segunda-feira, junho 29, 2015

Por que jornalistas estão migrando para programas de entretenimento?

Em 1983 Sérgio Chapelin deixou a Globo para apresentar o “Show Sem Limites” no SBT. Mas depois voltou ao telejornalismo global. Agora a migração para o entretenimento não tem mais volta: tudo começou com Fausto Silva nos anos 80 e atualmente a tendência cresce com Fátima Bernardes, Pedro Bial, Patrícia Poeta, Britto Jr., Ana Paula Padrão, Zeca Camargo e o recente anúncio da saída definitiva de Tiago Leifert do jornalismo esportivo para um programa de entretenimento na TV Globo. Como explicar essa onda migratória? Maneira mais fácil de ganhar dinheiro com merchandising? Mas também pode representar o sintoma de um duplo fenômeno que assola um jornalismo terminal diante do crescimento das tecnologias de convergência: o infotenimento (informação + entretenimento) e o tautismo (tautologia + autismo).

Quando o colombiano Juan Carlos Osorio chegou ao Brasil para ser o novo técnico do São Paulo Futebol Clube, ao vivo o jornalista Tiago Leifert não se conteve : “vamos fazer uma matéria especial com Osorio, ele é um personagem!”, disse o apresentador do Globo Esporte, sobre um técnico com o seu curioso método de entregar bilhetes aos jogadores, escritos ora com caneta vermelha, ora com caneta azul... canetas que depois são enfiadas em cada meia.

Essa é uma pequena amostra do atual modus operandi do jornalismo baseado não mais em relatos de acontecimentos, mas que agora está em busca de casos e personagens como se editores e repórteres se assemelhassem a roteiristas ou produtores de cinema.


Veremos também como essa pequena amostra nos revela o porquê da tendência crescente de jornalistas migrarem para os programas de entretenimento.

              Leifert é o exemplo mais recente - anunciou que vive seus últimos dias no jornalismo esportivo para embarcar num programa de entretenimento nas manhãs de sábado, junto com Patrícia Poeta, a ex-companheira de William Bonner na bancada do Jornal Nacional. Fátima Bernardes, também egressa do telejornalismo global, completa três anos comandando outro programa de entretenimento nas manhãs. Sem deixar de lembrarmos de Pedro Bial, ex-correspondente internacional que passou a fazer crônicas ao vivo no reality show Big Brother e, nas horas vagas, escrever a biografia do próprio patrão.




E essa migração não se resume apenas à TV Globo: Britto Jr (ex-jornalista global) foi para a Record também para apresentar reality shows e programas femininos. Ana Paula Padrão (também ex-global) abandonou a bancada de telejornal para apresentar o reality-bullying gastronômico MasterChef na Band. Ou ainda o caso mais antigo de Fausto Silva que depois de largar o jornalismo esportivo, foi apresentar o Perdidos na Noite em 1985 na TV Gazeta e depois passou pela Record e Band. Hoje apresenta o Domingão do Faustão na Globo desde 1990.

Por que essa recorrência de jornalistas migrando para programas de entretenimento como um caminho sem volta? Forma fácil de ganhar dinheiro com a possibilidade de merchandising? Fugir das pressões inerentes a atual condição da grande mídia como principal oposição ao Governo Federal? Gosto por desafios? Fugir da obrigação de fazer perguntas impostas pelo Ali Kamel?

Jornalista como protagonista da “notícia”


Acreditamos que possa ser tudo isso, mas há alguma coisa na evolução da TV que cada vez mais facilita essa migração.

             Certa vez o dramaturgo Bertolt Brecht na sua obra Breve Organum para o Teatro denunciou o “deplorável hábito” do teatro burguês fazer com que o ator principal “estrele”, fazendo os outros atores servirem de “escadinha” para ele. Com o duplo fenômeno que assola o telejornalismo atual (o “infotenimento”- informação + entretenimento; e o tautismo – tautologia + autismo), as diferenças entre caso e acontecimento, ficção e notícia estão desaparecendo. Similarmente o que ocorre na indústria do entretenimento onde atores principais “estrelam”, no jornalismo as “notícias” engendram sua própria hierarquia.


Bertolt Brecht: o "deplorável hábito burguês da estrela"

A superioridade do apresentador está estruturada no próprio noticiário. Ele deixa de ser um mero apresentador para ser o protagonista da informação. Como as estrelas de uma produção teatral ou cinematográfica que transformam os coadjuvantes em escadas das suas performances, como denunciou Brecht, os jornalistas procuram casos e personagens que sirvam de apoio para uma espécie de informalidade autoconsciente que domina o telejornalismo.

O teleprompter (TP) e a centralidade da notícia em repórteres e apresentadores (o fim da locução em off e da estética documental) foi o início dessa intensa metalinguagem que domina o telejornalismo: no estúdio as mudanças de tom de voz, gestos, orquestração de sorrisos, delicados movimentos de sobrancelhas e ênfases transformam o jornalista em ator; e nas ruas o repórter transforma-se em diretor de cena, procurando transformar a notícia em caso e o cidadão comum em personagem, tentando encaixar os eventos a uma meta-narrativa já definido anteriormente nas redações.

As reuniões de pauta parecem cada vez mais se assemelhar à produção de scripts ou roteiros. Narrativas ficcionais em busca de personagens. É a consequência de dois sintomas: um da evolução do jornalismo (o infotenimento) e outro o sintoma da proximidade do fim do próprio jornalismo das grandes mídias com as tecnologias de convergência – o tautismo.

A auto-ilusão do tautismo


Em tempos de crise diante do rápido crescimento das tecnologias de convergências (dispositivos móveis e Internet) a grande mídia reage com uma espécie de negação ou auto-ilusão que chamamos de tautismo: o mal dos sistemas complexos que criam um “fechamento operacional” onde qualquer informação externa é traduzida por descrição que o sistema faz de si mesmo – aprofundamento sobre esse conceito clique aqui.

         Esse fenômeno começou com a hipertrofia das metalinguagens, a começar pela estruturação do jornalismo em torno de estrelas que tornam-se os protagonistas da informação. Tal como a estrela de Brecht, os personagens e os casos parecem trabalharem para eles. Tornam-se escada para os jornalistas, confirmando seus roteiros de forma tautológica.


Globo Esporte: metalinguagem com o próprio apresentador ocupa cada vez mais espaço
sobre a notícia

O caso do telejornal Globo Esporte era evidente: em certas edições, mais da metade da pauta girava em torno de apostas, pequenos desafios ou brincadeiras que o apresentador propunha a jogadores de futebol nos centros de treinamento ou nas suas próprias residências ao vivo ou em matérias gravadas.

Com isso, o mundo ao redor com seus acontecimentos tornam-se apenas “casos” que apenas ocorrem para serem televisionados, como ficou claro no tom da Retrospectiva Jornal Nacional 50 Anos de Jornalismo. A TV torna-se tão autista que, como todo e qualquer sistema, tenta manter o equilíbrio (homeostase), expurgando qualquer possibilidade de crise, como demonstrou a opinião do diretor-geral da Globo Carlos Schroder sobre os baixos índices da novela Babilônia: “algo na trama não funcionou” – clique aqui. Schroder não consegue perceber que a TV tal como conhecemos corre rápida para o fim.

Esse tautismo poderia estar na base da intensificação dessa corrente migratória de jornalistas para o entretenimento. Movimento autofágico assim como os processos catabólicos - sob condições extremas de fome, o corpo entra num processo de degradação e começa a consumir seu próprio tecido muscular. Seria essa a condição atual da grande mídia?


Semioticamente não existem mais diferenças entre "Vídeo Show" e "Jornal Nacional"

Infotenimento: o prazer da “notícia”


Mas também essa tendência migratória é uma decorrência natural da transformação do jornalismo em “infotenimento”. Se no passado o jornalismo dividia as notícias em hardnews (o mundo “duro” da política e economia) e os faits divers (notícias frias e diversas), agora uma preocupação se impõe: não importa se as notícias sejam boas ou más, se elas agridam ou não a sensibilidade ideológica ou individual – a experiência do noticiário deve ser sempre agradável, proporcionar o prazer do entretenimento. Vender a ideia de que os momentos dedicados à leitura ou assistir a um telejornal tenham valido a pena.

Por exemplo, assistir a um telejornal  atualmente equivale à mesma experiência de assistir a um programa como Vídeo Show: a produção de notícias parece ser um mundo de atividade lúdica, onde todos parecem se divertir e o trabalho se transforma sempre em brincadeira. A informalidade autoconsciente da bancada passa uma atmosfera de amável camaradagem e qualquer percalço técnico arranca uma tempestade de risos.

Agora os apresentadores caminham pelos estúdios, contracenam com chroma key e telões, sentam em cadeiras para entrevistas como estivessem numa sala de estar e tentam criar formas de interação com espectadores por meio de Twitter ou Waze. Chamam isso de “prestação de serviços, mas cada vez mais os telejornais se assemelham a revistas televisivas onde em um mesmo bloco podemos ir do riso ao choro, da indignação à emoção pelos “relatos de superação”.

Semioticamente não há mais diferenças entre as linguagens de um telejornal de hardnews, um programa metalinguístico como Vídeo Show ou uma revista televisiva como o Domingo Espetacular da Record.

Podemos chamar isso de processo catabólico da lenta agonia da grande mídia.

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