sábado, junho 20, 2015

Entrelaçamento quântico, moral e livre-arbítrio em "Frequencies"

Co-produção britânica e australiana, “Frequencies” (aka “OXV: The Manual, 2013) foi uma surpresa em festivais de Cinema Fantástico como o Fant 2014 de Bilbao. Embora parta da premissa da atual onda de filmes sci fi distópicos com adolescentes (amores impossíveis em mundos totalitários como em “Divergente”), o filme pretende ser um ambicioso ensaio metafísico sobre o problema da Moral e do Livre-arbítrio: quão livre nós somos em nosso querer agir? Em um mundo onde o conhecimento determina o destino, jovens tropeçam em uma descoberta: o Manual OXV baseado em uma “antiga tecnologia” onde palavras podem interferir nos padrões de frequências que criam entrelaçamentos quânticos entre as pessoas. Isso pode ser usado para o amor... mas também para o mal.

Uma história de amor impossível entre dois adolescentes que vivem em uma ordem social totalitária que impede a concretização dos seus sentimentos. Sintetizando dessa forma o filme Frequencies (aka OXV: The Manual), parece que estamos diante de mais um filme da atual onda de “distopias teens” como Divergente, Jogos Vorazes, Eu Sou o Número 4 etc.

Uma onda de filmes classificados pelo rótulo “ficção científica” pelos seus aspectos mais superficiais do gênero: futuros distópicos, efeitos especiais e alta tecnologia.

           Em Frequencies o diretor e roteirista Darren Paul Fisher também embarcou nessa tendência temática das ficções científicas hollywoodianas, mas, ao contrário, longe desses clichês das distopia teens. Fisher foi mais além: combinou Ciência com Filosofia para descrever uma realidade alternativa onde uma sociedade é organizada a partir da descoberta de que a frequência através da qual cada indivíduo vibra determina o destino da vida das pessoas.




Frequencies é um ambicioso ensaio metafísico que desenvolve de forma clara e sensível uma das questões centrais da Filosofia: o homem é efetivamente livre no seu querer agir?

Tanto a Filosofia como a Ciência deram três respostas a essa questão: a doutrina do Livre-arbítrio (o homem é autônomo e responsável pelas suas ações), o Determinismo (o princípio da causalidade que determinaria o constrangimento e previsibilidade do comportamento) e o Indeterminismo (os acontecimentos não têm causa e ocorrem aleatoriamente, desde o mundo da mecânica quântica até o das ações humanas).

A partir de uma simples história de amor impossível entre dois adolescentes, o filme confronta essas três respostas, porém acrescenta uma surpreendente quarta reposta dada por uma “antiga tecnologia” teria sido mantida em segredo por toda a História: o poder de formularmos palavras que criam “entrelaçamentos quânticos”, alterando a realidade.

O Filme


A narrativa se passa em uma sociedade dividida entre gênios e pessoas normais. Essa divisão de classes não determinada pelo QI, mas pelo tipo de frequência, alta ou baixa, através da qual a pessoa vibra. Na escola, as crianças passam por testes para avaliar a frequência e são chamados pelos nomes de grandes inventores, músicos ou filósofos, como os protagonistas Marie-Curie Fortune (Eleanor Wyld) e Isaac Newton Midgeley (Daniel Fraser), conhecido por Zak.

             Entre os dois inicia uma história de amor impossível, desde a infância: Marie possui uma frequência excepcionalmente elevada, o oposto de Zak. A natureza acabou determinando que seus caminhos não se cruzassem: se eles passarem mais de um minuto juntos, a desigualdade de ondas intervém produzindo dramáticas consequências para Zak. Somente uma impossível mudança de frequências reverteria tudo, tornando possível o relacionamento.




Por isso, “Conhecimento determina o Destino”. Os jovens são educados sob esse lema numa clara exposição do determinismo de classes sociais – toda a sociedade é regida por um suposto determinismo da natureza. Dessa forma se evitariam guerras e conflitos.

Ajudado pelo seu amigo Theodor Adorno Strauss (Owen Pugh), Zak desenvolve uma série de experimentos para tentar passar mais de um minuto conversando com Marie. Dessa maneira, Frequencies é dividido em três capítulos correspondentes a cada um dos seus protagonistas, mostrando os diferentes ângulos das teorias metafísicas anteriormente referenciadas, mantendo o espírito de complexos filmes sci fi como  Primer de Shane Carruth ou o romantismo de Michel Gondry de Sonhando Acordado.

Aqui começa a magia do filme e quando a trama começa a ficar cada vez mais complexa: Zak e Theodor Adorno descobrem o método OXV de estabilizar a frequência das pessoas a partir da alternância das combinações vocais por meio de palavras. Desenvolvem uma espécie de aplicativo para celulares sensível às frequências de cada ambiente, fornecendo as palavras exatas (sempre com duas sílabas) para serem ditas em cada momento.

Zak então tentará ficar cada vez mais próximo dela para incutir em Marie algum tipo de sentimento em sua fria personalidade – dada a sua altíssima frequência, ela é quase um autômato, tanto que seu apelido desde a infância era “the machine”.

A “Antiga Tecnologia”


            Esse argumento é tão somente o início do que acontecerá depois e que pouco podemos revelar para não produzirmos um grande spoiler

O que podemos dizer é que Zak e Theodor Adorno sem querer tropeçam numa “antiga tecnologia” mantida em segredo por toda a História pelas elites, e aquela sociedade que tenta eliminar o livre-arbítrio a expurgou: as palavras são poderosas por serem o veículo de emissão de ondas que interferem em um ambiente. Se controladas e direcionadas, tornam-se potencialmente uma arma, seja para o bem ou para o mal.

Zak é obcecado em procurar padrões em tudo, até depara-se com o padrão vibracional OXV existente no contado entre pessoas. Quando o filme Frequencies se refere a isso como uma “antiga tecnologia” não há como deixar de lembrar do antigo conhecimento teosófico das chamadas “formas-pensamento” onde palavras e pensamento seriam formas vivas, invisíveis e intangíveis no plano físico (assim como as ondas sonoras ou eletromagnéticas), mas se tornariam entidades vivas e ativas.

 Ao formular o conceito de “forma-pensamento” em 1901, na verdade C.W. Leadbeater atualizou para o século XX da relatividade e da mecânica quântica um antigo conhecimento ocultista que no passado foi denominado como “bruxaria”, “feitiçaria” e depois “hipnose” – leia Formas de Pensamento, Editora Pensamento, 1995. Pensamentos e palavras criariam padrões energéticos, tornando-se entidades vivas sob o comando do emissor. Na verdade somos responsáveis pelos pensamentos que atravessam nossas mentes e pelas palavras que dizemos – podem tornar-se entidades vivas transmitidas de forma viral, sempre renovadas a cada reenvio.

A quarta resposta


Frequencies é mais um filme desse súbito interesse dos roteiristas e diretores por esse tema: Branded (2012), Generation P (2011), Ink (2009). Ou quando formas-pensamento tornam-se tão fortes que transformam-se em arquétipos como no filme O Segredo da Cabana (2011).




Essa “quarta resposta” dada pelo Manual OXV de Zak e Theodor Adorno à questão filosófica e científica do Livre-arbítrio, Determinismo e Indeterminismo revela que, na verdade, cada uma dessas respostas é apenas um ângulo de um mesmo fenômeno sempre em processo. A teoria do Determinismo no qual aquele mundo alternativo se baseava (a procura da paz eliminando a essência moral da responsabilidade humana da escolha) já era, em si mesmo, uma escolha moral de uma determinada elite – “sempre as elites dominaram algum tipo de tecnologia” é dito a certa altura no filme.

O amor de Zak por Marie é o “fantasma na máquina” do livre-arbítrio naquele mundo determinista, mas um amor que, através do Manual OXV, pode reverter-se em novo determinismo e manipulação.

Por isso, é irônico no filme o principal inventor do Manual OXV chamar-se Theodor Adorno: o próprio filósofo (o principal expoente da chamada Escola de Frankfurt) em seu livro Dialética do Esclarecimento já havia alertado sobre como a Razão, o Iluminismo e a Ciência são capazes de trazerem luz. Porém, toda luz produz sombras – a Razão pode se reverter em dominação e ignorância e, por fim, o retorno do Mito que a própria Razão queria eliminar.

A “antiga tecnologia” na qual os protagonistas tropeçam é o lado do indeterminismo pela necessidade de uma escolha moral que o homem sempre tem que fazer em cada momento da História. E as consequências são sempre imprevisíveis pelo homem, sem saber, ser responsável também pelas suas palavras e pensamentos.




Ficha Técnica


Título: Frequencies (aka OXV: The Manual)
Diretor: Darren Paul Fisher
Roteiro: Darren Paul Fisher
Elenco: Daniel Fraser, Eleanor Wyld, Owen Pugh
Produção: Darren Paul Fisher
Distribuição: FilmBuff
Ano: 2013
País: Austrália/Reino Unido

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