda mais a curiosidade
sexual instintiva. Esse é o curta norueguês “World Wide Woven Bodies” (2015)
com um design de produção que reconstitui de forma precisa aquela época. Um
momento único na história onde o tecnológico e o espiritual se fundiram, no qual
foi vivido mais plenamente do que hoje a tensão entre os reinos analógico e o
digital.
Talvez a geração que testemunhou a chegada da
Internet nos anos 1990 seja a única que experimentou uma mudança tecnológica
disruptiva. Certamente, o único paralelo histórico seria com a geração que no
século XVI experimentou a revolução tipográfica de Gutemberg.
O curta norueguês World Wide Woven Bodies (2015) explora esse período especial da
História: a chegada à adolescência de um jovem chamado Mads e a descoberta da
sexualidade coincidindo com a chegada da Internet naquele país no final daquela
década.
Mads descobre a pornografia,
mas não livre de consequências: isso começa a complicar o relacionamento com
seus pais, tornando a vida familiar incômoda e discussões cada vez mais tensas,
sem deixar de sofrer retaliações dos pais.
Mads descobre na rede de
computadores um mundo livre de censura, permitindo o crescimento da curiosidade
sexual instintiva, mas atrofiado pela dinâmica familiar.
O diretor Truls Krane Meby
tentou descrever a forma como a Internet desde o início se conectou com a nossa
humanidade:
“Eu queria mostrar como a Internet sempre esteve intimamente ligada com as nossas partes mais íntimas, dada a sua natureza de fluxo, sem censura e relativa facilidade em cobrir as pistas das nossas paixões escondidas. À medida em que a Internet fica cada vez mais incorporadas nas nossas vidas e, provavelmente à nossa própria carne, ela crescerá ainda mais. World Wide Woven Bodies é sobre a história das origens dessa conexão”.
“O que é esperma?”. Uma
pergunta simples, mas certamente não é uma pergunta confortável para os pais.
Mads vai buscar a resposta na Internet. A descoberta do próprio corpo por meio
da masturbação, páginas de pornografia e a ciência se fundem num período único
da História recente onde o tecnológico e espiritual se fundiram – não é para
menos que a popularização dos filmes gnósticos começa na segunda metade dessa
década para tentar dar conta dessa inquietação.
Físico versus digital
Meby ilustra cuidadosamente
ao mesmo tempo o apego e a aversão à nova tecnologia.
O curta reconstitui com
precisão todos as mais memoráveis marcas aquela época: o indefectível som do
dial-up de conexão a Internet, a resolução de tela em Super VGA, o protetor de
tela com animações de canos em 3D, a área de trabalho do Windows 95, o
computador pensado como mais um eletrodoméstico, imagens baixando lentamente em
sites com designs simples elaborados no programa Front Page etc.
Ao filmar em 35mm, Meby quis
contrastar o físico versus digital: as belíssimas imagens das montanhas e
natureza num recôndito da Noruega contrasta com as imagens planas na pequena
tela de um computador colocado em uma sala de estar decorada com estantes
repletas de livros.
O computador era naquele
momento concebido como um eletrodoméstico, ao lado da TV ou de um
liquidificador.
Certamente foi um momento único de uma
geração que nasceu em um ambiente analógico e experimentou a transformação de
sons, imagens e palavras em bits. Best sellers da época como o livro de
Nicholas Negroponte, professor do MIT, chamado A Vida Digital era difícil de
ser entendido: como hábitos pessoais e sociais poderiam ser transformados pela
mudança da informação do reino dos átomos para os bits?
Para aqueles que lidaram com
máquinas de escrever e assistiram filmes nas telonas do cinema, um programa de
digitação de texto como o Word ou players como um VLC ou Quick Time sempre
serão comparados com mídias passadas e encarados como meros facilitadores de
produção de textos ou distribuição de filmes.
No curta vemos livros e gibis
convivendo com um computador ainda restrito a um canto na sala. Hoje, começa a
emergir uma geração que já nasceu digital. Para ela, a Internet já é o próprio
cotidiano em dispositivos móveis, e a era analógica um distante passado assim
como as narrativas do Velho Oeste.
O que poderemos esperar então de jovens que
jamais experimentarão a tensão entre o mundo analógico e digital, como
retratado no curta? O digital antecederá para sempre o analógico?