Co-produção britânica e australiana, “Frequencies” (aka “OXV: The
Manual, 2013) foi uma surpresa em festivais de Cinema Fantástico como o Fant 2014 de
Bilbao. Embora parta da premissa da atual onda de filmes sci fi distópicos com
adolescentes (amores impossíveis em mundos totalitários como em “Divergente”),
o filme pretende ser um ambicioso ensaio metafísico sobre o problema da Moral e
do Livre-arbítrio: quão livre nós somos em nosso querer agir? Em um mundo onde
o conhecimento determina o destino, jovens tropeçam em uma descoberta: o Manual
OXV baseado em uma “antiga tecnologia” onde palavras podem interferir nos
padrões de frequências que criam entrelaçamentos quânticos entre as pessoas.
Isso pode ser usado para o amor... mas também para o mal.
Uma história de amor
impossível entre dois adolescentes que vivem em uma ordem social totalitária
que impede a concretização dos seus sentimentos. Sintetizando dessa forma o
filme Frequencies (aka OXV: The Manual), parece que estamos
diante de mais um filme da atual onda de “distopias teens” como Divergente, Jogos Vorazes, Eu Sou o Número 4
etc.
Uma onda de filmes classificados pelo rótulo “ficção científica” pelos
seus aspectos mais superficiais do gênero: futuros distópicos, efeitos
especiais e alta tecnologia.
Em Frequencies o diretor e roteirista
Darren Paul Fisher também embarcou nessa tendência temática das ficções
científicas hollywoodianas, mas, ao contrário, longe desses clichês das
distopia teens. Fisher foi mais além: combinou Ciência com Filosofia para
descrever uma realidade alternativa onde uma sociedade é organizada a partir da
descoberta de que a frequência através da qual cada indivíduo vibra determina o
destino da vida das pessoas.
Frequencies é um ambicioso ensaio metafísico que
desenvolve de forma clara e sensível uma das questões centrais da Filosofia: o
homem é efetivamente livre no seu querer agir?
Tanto a Filosofia
como a Ciência deram três respostas a essa questão: a doutrina do Livre-arbítrio (o homem é autônomo e
responsável pelas suas ações), o Determinismo
(o princípio da causalidade que determinaria o constrangimento e
previsibilidade do comportamento) e o Indeterminismo
(os acontecimentos não têm causa e ocorrem aleatoriamente, desde o mundo da
mecânica quântica até o das ações humanas).
A partir de uma
simples história de amor impossível entre dois adolescentes, o filme confronta
essas três respostas, porém acrescenta uma surpreendente quarta reposta dada
por uma “antiga tecnologia” teria sido mantida em segredo por toda a História: o
poder de formularmos palavras que criam “entrelaçamentos quânticos”, alterando
a realidade.
O Filme
A narrativa se
passa em uma sociedade dividida entre gênios e pessoas normais. Essa divisão de
classes não determinada pelo QI, mas pelo tipo de frequência, alta ou baixa,
através da qual a pessoa vibra. Na escola, as crianças passam por testes para
avaliar a frequência e são chamados pelos nomes de grandes inventores, músicos
ou filósofos, como os protagonistas Marie-Curie Fortune (Eleanor Wyld) e Isaac Newton
Midgeley (Daniel Fraser), conhecido por Zak.
Entre os dois
inicia uma história de amor impossível, desde a infância: Marie possui uma
frequência excepcionalmente elevada, o oposto de Zak. A natureza acabou
determinando que seus caminhos não se cruzassem: se eles passarem mais de um
minuto juntos, a desigualdade de ondas intervém produzindo dramáticas
consequências para Zak. Somente uma impossível mudança de frequências
reverteria tudo, tornando possível o relacionamento.
Por isso,
“Conhecimento determina o Destino”. Os jovens são educados sob esse lema numa
clara exposição do determinismo de classes sociais – toda a sociedade é regida
por um suposto determinismo da natureza. Dessa forma se evitariam guerras e
conflitos.
Ajudado pelo seu
amigo Theodor Adorno Strauss (Owen Pugh), Zak desenvolve uma série de
experimentos para tentar passar mais de um minuto conversando com Marie. Dessa
maneira, Frequencies é dividido em três capítulos correspondentes a cada um dos
seus protagonistas, mostrando os diferentes ângulos das teorias metafísicas
anteriormente referenciadas, mantendo o espírito de complexos filmes sci fi
como Primer
de Shane Carruth ou o romantismo de Michel Gondry de Sonhando
Acordado.
Aqui começa a
magia do filme e quando a trama começa a ficar cada vez mais complexa: Zak e
Theodor Adorno descobrem o método OXV de estabilizar a frequência das pessoas a
partir da alternância das combinações vocais por meio de palavras. Desenvolvem
uma espécie de aplicativo para celulares sensível às frequências de cada
ambiente, fornecendo as palavras exatas (sempre com duas sílabas) para serem
ditas em cada momento.
Zak então tentará
ficar cada vez mais próximo dela para incutir em Marie algum tipo de sentimento
em sua fria personalidade – dada a sua altíssima frequência, ela é quase um
autômato, tanto que seu apelido desde a infância era “the machine”.
A “Antiga Tecnologia”
Esse argumento é
tão somente o início do que acontecerá depois e que pouco podemos revelar para
não produzirmos um grande spoiler.
O que podemos
dizer é que Zak e Theodor Adorno sem querer tropeçam numa “antiga tecnologia”
mantida em segredo por toda a História pelas elites, e aquela sociedade que
tenta eliminar o livre-arbítrio a expurgou: as palavras são poderosas por serem
o veículo de emissão de ondas que interferem em um ambiente. Se controladas e
direcionadas, tornam-se potencialmente uma arma, seja para o bem ou para o mal.
Zak é obcecado em
procurar padrões em tudo, até depara-se com o padrão vibracional OXV existente
no contado entre pessoas. Quando o filme Frequencies se refere a isso como uma
“antiga tecnologia” não há como deixar de lembrar do antigo conhecimento
teosófico das chamadas “formas-pensamento” onde palavras e pensamento seriam
formas vivas, invisíveis e intangíveis no plano físico (assim como as ondas
sonoras ou eletromagnéticas), mas se tornariam entidades vivas e ativas.
Ao formular o conceito de “forma-pensamento”
em 1901, na verdade C.W. Leadbeater atualizou para o século XX da relatividade
e da mecânica quântica um antigo conhecimento ocultista que no passado foi
denominado como “bruxaria”, “feitiçaria” e depois “hipnose” – leia Formas de Pensamento, Editora
Pensamento, 1995. Pensamentos e palavras criariam padrões energéticos,
tornando-se entidades vivas sob o comando do emissor. Na verdade somos
responsáveis pelos pensamentos que atravessam nossas mentes e pelas palavras
que dizemos – podem tornar-se entidades vivas transmitidas de forma viral,
sempre renovadas a cada reenvio.
A quarta resposta
Frequencies é mais um filme desse súbito interesse
dos roteiristas e diretores por esse tema: Branded
(2012), Generation
P (2011), Ink
(2009). Ou quando formas-pensamento tornam-se tão fortes que transformam-se em
arquétipos como no filme O
Segredo da Cabana (2011).
Essa “quarta
resposta” dada pelo Manual OXV de Zak e Theodor Adorno à questão filosófica e
científica do Livre-arbítrio, Determinismo e Indeterminismo revela que, na
verdade, cada uma dessas respostas é apenas um ângulo de um mesmo fenômeno
sempre em processo. A teoria do Determinismo no qual aquele mundo alternativo
se baseava (a procura da paz eliminando a essência moral da responsabilidade
humana da escolha) já era, em si mesmo, uma escolha moral de uma determinada
elite – “sempre as elites dominaram algum tipo de tecnologia” é dito a certa
altura no filme.
O amor de Zak por
Marie é o “fantasma na máquina” do livre-arbítrio naquele mundo determinista,
mas um amor que, através do Manual OXV, pode reverter-se em novo determinismo e
manipulação.
Por isso, é
irônico no filme o principal inventor do Manual OXV chamar-se Theodor Adorno: o
próprio filósofo (o principal expoente da chamada Escola de Frankfurt) em seu
livro Dialética do Esclarecimento já
havia alertado sobre como a Razão, o Iluminismo e a Ciência são capazes de
trazerem luz. Porém, toda luz produz sombras – a Razão pode se reverter em
dominação e ignorância e, por fim, o retorno do Mito que a própria Razão queria
eliminar.
A “antiga tecnologia”
na qual os protagonistas tropeçam é o lado do indeterminismo pela necessidade
de uma escolha moral que o homem sempre tem que fazer em cada momento da
História. E as consequências são sempre imprevisíveis pelo homem, sem saber,
ser responsável também pelas suas palavras e pensamentos.
Ficha Técnica |
Título: Frequencies (aka OXV: The Manual)
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Diretor: Darren Paul Fisher
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Roteiro: Darren Paul Fisher
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Elenco: Daniel Fraser, Eleanor Wyld, Owen Pugh
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Produção: Darren Paul Fisher
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Distribuição: FilmBuff
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Ano: 2013
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País: Austrália/Reino Unido
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