“Tenho
medo de aproximar-me dele... Eu o conhecia antes dele ser o Coringa... não
quero envolver-me com isso”, relatou o ator Scott Eastwood sobre a experiência de
acompanhar Jared Leto ("Sr. Ninguém", "Clube de Compras Dallas") nas filmagens interpretando o Coringa, no filme
“Esquadrão Suicida” com lançamento previsto para 2016. Vazam na Internet
declarações de que, tal como Heath Ledger em “Batman: O Cavaleiro das Trevas”,
Leto também não estaria conseguindo “abandonar o personagem”. Estaríamos
acompanhando mais uma recorrência sincromística que envolve o sombrio palhaço
do crime? Para muitos pesquisadores em Sincromisticismo, desde que o Coringa
surgiu em 1940 nas HQs, o personagem transformou-se em uma forma-pensamento
autônoma, envolvido em repetidos relatos de atores sobre o desconforto em
interpretá-lo. Jack Nicholson ficou furioso por Ledger não tê-lo consultado
sobre como lidar com o papel. “Bem, eu o avisei!”, teria dito ao saber da morte
de Ledger. Jared Leto pode ser o próximo?
Considere essas duas declarações
abaixo feitas durante a produção de dois filmes diferentes:
(a) “A performance de Heath
Ledger interpretando o Coringa nos sets de gravação era tão assustadora que
muitas vezes chegava a esquecer as minhas próprias linhas de diálogo” Michael
Caine durante a produção do filme Batman:
O Cavaleiro das Trevas;
(b) “Eu tinha medo de aproximar-me dele
[Jared Leto] porque eu não queria me envolver naquilo que estava acontecendo.
Eu o conhecia, antes dele ser o Coringa. Eu o conheci como Jared Leto. Não
quero envolver-me com isso” (Scott Eastwood, sobre as filmagens do filme Esquadrão Suicida com Jared Leto
interpretando o Coringa).
Com lançamento previsto para 2016, no filme Esquadrão Suicida (aventura do
supergrupo de mercenários baseado nos quadrinhos homônimos da DC Comics)
novamente os telespectadores vão se confrontar com mais uma versão do Coringa,
dessa vez interpretado pelo ator Jared Leto.
Fotos da versão de Leto para o Coringa que
vazaram na Internet e declarações de atores e técnicos nos sets de filmagem
apontam para supostos efeitos psicológicos e mesmo físicos que o sombrio
personagem estaria provocando no ator. Como Eastwood declarou acima, Jared Leto
não estaria conseguindo “abandonar seu personagem”, mesmo depois das filmagens
– sobre isso clique
aqui.
Críticos de cinema e pesquisadores em
Sincromisticismo na indústria do entretenimento temem que Leto tenha o mesmo
destino de Heath Ledger – ao longo das várias versões do Coringa no cinema e
TV, o núcleo de loucura do príncipe palhaço do crime parece sempre de alguma
forma afetar os atores que desempenham o papel.
Uma trajetória conflitos e medo
Em 1966, a série televisiva da Fox Batman trouxe Cesar Romero para o papel.
Romero era conhecido pelos seus trabalhos como típico galã latino-americano.
Por isso, na verdade nunca entendeu o personagem, minimizando o seu lado
homicida para transformá-lo num palhaço trapalhão. Romero falava que não
encontrava um lugar para si no personagem, e referiu-se diversas vezes a
“problemas de dualidade”. O Coringa teria o deixado confuso, inseguro consigo
mesmo e com severas dores de cabeça. Em muitas entrevistas, dizia que viveu uma
constante guerra com o Coringa.
Cesar Romero como o Coringa em 1966 |
Em 1989, Jack Nicholson se juntou à equipe de
Tim Burton para fazer o Coringa do filme Batman.
O ator adorou a liberdade dada por Burton para cair de cabeça em um personagem
sem consciência e que gostava de matar e mutilar por puro divertimento. Porém,
a alegria de Nicholson não durou muito: começou a queixar-se de inquietação e
insônias severas, fazendo o estresse se infiltrar por todas as partes da sua
vida. Mais tarde, Nicholson teria ficado furioso por não ter sido consultado
por Heath Ledger que viria a interpretar o Coringa no Batman de Nolan: “Bem, eu o avisei!”, teria declarado Nicholson ao
saber da morte de Ledger.
Mark Hammil
(famoso no cinema como Luke Skywalker em Guerra nas Estrelas) tornou-se um recordista em dar a sua voz ao
Coringa em uma série de animações nesses últimos 20 anos. Mesmo não performando
fisicamente o personagem, Hammill repetidamente referiu-se ao personagem como
“um animal” e relatou as mesmas crises de ansiedade e insônias de seus
antecessores.
Com esse histórico envolvendo o sombrio
príncipe do crime, era de se esperar que Heath Ledger fosse mais cuidadoso.
Quando o papel foi oferecido para ele no Batman:
O Cavaleiro das Trevas de Nolan, Ledger desdenhou o personagem e o definiu
como ninguém havia feito antes: “um palhaço psicótico e assassino com zero de
empatia”. Não demorou para aparecerem crises de depressão, ansiedade e insônia
(ao mesmo tempo terminava um relacionamento onde foi separado da sua filha).
Durante esse tempo foi atendido por uma variedade de médicos que prescreveram
perigosas interações medicamentosas.
Jared Leto como o Coringa em "Esquadrão Suicida"(2016) |
O núcleo arquetípico do Coringa
Essa recorrência sincromística (mais detalhes
sobre a hipótese do Sincromisticismo clique
aqui) precisa ser interpretada em três aspectos: o personagem do
Coringa como Arquétipo e Forma-Pensamento, a sobrevivência dos arquétipos na
atual indústria do entretenimento e o atual método de treinamento de atores.
Em 1928, o filme que inspirou o aspecto do Coringa nas HQs |
As origens do Coringa é mais popularmente
reconhecida na HQ A Piada Mortal da
DC Comics de 1988, em uma edição especial onde quer provar a qualquer custo que
a loucura está a alcance de todos. “A loucura é a saída de emergência da nossa
sanidade”, diz em uma das linhas de diálogo. Nos quadrinhos o Coringa se
diferencia por ser o único vilão que não quer a morte do Batman, mesmo quando
tem a oportunidade de fazê-lo. Parece ter um desejo inquietante de demonstrar
que um necessita do outro, em uma relação ao mesmo tempo antagônica e de
dependência.
A figura do Coringa é a personificação
sombria do arquétipo do Trapaceiro (o Trickster), aquele que quer quebrar a
ordem dos deuses ou da natureza. O arquétipo do Trapaceiro parece ser uma
comédia de opostos: para cada bom aspecto seu há um aspecto oposto sombrio. Ele
é o disjuntor de tabus. Proporciona o alívio cômico dos mitos religiosos: expõe
a tolice dos homens e a fraqueza das lições de moral.
Por isso, esse arquétipo é poderoso, por se
confundir com a natureza entrópica do Universo: ordem e caos, energia e
entropia, ou seja, a própria representação da seta do tempo que conduz a vida
para a morte. Representa a revolta do homem diante dos deuses: ao contrário de
xamãs, heróis ou santos, ele quer basear-se na sua própria inteligência, sempre
procurando um atalho para no final fracassar. É a condição tragicômica humana,
como o herói mitológico grego Prometeu que após roubar o fogo dos deuses foi
castigado por eles.
Coiote e Papa Léguas: a vivência do arquétipo do Trapaceiro |
Arquétipos na atual indústria do entretenimento
Mas a questão a ser compreendida é o que
acontece quando poderosos arquétipos que pertencem ao inconsciente coletivo são
reencenados continuamente com entretenimento nas mídias?
Um pequeno exemplo é a oposição que as
narrativas de tribos indígenas norte-americanas fazem entre o xamã e o coiote:
enquanto o primeiro busca suas forças no sobrenatural, o segundo baseia-se na
sua própria inteligência. O xamã seria capaz de voar por meio da meditação,
enquanto o coiote tenta um atalho nas costas de um urubu... e sempre se dá mal.
A narrativa soa familiar quando lembramos que
milhões de crianças cresceram com estes mesmos personagem com o Wile Coyote
tentando pegar o Papa Léguas na série de animações Looney Toons. Sempre o Coiote tem um esquema bem elaborado que
inevitavelmente termina no fundo de um penhasco depois de uma longa queda.
No passado os arquétipos eram revividos em
narrativas mitológicas e rituais mágicos e religiosos que garantiam, por assim
dizer, um distanciamento entre as dimensões sagradas e profanas, mito e
cotidiano, fazendo a energia psíquica contida no arquétipo ser consumida através
da catarse ou pelo frenesi das festas até a sua dissipação. A vivência dos
arquétipos sempre esteve presente no fenômeno religioso e do fantástico,
associados aos sistemas mitológicos, metafísicos, teológicos e grandes
manifestações artísticas.
O pensamento cria formas autônomas no Plano Astral, agora amplificado pelas mídias |
Com a crise desses sistemas, os arquétipos
passaram a ser revividos em uma espécie de sub-zeitgeist místico e sobrenatural
das HQs, Magazines, pulp fictions e filmes B sci fi, de horror e fantasia.
Hoje revive na própria indústria do
entretenimento como um todo, como a fagulha que fascina e excita os
espectadores, porém em um contexto psíquico e astral bem diferente do passado:
agora são vividos de forma repetitiva, neuroticamente como clichês. E sua
repetição transmitida ao vivo por ondas eletromagnéticas, streaming na Internet
ou em sistemas audiovisuais em salas de projeção. Como pesquisadores
sincromísticos apontam, a energia viva, psíquica desses arquétipos não mais se
dissipa, mas transformam-se em formas-pensamentos – criações mentais que
utilizam matéria fluídica capazes de criar formas autônomas no Plano Astral.
Sua energias não são mais se dissipam como em
rituais no passado, mas agora são continuamente alimentados e materializados
pela indústria do entretenimento, continuamente criando egrégoras de formas-pensamento
que do Plano Astral atingem o Plano Físico, criando estranhas “conexões
significativas” imprevisíveis quanto aos efeitos.
“O Método” expõe os atores às formas-pensamento
E os atores, verdadeiros médiuns
inconsciente, são recrutados por essa indústria a exposto sem proteção a esse
vasto material arquetípico da espécie humana.
Os atores e artistas são as peças-chave para a
solução de uma contradição que envolve a própria exploração de arquétipos por
um processo industrial: como manter a vivencia do arquétipo espontânea em
produtos audiovisuais marcados pela repetição, clichês e estereótipos? –
conceitos essenciais para a produção cultural em linha de montagem.
Actors Studio, Nova York |
Como vimos em uma antiga postagem desse blog,
a solução foi o chamado “Método” criado a partir da Teoria do Ator de
Stanislawski. Criado em 1947 pela Actors Studio a partir de uma leitura bem particular de
Stanislawski, criou a proposta de que o ator não deve apenas representar, mas
ser o próprio personagem a partir de um complexo método composto por exercícios
físicos e psicológicos.
Para
dar espírito e autenticidade às verdadeiras formas-pensamento que são os
personagens, o ator deve arrancar do seu psiquismo diversas personas
arquetípicas. O brilho e magnetismo revolucionários de Marlon Brando e James
Dean (egressos da Actors Studio) nos anos 50 expuseram uma espécie de animismo
do ator: assim como no Espiritismo se chama de animismo a interferência do
espírito e sentimentos do médium na comunicação (na verdade, são as personas do
médium que falam e não algum espírito), vemos em filmes e teatros personagens
cuja força vêm do próprio psiquismo do ator – sobre isso clique aqui: “Pequena
história gnóstica da espontaneidade na indústria do entretenimento – parte 2”.
O
resultado dramático é que acompanhamos como os relatados pelos efeitos da
Forma-Pensamento do Coringa em atores que o interpretam: parte do psiquismo do
ator roubada pela próprio personagem em um processo análogo de vampirismo em um
plano astral – até as formas-pensamento se dissiparem em efeitos catastróficos
como mortes trágicas e acidentes como o bem conhecido “Massacre do Colorado” em
2012 – um atirador que fez dezenas de vítimas na estreia do filme Batman: O Cavaleiro das Trevas nos EUA –
sobre isso clique
aqui.
A vantagem do Método é que confere aos papéis
realismo e naturalismo, dando espontaneidade ao trabalho dos atores – o que
combate o perigoso efeito de tédio que as estruturas de fabricação em clichês e
estereótipos podem proporcionar aos espectadores. Mas, por outro lado, expõe
atores e artistas diretamente a esses energias autônomas, verdadeiros quiasmas
astrais. Resultando numa espécie de imolação pública em filmes, shows e
espetáculos, como bem demonstrou o filme Cine
Negro (2012) de Aronofsky.
O leitor poderá contra-argumentar que esses
relatos sobre os supostos efeitos do Coringa em Jared Leto não passam de
vazamento promocional na Internet de um filme previsto para o ano que vem. Pode
ser, mas por outro lado se for mesmo uma estratégia promocional, ela baseia-se
em uma recorrência que envolve o histórico do sinistro personagem. Dessa
maneira, Jared Leto poderia estar exposto a uma dupla ameaça: a da
forma-pensamento do Coringa e de uma profecia que poderá tornar-se autorrealizável.
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