domingo, dezembro 11, 2016

Curta da Semana: "World Wide Woven Bodies" - sexo e Internet nos anos 90


Muitos ainda devem lembrar do indefectível som do dial-up fazendo a conexão com a Internet ou daquele protetor de tela no qual apareciam canos em 3D. Eram os anos 1990 e a Internet começava a chegar nos lugares mais recônditos do mundo. No interior da Noruega, um jovem começa simultaneamente a descobrir a sexualidade e a Internet. E encontra na seminal rede de computadores um mundo livre de censura que desperta ainda mais a curiosidade sexual instintiva. Esse é o curta norueguês “World Wide Woven Bodies” (2015) com um design de produção que reconstitui de forma precisa aquela época. Um momento único na história onde o tecnológico e o espiritual se fundiram, no qual foi vivido mais plenamente do que hoje a tensão entre os reinos analógico e o digital.

Talvez a geração que testemunhou a chegada da Internet nos anos 1990 seja a única que experimentou uma mudança tecnológica disruptiva. Certamente, o único paralelo histórico seria com a geração que no século XVI experimentou a revolução tipográfica de Gutemberg.

O curta norueguês World Wide Woven Bodies (2015) explora esse período especial da História: a chegada à adolescência de um jovem chamado Mads e a descoberta da sexualidade coincidindo com a chegada da Internet naquele país no final daquela década.

Mads descobre a pornografia, mas não livre de consequências: isso começa a complicar o relacionamento com seus pais, tornando a vida familiar incômoda e discussões cada vez mais tensas, sem deixar de sofrer retaliações dos pais.

Mads descobre na rede de computadores um mundo livre de censura, permitindo o crescimento da curiosidade sexual instintiva, mas atrofiado pela dinâmica familiar.


O diretor Truls Krane Meby tentou descrever a forma como a Internet desde o início se conectou com a nossa humanidade:
“Eu queria mostrar como a Internet sempre esteve intimamente ligada com as nossas partes mais íntimas, dada a sua natureza de fluxo, sem censura e relativa facilidade em cobrir as pistas das nossas paixões escondidas. À medida em que a Internet fica cada vez mais incorporadas nas nossas vidas e, provavelmente à nossa própria carne, ela crescerá ainda mais. World Wide Woven Bodies é sobre a história das origens dessa conexão”.
“O que é esperma?”. Uma pergunta simples, mas certamente não é uma pergunta confortável para os pais. Mads vai buscar a resposta na Internet. A descoberta do próprio corpo por meio da masturbação, páginas de pornografia e a ciência se fundem num período único da História recente onde o tecnológico e espiritual se fundiram – não é para menos que a popularização dos filmes gnósticos começa na segunda metade dessa década para tentar dar conta dessa inquietação.

Físico versus digital


Meby ilustra cuidadosamente ao mesmo tempo o apego e a aversão à nova tecnologia.

O curta reconstitui com precisão todos as mais memoráveis marcas aquela época: o indefectível som do dial-up de conexão a Internet, a resolução de tela em Super VGA, o protetor de tela com animações de canos em 3D, a área de trabalho do Windows 95, o computador pensado como mais um eletrodoméstico, imagens baixando lentamente em sites com designs simples elaborados no programa Front Page etc.


Ao filmar em 35mm, Meby quis contrastar o físico versus digital: as belíssimas imagens das montanhas e natureza num recôndito da Noruega contrasta com as imagens planas na pequena tela de um computador colocado em uma sala de estar decorada com estantes repletas de livros.

O computador era naquele momento concebido como um eletrodoméstico, ao lado da TV ou de um liquidificador.

  Certamente foi um momento único de uma geração que nasceu em um ambiente analógico e experimentou a transformação de sons, imagens e palavras em bits. Best sellers da época como o livro de Nicholas Negroponte, professor do MIT, chamado A Vida Digital era difícil de ser entendido: como hábitos pessoais e sociais poderiam ser transformados pela mudança da informação do reino dos átomos para os bits?

Para aqueles que lidaram com máquinas de escrever e assistiram filmes nas telonas do cinema, um programa de digitação de texto como o Word ou players como um VLC ou Quick Time sempre serão comparados com mídias passadas e encarados como meros facilitadores de produção de textos ou distribuição de filmes.

No curta vemos livros e gibis convivendo com um computador ainda restrito a um canto na sala. Hoje, começa a emergir uma geração que já nasceu digital. Para ela, a Internet já é o próprio cotidiano em dispositivos móveis, e a era analógica um distante passado assim como as narrativas do Velho Oeste.

O que poderemos esperar então de jovens que jamais experimentarão a tensão entre o mundo analógico e digital, como retratado no curta? O digital antecederá para sempre o analógico?

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